Apesar de ser muito conhecido por alertar sobre os malefícios do tabagismo, neste DrauzioCast o dr. Drauzio faz sua confissão sobre o cigarro.
Vou fazer uma confissão: eu fui dependente de nicotina durante 20 anos. Comecei ainda adolescente, porque não sabia o que fazer com as mãos quando chegava às festas. Era início dos anos 60 e o cigarro estava em toda parte: televisão, cinema, outdoors e com os amigos. O jovem que não fumasse estava por fora.
Um dia, na porta do colégio, um amigo me ensinou a tragar. Fiquei meio tonto, mas saí de lá e comprei um maço na padaria. Caí na mão de um fornecedor por duas décadas. 20 cigarros por dia — às vezes mais. Fiz o curso de medicina fumando.
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Naquela época começavam a aparecer os primeiros estudos sobre o efeito do cigarro no organismo, mas a indústria tinha equipes de médicos encarregados de contestar sistematicamente qualquer pesquisa que demonstrasse a ação prejudicial do fumo. Esses cientistas de aluguel negavam até que a nicotina provocasse dependência química — veja só, negavam que provocasse dependência química, desqualificando o sofrimento da legião de fumantes que tenta largar e não consegue.
Nos anos 70 eu fui trabalhar no Hospital do Câncer de São Paulo. Nesse tempo, a literatura científica já havia deixado claro a relação entre o fumo e diversos tipos de câncer. Já se sabia até que, de cada três casos de câncer, pelo menos um é provocado pelo cigarro.
Apesar do conhecimento teórico e da convivência diária com os doentes, continuei fumando. Quando me perguntavam “mas você é cancerologista e fuma?” eu ficava sem graça e dizia que ia parar. Só que esse dia nunca chegava. A droga quebra o caráter do dependente.