A febre hemorrágica brasileira é causada por um arenavírus, que infecta roedores silvestres e, eventualmente, seres humanos.
Febres hemorrágicas por vírus de diferentes tipos estão espalhadas pelo mundo inteiro. No Brasil, existem exemplos dessas doenças com sintomas parecidos, que podem confundir o diagnóstico. É o caso da dengue grave (antes chamada de dengue hemorrágica), da síndrome de choque da dengue, da febre amarela, da febre hemorrágica brasileira, esta última uma doença rara, potencialmente letal, causada por um variante do vírus Sabia, um elemento da família Arenaviridae (ou arenavírus), gênero Mammarenavirus (vírus de RNA de cadeia simples e sentido negativo), que infecta roedores silvestres e, ocasionalmente, humanos.
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Histórico
O vírus sabiá foi identificado, pela primeira vez, no estado de São Paulo, no início da década de 1990, após a morte de uma mulher de 25 anos que havia manifestado alguns sintomas semelhantes aos da febre amarela (febre alta e hemorragias, especialmente), depois de uma viagem para a cidade de Cotia, no interior paulista, onde provavelmente se deu o contágio.
Além desse primeiro episódio, a literatura médica registra apenas outros três de infecção pelo vírus sabiá, seguidos por um longo período – 20 anos – em que o micro-organismo esteve como que adormecido. Dois deles ocorreram, acidentalmente, com profissionais envolvidos com os procedimentos laboratoriais ligados à doença. O quarto, em 1999, foi o de um trabalhador residente na área rural da cidade Espírito Santo do Pinhal (SP), que provavelmente entrou em contato direto com esse vírus no ambiente em que vivia.
Durante esses anos todos, não houve mais notícia de nenhuma ocorrência da infecção pelo arenavírus, por via natural ou não. Entretanto, em 11 de janeiro de 2020, segundo declaração atestada pelo Ministério da Saúde, a assim chamada febre hemorrágica brasileira tinha sido a causa da morte de um homem de 52 anos, morador de Sorocaba, cidade também do interior de São Paulo. Ficou apurado que, antes de ficar doente, ele havia viajado, em férias, para Eldorado e Pariquera-Açu, municípios do Vale do Ribeira no sul do estado de São Paulo, e tinha visitado a zona rural de Itapeva e Itaporanga, duas cidades paulistas.
O fato é que, na volta, em 30/12/2019, ele procurou assistência num pronto-socorro com sintomas parecidos com os da febre amarela, suspeita clínica que não foi confirmada por testes laboratoriais. E não foi só a possibilidade de febre amarela que foi descartada nessa oportunidade. Outras doenças também com sintomas semelhantes aos da febre hemorrágica brasileira– hepatites virais, zika, chikungunya, leptospirose – foram investigadas a fim de descobrir os agentes patogênicos que pudessem estar envolvidos. Todos os resultados foram negativos.
Na tentativa de esclarecer o quadro e orientar o tratamento, antes de ser levado para o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, o paciente passou por dois outros hospitais e um pronto-socorro. Infelizmente, a doença não deu trégua e ele faleceu 12 dias depois de manifestados os primeiros sintomas.
Para as autoridades sanitárias, é fundamental chegar a um diagnóstico conclusivo dessa doença grave e mortal causada por um vírus que se mostra ativo em ambientes silvestres e pode infectar humanos, aleatória e acidentalmente.
Os especialistas envolvidos no caso decidiram, então, recorrer ao LATE (Laboratório de Técnicas Especiais do Hospital Albert Einstein (SP), cuja equipe desenvolveu uma nova técnica diagnóstica, capaz de identificar qualquer tipo de vírus. Assim foi feito. Os pesquisadores que participaram da análise descobriram, então, que o agente patológico da febre hemorrágica brasileira é um Mammarenavírus, gênero dos vírus da família Arenaviridae, provavelmente uma variante da família sabiá.
É importante destacar que, embora tenham 88% de pontos em comum, esses dois tipos de arenavírus – o identificado na década de 1990 e o que infectou o morador de Sorocaba em 2020 – não são exatamente iguais. Trata-se de um vírus novo que precisa ter identificadas as semelhanças e diferenças para estabelecer o risco de infecção que pode oferecer. Em outras palavras: os testes de biologia molecular disponíveis no SUS e realizados em 2020 indicaram que se trata de uma nova cepa do vírus Arenaviridae, ou seja, uma variante do vírus sabiá, também transmitida por roedores silvestres, animais que funcionam como reservatórios naturais do micróbio e que, uma vez infectados, carregam o vírus por toda a vida.
Pelo o que até agora se sabe, o arenavírus é um agente infeccioso de alto risco. Por isso, quanto ao nível de biossegurança estabelecido mundialmente, foi classificado como nível 4. Ou seja, oferece alto risco de contágio, qualquer que seja a forma de contaminação, a tal ponto que só laboratórios credenciados estão autorizados a lidar com esse tipo de material.
Sintomas da febre hemorrágica brasileira
O período de incubação dos arenavírus, compreendido entre o momento do contágio e o aparecimento dos sintomas, pode variar de 7 a 21 dias. O mais comum, porém, é ocorrer entre 6 e 14 dias. Nessa fase, a doença pode ser assintomática.
De maneira geral, quando os sintomas se instalam, os mais comuns são febre, mal-estar, dores musculares, de garganta, no estômago, de cabeça, atrás dos olhos, além de fotofobia (sensibilidade à luz), sangramento das mucosas orais e nasais, constipação (prisão de ventre), sonolência, queda de pressão.
Com a evolução da doença, as alterações neurológicas e hepáticas se agravam, e podem vir acompanhadas de sinais mais graves de hemorragias, prostração, tontura, hepatites, convulsões, confusão mental, linfadenopatia generalizada, manchas vermelhas na face e no tronco, mudanças de comportamento.
A síndrome do extravasamento capilar é uma complicação bastante grave da doença, que pode evoluir para óbito em pouco tempo.
Transmissão da febre hemorrágica brasileira
Existem diferentes formas de transmissão da doença. A transmissão pode ocorrer verticalmente, da fêmea para o filhote.
O mais comum, porém, é o contágio ocorrer em regiões rurais ou de mata pela inalação de partículas de aerossóis suspensas no ar, que tiveram origem nos resíduos de urina, fezes, saliva, vômito ou sêmen eliminados por roedores silvestres infectados pelo arenavírus. Não há registros de casos de contaminação em áreas urbanas.
A transmissão entre humanos, de pessoa para pessoa, é a que mais preocupa, porque tudo indica tratar-se de um vírus novo, uma variante do vírus sabiá, que pode ser transmitido pelo contato prolongado de um doente com pessoas próximas ou, ainda, em ambiente hospitalar, para os profissionais envolvidos no atendimento clínico e laboratorial do paciente, sobretudo quando não são observados os procedimentos preventivos recomendados.
Diagnóstico da febre hemorrágica brasileira
A morte de um paciente aos 52 anos, em Sorocaba permaneceu sem diagnóstico conclusivo por vários dias. Embora os sintomas da doença remetessem a um quadro de febre hemorrágica viral, os resultados dos exames laboratoriais eram todos negativos, quando aplicados para outras doenças com quadros clínicos semelhantes.
Segundo publicação no jornal “O Estado”, a solução só veio depois que as equipes médicas do Hospital das Clínicas e do Hospital Albert Einstein decidiram utilizar a metodologia viroma/metagenômica, recentemente padronizada pela equipe do Albert Einstein, e que permite identificar qualquer tipo de vírus por meio da análise do material genético do agente infeccioso.
Foi por esse caminho que os pesquisadores chegaram ao Mammarenavírus, um dos três gêneros da família dos arenavírus, espécie sabiá. Posteriormente, houve confirmação por parte do Laboratório de Investigação Médica do Instituto de Medicina Tropical do HFFM-USP e do Instituto Adolfo Lutz.
Embora tenham 88% das características em comum, o vírus encontrado no paciente de Sorocaba não é idêntico ao encontrado em 1990. É um vírus novo. Esse achado demanda novos estudos para determinar que risco ele possa representar.
Tratamento da febre hemorrágica brasileira
O tratamento da febre hemorrágica viral é de suporte e visa sobretudo ao controle e alívio dos sintomas. Existe um medicamento antiviral, a ribavirina, que mostrou eficácia no tratamento das hepatites virais. No caso específico da febre hemorrágica brasileira pelo arenavírus, os resultados parece serem mais efetivos, quando o remédio é introduzido ao surgirem os primeiros sinais da infecção.
O uso dessa droga é contraindicado durante a gravidez e a lactação pelas alterações graves que pode provocar no feto em formação.
Recomendações
Nunca se automedique.
Na presença de qualquer sintoma que possa sugerir a doença, procure atendimento médico no serviço de saúde mais próximo. A febre hemorrágica brasileira já provou ser uma doença grave, de evolução rápida, que pode levar à morte.
Tanto o Ministério da Saúde quanto a Secretaria de Saúde de São Paulo asseguram que o risco de transmissão do vírus da febre hemorrágica brasileira para a população em geral é bastante baixo. Também garantem que as pessoas que conviveram com o morador de Sorocaba, em casa ou nos hospitais por onde passou, estão sendo todas monitoradas de perto. Até o momento, não surgiu nenhum caso que possa sugerir a infecção por esse novo vírus.
Quando se fala em prevenção, lavar as mãos com água e sabão, qualquer sabão, antes e depois de estabelecer contato com o paciente é a regra de ouro para evitar a contaminação por esse vírus ou por qualquer outro agente patogênico.
No caso em questão, lembrar que áreas de mata, parques, fazendas podem servir de habitat natural para roedores silvestres transmissores do vírus. Também nessas regiões, construções fechadas há muito tempo, ou com sinais evidentes da presença de roedores, podem representar risco maior de contágio em função das partículas, especialmente de urina ou fezes ressecadas, suspensas no ar.
Ainda falando em prevenção, no exercício de suas atividades, profissionais da saúde não devem descuidar do uso dos equipamentos descartáveis de proteção individual como luvas, gorros, aventais, óculos e máscaras.
Perguntas frequentes sobre febre hemorrágica brasileira
A febre hemorrágica brasileira tem cura?
A doença tem alta taxa de letalidade (morte) e não há tratamento específico para a doença, apenas para o alívio e controle dos sintomas.