Pesquisadores estudam o efeito da presença de micro-organismos em nosso microbioma intestinal e sua relação com a obesidade.
As causas da obesidade são mais complexas do que sonha nossa vã filosofia. Fatores genéticos e exageros à mesa guardam relação direta, mas não explicam inteiramente o fenômeno.
Nos últimos anos, diversos pesquisadores têm estudado os efeitos metabólicos e a influência no aproveitamento de energia exercidos pelos trilhões de micro-organismos que residem em nossos intestinos. São tantos que o número deles é maior do que o total de células existentes no corpo humano.
Veja também: artigo sobre as bactérias que podem influenciar no ganho de peso
Um dos grupos mais ativos é o de Laurie Cox, da Universidade de Nova York, o primeiro a demonstrar que doses baixas de penicilina administradas a camundongos jovens alterava-lhes a flora intestinal e a quantidade de tecido gorduroso acumulado no corpo.
No ano passado, o mesmo grupo publicou um artigo na revista “Cell”, mostrando que os primeiros meses de vida são períodos críticos para a formação do microbioma intestinal e das características metabólicas do indivíduo.
A questão, entretanto, é saber se a idade em que a terapia com antibióticos foi administrada tem influência específica no aparecimento da obesidade e se esta persiste por mais tempo.
Cox e seus colaboradores demonstraram que existe uma janela ao redor do nascimento, na qual os camundongos são vulneráveis à ação obesogênica da penicilina. Animais cujas mães receberam o antibiótico durante a gravidez e a amamentação apresentaram aumento do peso corpóreo e da massa de gordura na vida adulta.
O grupo procurou identificar se o tratamento com penicilina na fase pré-natal aumenta o risco de obesidade em camundongos alimentados com dietas gordurosas. Descobriram que os dois fatores exercem efeitos seletivos e independentes na composição da flora intestinal e na porcentagem de gordura corpórea.
Finalmente, os autores questionaram se a flora intestinal dos camundongos tratados provocaria efeitos semelhantes ao ser transferida para os intestinos de camundongos criados em ambientes estéreis.
Os resultados revelaram que animais com três semanas, criados livres de germes, ao receber a flora intestinal do grupo tratado com penicilina ganhavam peso e gordura com mais facilidade.
A obesidade é fenômeno de alta complexidade associada a fatores evidentes, como o excesso de aporte calórico, a hereditariedade e a outros ainda nebulosos, como os descritos nesta coluna.
Esses resultados deixam claro que as alterações metabólicas não são causadas diretamente pelo antibiótico, mas por modificações do microbioma intestinal.
A identificação dos fatores que modificam a flora do aparelho digestivo pode esclarecer as diferenças individuais na vulnerabilidade às dietas de alto teor calórico.
Em seres humanos, os estudos epidemiológicos sugerem que o risco de obesidade infantil estaria ligado a intervenções associadas à composição do microbioma intestinal – como o tratamento com antibióticos nos primeiros anos de vida e o parto cesariano, que impede o contato com os micro-organismos maternos presentes no canal de parto.
Até o momento, no entanto, não há evidências diretas de uma relação de causa e efeito entre a composição da flora intestinal e a obesidade de seres humanos. Além do mais, transferir para o homem dados obtidos em camundongos é um desafio científico considerável.
Embora o tratamento com antibióticos nas mais tenras idades possa guardar relação com a obesidade futura, a janela crítica e a duração dos efeitos certamente serão diferentes em camundongos e homens.
Há que considerar ainda o impacto da descoberta dos antibióticos na redução da mortalidade infantil. No caso de uma infecção grave, quem deixaria de prescrevê-los por medo de que a criança se tornasse obesa mais tarde?
Podemos também especular que, nas famílias com grande número de obesos, antibióticos administrados logo após o nascimento poderiam reverter os efeitos obesogênicos da flora materna transferida para o bebê no parto vaginal.
A obesidade é fenômeno de alta complexidade associada a fatores evidentes, como o excesso de aporte calórico, a hereditariedade e a outros ainda nebulosos, como os descritos nesta coluna.
Atribui-la exclusivamente à glutonaria dos obesos é ignorância. Como disse o jornalista H. L. Mencken: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”.