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Disputa política pela vacina contra covid-19: quem perde é o brasileiro | Coluna

médica segura frasco de vacina de covid-19 à frente do rosto
Publicado em 22/10/2020
Revisado em 27/01/2022

Disputas políticas acerca da vacina contra covid-19 envolvendo o presidente da República e o governador de São Paulo só prejudicam a população

 

A covid-19 já matou, até 22/10/20, mais de 1 milhão de pessoas no mundo todo,  sendo 155 mil apenas no Brasil. Diante da pandemia de um vírus que se dissemina com rapidez e não parece dar sinais de estar chegando ao fim, a busca por uma vacina que seja eficaz e segura atraiu a atenção de toda a comunidade científica internacional.

Veja também: Entrevista sobre vacinas contra a covid-19

Nunca a ciência andou tão depressa como agora. Até hoje, a vacina que levou menos tempo para ficar pronta foi a do sarampo: entre a descoberta do vírus causador da doença, na década de 1950, e a autorização da vacina para uso transcorreram-se  10 anos.  Isso porque os estudos que comprovam a segurança e a eficácia da vacina em seres humanos são, no geral, demorados e envolvem milhares de pesquisadores e voluntários, muitas vezes distribuídos em vários centros de pesquisa do mundo.

No caso da vacina contra a covid-19, os estudos estão acelerados. Isso não significa, no entanto, que os pesquisadores pulem fases ou deixem de lado o rigor científico para lançar apressadamente uma vacina no mercado, mas que há um esforço mundial que envolve governos, farmacêuticas e centros de pesquisa.

No momento (22/10/20), há seis vacinas em estudos de fase 3, os mais avançados no processo de testes de vacinas. Duas delas contam com parceiros brasileiros: a  Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), que participa dos estudos da vacina desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca, e o Instituto Butantan, que firmou parceria com a Sinovac. Ambas as instituições têm experiência em pesquisa e desenvolvimento de vacinas, e são respeitadas nacional e internacionalmente.

O Brasil, cujo Programa Nacional de Imunizações (PNI) é reconhecido como um dos maiores e mais bem sucedidos programas de vacinação gratuita do mundo, tem condições de desenvolver e produzir vacinas que se comprovem eficazes e seguras contra a covid-19, firmou parcerias promissoras com esse intuito e possui conhecimento e estrutura para oferecê-las à população.

O que deveria, contudo, ser uma notícia animadora no momento em que o país enfrenta uma das piores crises sanitárias e socioeconômicas da história virou motivo de disputa política. João Doria, governador do estado de São Paulo, prometeu que a vacina produzida pelo Instituto Butantan estará disponível em breve, mesmo sem que os resultados de fase 3 tenham sido divulgados.

O ministro da Saúde Eduardo Pazuello havia afirmado, em 20/10/20, que o governo federal compraria 46 milhões de doses da CoronaVac, a vacina desenvolvida pela Sinovac e pelo Instituto Butantan. No dia seguinte, todavia, após repercussão negativa nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro anunciou em uma rede social que o governo não compraria a vacina, que ele chama pejorativamente  de “vacina chinesa”, por falta de evidências científicas de que ela seja segura e eficaz.

É importante lembrar que o Brasil compra mais de 90% dos princípios ativos utilizados na produção de medicamentos genéricos da Índia e da China, além de importar deste país remédios já prontos para uso, como antibióticos.

No entanto, embora o presidente justifique o recuo pela falta de evidências, o Tribunal de Contas da União (TCU), que faz auditorias frequentes nos gastos do Ministério da Saúde, revelou, em relatório divulgado no mesmo dia 21/10/20, que o governo já gastou 1,28 bilhão de reais com a vacina da AstraZeneca, cujos estudos de fase 3 também estão em andamento.

Em declarações que nos remetem aos tempos da Guerra Fria, Bolsonaro tem dito não confiar na vacina da Sinovac, levantando  suspeitas  sobre sua procedência e segurança. O governador João Doria, na contramão do que afirmou Bolsonaro, que defende que a vacinação contra o novo coronavírus seja facultativa, afirmou que a vacina é segura e que a vacinação será compulsória no estado paulista.

Em meio a disputas quanto a vacinas que ainda estão em fase de testes e que sequer foram  submetidas à aprovação da Anvisa, agência que regulamenta alimentos e medicamentos, a população teme que questões políticas e ideológicas possam interferir no que deveria ser uma decisão com base em evidências científicas.

Ressuscitar uma paranoia que coloca em dúvida a capacidade da China de produzir medicamentos em um momento delicado como o que vivemos é irresponsabilidade. Alimentar dúvidas a respeito de vacinas que ainda não passaram por todos os estudos necessários só serve para estimular o movimento antivacina, que até aqui não tem grande relevância no país, mas vem crescendo.

Tampouco ajuda fazer promessas sem apresentar evidências científicas que as justifiquem, sob risco de tê-las de desmentir mais tarde. Essas brigas podem servir a interesses políticos e eleitorais, mas em nada valem para a população.

A nós, brasileiros e brasileiras, cabe pressionar para que a Anvisa mantenha sua independência na análise dos dados dos estudos das vacinas, e que o país acorde a tempo de defender a ciência e possa oferecer a todos as vacinas cujas segurança e eficácia contra uma doença que já vitimou mais de 155 mil famílias sejam comprovadas. Não importa  de onde vierem.

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