A relação entre poluição e demência fica cada vez mais bem estabelecida.
Quanto mais velhos ficamos, maior o risco de declínio cognitivo. A perda progressiva de memória pode chegar ao ponto de não reconhecermos pessoas queridas, a casa em que vivemos e o mundo que nos cerca, e de perdermos a noção de quem somos, incapacidades que nos roubam a condição humana.
Como a faixa etária que mais cresce na população do Brasil e de muitos países é a que está acima dos sessenta anos, o número de pessoas com demência aumenta sem parar. Começa a ficar difícil encontrar uma família que não tenha um caso.
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Os fatores que aumentam o risco de demência têm sido muito estudados. Embora sobrem dúvidas e detalhes obscuros, os mais importantes parecem ser as propensões genéticas, a falta de escolaridade, os traumatismos, os acidentes vasculares cerebrais, a vida sedentária e o fumo.
Há farta literatura a demonstrar que a inalação de partículas finas e ultrafinas aumentam a incidência de asma, câncer de pulmão e doenças cardiovasculares. Estudos recentes, no entanto, levantam a suspeita de que possam também acelerar o declínio cognitivo.
Com os equipamentos modernos conseguimos detectar no ambiente até partículas ultrafinas, 200 vezes menores do que um fio de cabelo. Com eles, é possível calcular as concentrações de sulfato, nitrato, amônia, carbono e metais pesados no ar das cidades. Esse particulado ultrafino cai na categoria dos poluentes classificados como PM2,5.
Níveis altos de partículas PM2,5 nos tecidos humanos provocam estresse oxidativo, caracterizado pela produção de substâncias quimicamente ativas – como os peróxidos – que podem danificar o DNA e outras estruturas celulares.
A primeira suspeita de que a poluição seria fator de risco para demência, veio quando Lilian Garcidueñas mostrou que cachorros idosos das áreas mais poluídas da Cidade do México apresentavam perda de memória, desorientação e dificuldade para reconhecer seus donos.
Um dos pesquisadores com mais experiência nesse campo, Caleb Finch, afirma: ‘A poluição do ar deve ser entendida como a fumaça do cigarro: não existe limite de segurança’.
Nas autópsias, a neurocientista encontrou no tecido cerebral placas da proteína beta-amiloide, as mesmas da doença de Alzheimer.
Achados semelhantes foram documentados em cérebros de ratos mantidos em ambientes poluídos: maior número de placas, atrofia de neurônios e perda de sinapses.
Um grupo da Universidade da Carolina do Sul acaba de publicar uma pesquisa em que os participantes foram acompanhados durante 11 anos. As mulheres mais velhas que moravam em lugares nos quais os índices de poluição eram mais altos do que o limite máximo estabelecido pela EPA – a agência de proteção ambiental – apresentaram o dobro do número de casos de demência.
Se esses dados puderem ser extrapolados para o restante da população americana, a poluição seria responsável por 21% dos diagnósticos da doença.
Em artigo publicado na revista “The Lancet”, pesquisadores da Universidade de Toronto acompanharam 6,6 milhões de habitantes da província de Ontário. Os que viviam a menos de 50 metros de grandes rodovias apresentaram risco de demência 21% mais elevado, do que aqueles com casas a mais de 200 metros.
Os dados mostraram que residências a menos de 50 metros de uma rodovia, expõem os moradores a concentrações de poluentes 10 vezes maiores do que aquelas a 150 metros de distância.
Um inquérito realizado entre 19 mil enfermeiras americanas aposentadas, confirmou que quanto maior a concentração de partículas PM2,5 na vizinhança, mais rápido o declínio cognitivo. Para cada aumento de 10 microgramas dessas partículas por metro cúbico de ar, a performance nos testes de atenção e memória declinou como se as participantes fossem dois anos mais velhas.
Fatores genéticos podem proteger ou aumentar o risco de demência. Portadores do gene APOE4 – ligado ao risco de Alzheimer – são especialmente sensíveis aos ambientes poluídos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o fumo é responsável por cerca de 14% dos casos de Alzheimer. Vários especialistas têm se dedicado a estudar de que forma a poluição potencializa os efeitos das partículas ultrafinas suspensas na fumaça do cigarro.
Um dos pesquisadores com mais experiência nesse campo, Caleb Finch, afirma: “A poluição do ar deve ser entendida como a fumaça do cigarro: não existe limite de segurança”.