Para evitar cáries, é necessário escovar os dentes com cuidado, passar fio dental e visitar o dentista pelo menos uma vez por ano. Veja entrevista sobre odontopediatria.
* Edição revista e atualizada.
PANORAMA DA CÁRIE NO BRASIL
O número de cáries na infância está diminuindo no Brasil. Segundo dados de Ministério da Saúde, em 1986, 6,7% das crianças entre zero e 12 anos tinham cáries. Dez anos depois, esse número caiu para 3,6%. As doenças de gengiva, porém, ainda continuam preocupando, porque podem atacar o osso onde os dentes se fixam. Para evitá-las, é necessário escovar os dentes com cuidado, passar fio dental e visitar o dentista pelo menos uma vez por ano.
No entanto, a distribuição das cáries na população infantil não é uniforme. Está concentrada principalmente na população de baixa renda, que dificilmente tem acesso ao tratamento odontológico e desconhece as medidas básicas de prevenção.
Essa situação constrangedora pode ser mudada. Iniciativas, como as da ONG Odonto-Criança, presidida pelo dr. Daniel Korytnicki, são exemplo disso. Voluntários encarregam-se de oferecer a crianças carentes e suas famílias, além de informação sobre prevenção da cárie e higiene bucal, tratamento odontológico especializado.
PREVENÇÃO DA CÁRIE NA INFÂNCIA
Drauzio – A que se pode atribuir essa redução do número de cáries infantis?
Daniel Korytnicki – O número de cáries vem realmente diminuindo no mundo. Se pensarmos que alimentação doce e higiene bucal deficiente favorecem o aparecimento de cáries, poderíamos concluir que as crianças estão comendo menos doces e escovando melhor os dentes. Não é isso que acontece. Sabe-se que a alimentação continua a mesma e que a higiene bucal não melhorou significativamente. O que fez diferença foi a popularização de pastas de dentes com flúor, substância importante para a prevenção das cáries. Na minha infância era raro encontrar uma pasta com flúor. Hoje, se alguém quiser comprar uma sem flúor, vai ter dificuldade.
Infelizmente, porém, ainda existem muitas cáries na população infantil, só que sua distribuição se modificou com o tempo. O que era comum na maioria das crianças, hoje está concentrado na camada sócioeconômico e cultural menos favorecida. Estudos mostram que 80% dos casos de cáries estão concentrados em 20% da população, justamente a de mais baixa renda.
Drauzio – Qual o impacto da fluoretação da água na redução do número de cáries?
Daniel Korytnicki – Sem dúvida, tem impacto, mas é menor do que se imaginava. Sabe-se hoje que a fluoretação da água tem função importante na prevenção das cáries, porém o efeito sistêmico do flúor ingerido na água para a formação e calcificação dos dentes não é tão importante quanto seu efeito tópico, isto é, na superfície do dente.
Tempos atrás, acreditava-se que o dente nascia mais forte por causa do flúor colocado na água. Isso é importante, mas não tão importante quanto a aplicação do flúor na face externa dos dentes.
HIGIENE BUCAL DO BEBÊ
Drauzio – O primeiro dente aparece na criança entre 4 e 6 meses. Se a aplicação de flúor é tão importante, o dente da criança precisa ser escovado assim que ele desponta?
Daniel Korytnicki – Esse é um dos dilemas da odontopediatria. Para o dentinho seria um benefício a aplicação tópica de flúor. Se tentarmos, porém, colocar um pouco de pasta numa escova ou aplicar flúor no consultório, o bebê vai engolir e a alta concentração desse elemento no organismo da criança pode provocar intoxicação. Por isso, nessa fase, quem cuida da criança deve limpar o dentinho até que a criança tenha uma coordenação motora suficiente para escovar os dentes ou cuspir o excesso de flúor colocado em sua boca.
Drauzio – Como deve ser feita essa higiene?
Daniel Korytnicki – A higiene deve começar a ser feita a partir da erupção do primeiro dente com uma escova apropriada, pequenininha e bem macia. A hora do banho costuma ser o melhor momento. Na hora de enxugar o bebê, aproveita-se para limpar o dente com uma toalhinha, gaze ou cotonete. Isso também é bom porque a criança se acostuma com o fato e a escovação passa a ser uma coisa agradável.
ALIMENTAÇÃO E CÁRIE
Drauzio – O Ministério da Saúde recomenda que as crianças sejam amamentadas exclusivamente no peito até os seis meses. Existe alguma dieta especial que ajude a dentição da criança a partir dessa idade?
Daniel Korytnicki – Em termos de alimentação não cariogênica, ou seja, que não provoque cáries, há poucos dados e o assunto é controvertido. Muitas crianças continuam mamando depois dessa idade e é preciso enfatizar que as mães não devem deixar o nenê no peito a noite toda o que às vezes acontece, porque elas estão cansadas ou ele chora muito. Como a salivação diminui durante a noite e menos saliva significa menor proteção contra as cáries, o leite fermenta na boca da criança e pode provocar cáries precoces e agudíssimas, de tratamento muito complicado que requerem, em alguns casos, anestesia geral
PRIMEIRA DENTIÇÃO E DENTIÇÃO PERMANENTE
Drauzio – Você poderia dar uma ideia geral do aparecimento da dentição?
Daniel Korytnicki – Por volta dos quatro ou seis meses, nasce o primeiro dentinho, geralmente um dos incisivos inferiores. Essa primeira dentição, chamada dentição primária ou decídua, se completa por volta dos dois anos e meio, três anos e permanece até os 6 anos mais ou menos, quando surge o primeiro molar permanente, como o nome diz, o primeiro da dentição definitiva. Ele nasce por trás do último dente de leite e, como não há troca, muitos pais nem percebem sua erupção, por isso costuma cariar com facilidade. Na mesma época, começam as trocas de dentes e, em geral, caem primeiro os dentes que primeiro nasceram: os incisivos inferiores. A dentição transforma-se numa dentição mista com dentes de leite e dentes permanentes. Aos 12 anos, praticamente todos os dentes foram trocados, mas para completar os 32 dentes que temos na boca faltam nascer, aos 18/20 anos, os quatro dentes do siso.
CHUPETAS E MAMADEIRAS
Drauzio – Qual é a influência das chupetas e dos bicos das mamadeiras na dentição?
Daniel Korytnicki – É complicado dar uma resposta categórica a respeito desse assunto. Não se discute que a chupeta tem um efeito prejudicial para os dentes, mas nem sempre a criança que chupa chupeta vai ter uma deformação no maxilar ou nos dentes. Isso depende de alguns fatores como a frequência e a intensidade que a criança usa chupeta.
Quem me conhece sabe que, apesar de contra as chupetas, reconheço nelas alguns benefícios. Às vezes, por exemplo, o tempo de sucção no peito materno não é suficiente para satisfazer a necessidade da criança. Oferecer a chupeta pode ter a vantagem de evitar que ela chupe o dedo, hábito muito mais difícil de eliminar.
Drauzio – O que é cárie do bico da mamadeira?
Daniel Korytnicki – Esse tipo de cárie já recebeu muitos nomes diferentes: cárie do bico da mamadeira, cárie da mamadeira, cárie rampante, cárie aguda, etc. Não é a mamadeira que provoca a cárie, é o conteúdo da mamadeira, muitas vezes leite ou suco adoçado com açúcar ou mel. Na verdade, o leite in natura também contém açúcar e o leite materno tem duas vezes mais açúcar do que o leite bovino. O problema é deixar a criança sugando o bico da mamadeira ou o peito da mãe durante a noite inteira, quando diminui a proteção da saliva para eliminar os resíduos acumulados na boca. Mal o dente começa a nascer, já sofre o ataque cariogênico do açúcar.
A cárie aguda é terrível e tem aparecimento imediato. Muitas mães chegam ao consultório dizendo que o dentinho do filho já nasceu cariado.
AÇÚCAR: ALIMENTO CARIOGÊNICO
Drauzio – O açúcar tem papel muito importante no aparecimento da cárie. Você não acha que seria razoável a mãe lavar a boca da criança pequenininha dando água para remover esse açúcar?
Daniel Korytnicki – Sem dúvida, por isso se recomenda que a última mamadeira seja de água. Às vezes, a criança adormece antes da higiene bucal e um pouquinho de água ajuda a lavar os dentes e a remover os resíduos. O açúcar e os carboidratos são responsáveis pela fermentação e produção de ácidos que originam as cáries. Na sua ausência, as bactérias não se reproduzem.
Conhecemos muito pouco a respeito das dietas que incluem o açúcar. Não se sabe dizer se são mais cariogênicas a geleia de morango, a balinha de mel ou a bolachinha doce, mas com certeza faz diferença a frequência da ingestão desses carboidratos. É pior comer a cada dez minutos um desses alimentos do que comer todos juntos de uma só vez. Outra coisa importante é a consistência do alimento. Quanto mais pegajoso, mais tempo ele vai ficar retido nos dentes. São piores as balas que ficam grudadas nos dentes do que as que se diluem com facilidade.
TÉCNICAS DE ESCOVAÇÃO
Drauzio – Qual a recomendação para limpar os dentes da criança bem pequena?
Daniel Korytnicki – Deve-se limpar com gaze, cotonete ou toalhinha umedecida em água e deixar a criança sugar um pouquinho e tentar retirar a placa bacteriana que se acumula em locais de difícil higiene. Na superfície do dente, é muito fácil remover essa placa, mas entre eles fica mais difícil. Por isso, é recomendado o uso do fio dental ou higienizar com mais cuidado, pois nesses lugares a saliva circula com menor intensidade e ela é fundamental na prevenção da cárie.
Por outro lado, a técnica de escovação tem de adequar-se à idade da criança. Quando nasce o primeiro dente de leite, basta limpá-lo com um paninho molhado. Conforme a criança vai crescendo, as técnicas se tornam mais sofisticadas. No princípio, a mãe deve escovar os dentes da criança. Para as crianças pequenas não há uma indicação específica, mas não pode ser uma atividade desagradável. Como é necessário eliminar os resíduos, a escovação deve obedecer a uma única direção: para frente e para fora porque o vai e vem pode prejudicar o processo. Além disso, é fundamental que a escova tenha cerdas de boa qualidade. Escovas com cerdas abertas só são boas para engraxar sapatos.
Drauzio – Por onde se deve começar a escovar os dentes ?
Daniel Korytnicki – Para a criança pequena tudo tem de ser muito individualizado. Os pais devem adequar a técnica às características do filho. A recomendação geral é que, numa primeira etapa, explore-se o lado lúdico da atividade. A criança escova os dentes dos pais e estes escovam os dentes do filho. Não importa onde isso vai ser feito, se no banheiro ou no quarto, mas precisa ser feito. À medida que a criança vai crescendo, a técnica vai se modificando até ela conseguir escovar os dentes sozinha. O importante é adquirir o hábito da escovação e aprender a escovar os dentes após as refeições, pela manhã e antes de dormir.
Mais tarde, ela aprenderá a massagear as gengivas e algumas técnicas específicas para a remoção dos resíduos: escovar os dentes superiores de cima para baixo e os dentes inferiores de baixo para cima.
Outra coisa a ressaltar é que, como a pasta atualmente contém muito flúor, deve cobrir apenas um quarto das cerdas para evitar que a criança a engula. O marketing transformou-as em produtos tão bonitos e atraentes que chegam a ser confundidas com geleias e as crianças comem o que sobra na escova.
Veja também: Como cuidar da dentição do bebê
Drauzio – Como devem ser as escovas?
Daniel Korytnicki – Devem ter cerdas macias, cabeça pequena e serem de boa qualidade. Quando as cerdas começam a abrir, é indispensável comprar outra escova porque essa perdeu a função. A técnica de escovação tem de ser ensinada pelo dentista, pois precisa estar ser adequada ao desenvolvimento da criança.
VISITAS AO ODONTOPEDIATRA
Drauzio – As mães costumam levar as crianças ainda bem pequenas a um dentista especializado?
Daniel Korytnicki – É difícil, mas à medida que o tempo passa a especialidade está se popularizando e as crianças estão sendo levadas nas idades mais corretas.
Drauzio – Há um cronograma a que a mãe deva obedecer?
Daniel Korytnicki – Não existe esse cronograma. O ideal seria levar a criança ao dentista entre os seis meses e um ano. Obviamente, nessa idade, pouco se tem a fazer em relação aos dentes das crianças, mas as orientações são fundamentais. Geralmente, os pais levam a criança entre os dois anos e meio e os três anos, quando se completa a primeira dentição. Às vezes, porém, a criança chega ao consultório já com muitas cáries, porque eles não receberam orientação adequada no momento correto.
Alguns profissionais consideram que seria importante fazer uma consulta odontológica durante a gravidez para verificar a saúde bucal tanto da mãe quanto do bebê, mas ainda não há consenso sobre esse tema.
ROTINA DAS CONSULTAS
Drauzio — Com que frequência a criança deve retornar ao dentista?
Daniel Korytnicki – O padrão estabelecido é ir ao dentista a cada seis meses. Como nas crianças tudo acontece muito rápido, recomenda-se que as visitas sejam feitas de acordo com seu estágio de desenvolvimento.
Via de regra, as aplicações de flúor devem ser feitas de seis em seis meses, mas há crianças que precisam fazê-lo a cada dois meses, enquanto outras só precisam ir ao dentista para consultas de rotina, porque não têm necessidade dessas aplicações. Desse modo, a frequência das visitas deve ficar a critério do profissional que atende a criança.
Drauzio – Uma das maiores causas da cárie nas crianças são as balas. Que recomendações os pais devem dar às crianças já que é quase impossível evitar que chupem balas fora de casa?
Daniel Korytnicki – Temos de ser realistas. É complicado exigir de uma criança, mesmo em casa, que escove os dentes toda vez que chupou uma balinha. Seria interessante ensiná-la, no mínimo, a fazer um bochecho para eliminar os resíduos mais grosseiros. Não que isso vá fazer muita diferença, mas pelo menos retira o excesso que ficou preso nos dentes. É importante também saber que é a frequência com que se comem alimentos doces que aumenta o risco da cárie e não a criança ter ido a uma festa de aniversário e passado a tarde inteira comendo docinhos sem escovar os dentes.
Drauzio – Esse conceito da frequência é fundamental?
Daniel Korytnicki – É fundamental. O pouco que se sabe sobre nutrição e cáries é que a alta frequência de ingestão de doces aumenta a incidência de cáries em adultos e crianças e que quanto mais pegajoso for o alimento, pior para o dente. Um estudo realizado na Suécia, nos anos 1950, comparando dois grupos de pessoas expostas a diferentes tipos de alimentação, demonstrou que desenvolvia cáries quem com frequência comia doces, especialmente doces pegajosos.
ONG ASSOCIAÇÃO ODONTO-CRIANÇA
Drauzio – Explique, por favor, como funciona essa ONG de odontologia
Daniel Korytnicki – A Associação Odonto Criança (www.odontocrianca.org.br) resultou do esforço para tentar levar para as crianças menos favorecidas e a suas famílias a chance de cuidar melhor da saúde bucal. Ela começou a funcionar há aproximadamente três meses e conta com dentistas voluntários que vão à periferia e visitam instituições ou entidades a fim de trabalhar a prevenção e tratamento da cárie. Seu principal objetivo é promover a saúde bucal para aqueles 20% ou 30% da população que ainda sofre dessa doença que maltrata tanto os dentes. Seus membros atuam em toda a cidade de São Paulo e atendem também na sede da Associação.