Apesar de terem mais acesso a informação, mulheres mais jovens ainda desconfiam de métodos anticoncepcionais modernos como o anel vaginal.
Há muito tempo, a sexualidade é assunto tratado com restrição no universo das mulheres. Se em determinados momentos a figura sexual feminina foi divinizada — pela capacidade de dar à luz –, em outros vigorou uma visão menos romantizada, segundo a qual o prazer sexual era reservado ao homem. À mulher, restava o sexo como um meio para cumprir seu papel na perpetuação da espécie.
Essa visão machista isolava a mulher de uma função natural do corpo, o prazer, para focá-la tão somente na maternidade. Aquelas que se aventuravam a usufruir desse sentimento ficavam mal faladas. Uma espécie de punição moral.
Por consequência, um dos únicos temas discutidos mais abertamente e abordados com menos preconceito são os métodos de contracepção. Como não servem ao prazer e, sim, à prevenção, preocupar-se com as formas de não engravidar passou a ser tarefa quase que exclusiva das mulheres.
A NOVA GERAÇÃO DE ANTICONCEPCIONAIS
Apesar de as mulheres terem hoje maior representatividade social e assumirem múltiplos papéis como chefes de família, profissionais e mães, ainda carregam praticamente sozinhas o fardo do controle da natalidade. Em maio de 2012, a pílula anticoncepcional completou 50 anos e é possível notar que a evolução das tecnologias contraceptivas caminhou na mesma direção das preferências e dos comportamentos femininos de determinadas épocas.
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Segundo pesquisa realizada pelo Ibope, as mulheres da geração Y (nascidas após 1965) tendem a buscar métodos anticoncepcionais que se encaixem melhor em sua rotina movimentada e se casem com suas prioridades atuais mais centradas na vida profissional. Por isso, elas procuram opções que exijam intervenções mais esporádicas, deem pouco trabalho e tenham menos efeitos colaterais.
A dra. Cristina Guazelli, professora adjunta do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina, explica que as pílulas anticoncepcionais, compostas de estrogênio e progesterona (hormônios que impedem a ovulação), evoluíram e passaram a ter carga hormonal menor que as antigas, mantendo a mesma eficácia.
Foram adicionados, também, hormônios com efeito diurético — que minimizam o inchaço próprio da menstruação — e outros capazes de melhorar a textura do cabelo, suavizar problemas de pele, como a acne, e aliviar a irritabilidade e a cólica, sintomas comuns da TPM (Tensão Pré-Menstrual), amenizando algumas das principais queixas femininas.
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Opções envolvendo tecnologias mais avançadas permitem intervalo maior entre uma dose e outra, diminuindo, assim, o risco de esquecimento. Esse é o caso dos anéis anticoncepcionais de silicone, introduzidos no canal vaginal no primeiro dia da menstruação e substituídos a cada sete dias, dos adesivos contraceptivos, que podem ser colados no braço, costas ou virilha também no primeiro dia da menstruação e trocados uma vez por semana e das injeções aplicadas mensalmente.
Para as mulheres que não querem engravidar num futuro próximo, dra. Carmita Abdo, professora de psiquiatria e coordenadora de estudos em sexualidade da USP, sugere métodos mais estáveis, como o DIU. “Apesar de não ser uma opção nova, ainda dura mais que as versões modernas. Sua remoção é mais trabalhosa e necessita de intervenção médica, mas oferece conforto e evita o esquecimento”, explica.
CONTRADIÇÕES DA EVOLUÇÃO
Quando descobriu que estava grávida pela segunda vez, a cabeleireira Maria Ivone dos Santos decidiu que, após o nascimento da sua caçula, não teria mais filhos. Na época, com apenas 26 anos e sem muito acesso à informação, por sugestão do seu ginecologista, a jovem optou pela laqueadura, um método de esterilização em que são rompidos os ligamentos das tubas uterinas, canal onde o óvulo e espermatozoide se encontram.
O processo é reversível e as tubas podem ser ligadas novamente, mas nesses casos as chances de engravidar caem cerca de 30%. Naquele momento, o procedimento parecia a melhor opção para Maria Ivone. Ela não esperava, porém, que com um novo casamento o desejo de engravidar ressurgisse.
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“Queria ter novamente um filho, mas seria um trabalho muito grande passar pela cirurgia de reversão em troca de uma probabilidade bem pequena de engravidar. Assim, acabei desistindo da ideia”, confessa Maria Ivone.
Hoje, com 42 anos, a pernambucana se completa com o papel de avó e acredita que teria tomado uma decisão diferente na época, caso seu ginecologista tivesse mostrado outras opções de contracepção tão eficientes quanto a laqueadura, entretanto com maior chance de reversão.
Para a Dra. Carmita, as pacientes escolhem métodos mais antigos porque acreditam que os novos não se encaixam no seu perfil, já que muitos médicos nem sequer os sugerem. “Os ginecologistas devem exercer um papel mais ativo na informação sobre métodos contraceptivos, de forma a atender as atuais necessidades das mulheres brasileiras”, afirma.
Confirmando essa hipótese, dados do Ibope mostram que, apesar de terem mais acesso a informações, as mulheres mais jovens acabam optando por contraceptivos mais antigos. Uma vez que não têm conhecimento dos métodos mais novos, 68% dos pacientes continuam escolhendo as pílulas hormonais, enquanto apenas 28% escolhem a injeção.
Além da falta de conhecimento, há ainda a desconfiança em alguns novos medicamentos: 24% das entrevistadas não confiam na eficácia dos adesivos e 12% na do anel vaginal. Dra. Cristina explica que esse é um grande equívoco, já que os métodos mais novos são tão ou mais eficientes que os tradicionais. “O anel, por exemplo, evita a gravidez mesmo com taxas hormonais menores que as da pílula, pois o canal vaginal tem capacidade de absorção muito maior que a via oral”.
HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO
Engana-se quem acredita que os métodos contraceptivos são criações recentes. Apesar de ser um assunto controverso para algumas culturas e religiões, os procedimentos de controle da natalidade já eram estudados desde a época da Grécia e Egito antigos.
Os primeiros métodos foram descobertos e registrados pelo pai da medicina, Hipócrates de Quíos, entre os anos de 460 a.C. e 377 a.C., na Grécia. O filósofo descobriu que a semente de cenoura selvagem tinha eficácia contraceptiva.
A utilização de técnicas anticoncepcionais passou a ser tão frequente no cotidiano daquela época que o historiador Políbio registrou queda na natalidade na região do Mediterrâneo no século II a.C.