A associação entre celular e direção é perigosa e responsável por vários acidentes de trânsito.
Ao mesmo tempo em que acompanhamos avanços impressionantes que desvendam mecanismos complexos da fisiologia humana, temos que reforçar uma série de obviedades. A cada 5 brasileiros, 1 ainda precisa ser educado sobre os riscos de dirigir usando celular.
O Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), uma pesquisa do Ministério da Saúde realizada nas capitais de todos os estados, lançou a informação na última semana de junho de 2019. Dados da pesquisa são divulgados ao longo do ano, antes que o relatório completo seja disponibilizado, e esse é o primeiro do Vigitel 2018.
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Não bastasse essa alta taxa (precisamente 19,3% da população das capitais), o público que mais pratica esse comportamento de risco é, em tese, aquele que teria mais condições de não fazê-lo: pessoas com 12 anos ou mais de escolaridade. Os diplomados de Belém (24,1%), Rio Branco e Cuiabá (ambos com 24%) lideram no quesito, enquanto Salvador, Rio e São Paulo ficam na ponta de baixo, mas ainda com números muito altos (14,2%, 17,2% e 17,4%, respectivamente). A faixa entre 25 e 34 anos é a que mais se atualiza nas redes sociais enquanto é responsável por um equipamento que pode matar (25,11%), mas os de 35 a 44 e 18 a 24 anos não ficam muito atrás (23,21% e 21,74%, respectivamente).
Não é preciso estudo para verificar os efeitos de usar o celular ao volante. Qualquer pessoa que já usou ou viu alguém utilizando o aparelho percebe o poder de distração das telas. Não faltam, nas grandes cidades, motoristas estressados, ansiosos para acelerar no instante em que o semáforo passa do vermelho para o verde. Mesmo assim, quem nunca viu alguém levar uma buzinada porque não arrancou por estar entretido no celular?
Cinco em cada cinco brasileiros, em média, não conseguem prestar atenção adequadamente em uma conversa enquanto estão no celular, mas um deles acha razoável responder o WhatsApp enquanto controla uma máquina de mais de uma tonelada. A distração diminui a capacidade de reagir em tempo adequado às situações mais banais do trânsito e abre espaço para o motorista sair de sua pista. Todas situações potencialmente fatais que aumentam em quatro vezes o risco de acidentes.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 1,35 milhão de pessoas morre anualmente no mundo em acidentes de trânsito, fora as dezenas de milhões que se ferem, muitas de forma incapacitante. Faz parte das metas da OMS reduzir esse número pela metade em 10 anos (de 2011 a 2020). Quanto às mortes, o Brasil vem reduzindo suas taxas, mas não em ritmo que persiga esse objetivo. Em 2011 houve 44.553 óbitos em acidentes de trânsito. Em 2020, teríamos de chegar à marca de no máximo 22.276, mas em 2017 — a três anos da data-limite — chegamos a 36.430, uma redução de somente 18%.
A saúde pública precisa ter condições de se concentrar em promover uma política de educação e prevenção, mas a tarefa é árdua se é preciso atender casos complexos e custosos como costumam ser os traumatismos decorrentes de acidentes. É evidente que os acidentes provocados pelo uso do telefone não representam a totalidade dos acidentes de trânsito, mas o hábito faz parte da cultura, cada vez mais presente, de menosprezar recomendações baseadas em ciência. Se essa cultura se reforçar, a nós vai restar somente torcer para que esse brasileiro entre cinco que usa celular dirigindo não ache também que seu filho não precisa de cadeirinha.