A esclerose múltipla (EM) é uma condição neurológica crônica que atinge o sistema nervoso central, provocando inflamações capazes de comprometer funções motoras, sensoriais e cognitivas. Embora ainda seja considerada uma doença sem cura definitiva, os avanços científicos e a diversidade de terapias disponíveis atualmente têm modificado de forma importante a realidade dos pacientes.
Segundo Felipe Ghlen, médico neurologista do Sírio-Libanês em Brasília e do Hospital Brasília Águas Claras, a compreensão dos sinais iniciais, das particularidades do diagnóstico e de quais são as alternativas de tratamento são pontos essenciais para garantir melhor qualidade de vida às pessoas que convivem com a condição.
Sintomas variados e de difícil identificação
“Os sintomas são muito aleatórios, pois a inflamação que ocorre no sistema nervoso central é, por si, aleatória. Então, por exemplo, se a inflamação ocorre no cerebelo, o indivíduo vai apresentar incoordenação, tremores ou desequilíbrio. Se ocorre na via visual, vai provocar alteração da visão, até mesmo cegueira. Além disso, podem acontecer alterações da força muscular e da sensibilidade em qualquer membro. A esclerose múltipla pode ser confundida com inúmeras doenças neurológicas. É um diagnóstico de exclusão que depende de exames de ressonância do neuroeixo (ou seja, imagens de ressonância magnética que avaliam em conjunto o cérebro, a medula espinhal e suas estruturas associadas), exames de sangue e do líquor”, diz o dr. Felipe.
Ou seja, não existe um sintoma único que aponte para a esclerose múltipla, o que torna o processo de investigação ainda mais complexo. A sobreposição com outras doenças neurológicas é comum, o que pode muitas vezes atrasar o início do tratamento adequado.
O desafio do diagnóstico
“O diagnóstico final de esclerose múltipla é um desafio. Não existe um biomarcador específico que defina a doença. O diagnóstico é dado por um conjunto de dados clínicos, radiológicos e laboratoriais, que levam ao preenchimento dos critérios de McDonald revisados em 2017 e recentemente, em 2024”, explica o especialista.
O critério de McDonald é um conjunto de parâmetros clínicos, radiológicos e laboratoriais usados para diagnosticar a esclerose múltipla (EM). Criado em 2001 e revisado em 2017 e 2024, comprova a disseminação das lesões no espaço e no tempo, além de excluir outras doenças. As últimas atualizações trouxeram novos biomarcadores de imagem e laboratoriais e incluíram o nervo óptico como área válida para o diagnóstico.
Na prática, isso significa que médicos precisam cruzar informações de exames de imagem, análises laboratoriais e histórico clínico para chegar a uma conclusão. A ausência de um marcador exclusivo para a doença faz com que muitos pacientes passem por uma verdadeira jornada até obter a confirmação do quadro.
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Perfil dos pacientes
Entre os casos de esclerose múltipla, há um traço que chama a atenção: a predominância entre mulheres jovens. De acordo com o dr. Felipe, essa característica segue um padrão observado também em outras doenças autoimunes.
“Na esclerose múltipla, assim como em muitas outras doenças autoimunes, a predominância é mais comum no sexo feminino. Aqui na EM, é na faixa de 2 a 3 mulheres para um homem. Não existe uma explicação definitiva, mas provavelmente os hormônios sexuais podem ter um efeito no sistema imunológico, tornando-o mais reativo. Um dado importante de mencionar é que após a menopausa essa diferença entre homens e mulheres diminui.”
Esse dado reforça a importância de olhar para a saúde da mulher na fase reprodutiva, em que os impactos da doença podem ser ainda mais significativos.
Tratamentos
Se décadas atrás o diagnóstico de esclerose múltipla poderia representar uma sentença de progressiva perda de autonomia, hoje o cenário é outro. A diversidade de medicamentos disponíveis abriu uma verdadeira “fase de ouro” no cuidado aos pacientes, como destaca o neurologista.
“Hoje já existem mais de dez opções de tratamento, algumas de alta eficácia, capazes de reduzir quase a zero as chances de surtos e a atividade da doença nas imagens de ressonância. Esses avanços permitiram que a maioria dos pacientes tenha uma vida praticamente normal. A próxima etapa é desenvolver um método que consiga frear a progressão da doença mesmo nos casos sem surtos, que atingem um grupo menor de pacientes. Já existem drogas em avaliação e até possíveis candidatos à cura, mas ainda em fases iniciais de pesquisa”, explica o dr. Felipe.
Com isso, muitos pacientes conseguem hoje manter atividades de trabalho, estudo e lazer sem limitações significativas, uma realidade distante até poucos anos atrás.
Embora ainda existam desafios, como a falta de um biomarcador característico e a necessidade de terapias que atuem em grupos mais resistentes ao tratamento, a ciência segue avançando rapidamente. Pesquisas alimentam a esperança de que, em um futuro não tão distante, seja possível controlar completamente a doença. Ou até mesmo alcançar a cura.
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