Estudo mostra associação entre uso aditivo das telas e pensamentos suicidas em jovens. Leia na coluna de Mariana Varella.
O alto número de suicídio entre a população jovem dos Estados Unidos tem levado especialistas em saúde mental e pediatria a relacionar o tempo do uso de telas com transtornos mentais.
No entanto, um estudo publicado na quarta-feira (18/6) no periódico JAMA trouxe outra preocupação àqueles que cuidam ou trabalham com crianças e adolescentes. De acordo com a pesquisa, o que estaria relacionado ao aumento de comportamentos suicidas seria o tipo de uso dos dispositivos eletrônicos, e não o número de horas gastas diante das telas.
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Para os pesquisadores, a taxa de comportamentos suicidas foi maior entre os jovens que se declararam “viciados” em telas, ou seja, que relataram comportamentos como dificuldade de deixar o dispositivo de lado ou impulso para usá-los com frequência cada vez maior.
E esse comportamento não está necessariamente relacionado ao tempo de telas: algumas crianças apresentaram comportamento aditivo mesmo utilizando os aparelhos por tempo relativamente curto.
Estudo: resultados e limitações
O estudo analisou 4285 crianças americanas com aproximadamente 10 anos de idade e verificou, anualmente e durante quatro anos, a forma como esses jovens utilizavam os dispositivos eletrônicos (celular, videogame etc.).
Ao final do período, aquelas que demonstraram comportamento compulsivo, dificuldade de deixar o aparelho de lado e sofrimento quando não podiam acessar os dispositivos apresentaram duas a três vezes mais risco de desenvolver pensamentos suicidas ou de ferir-se em comparação com as outras crianças.
Entre os jovens que usavam os aparelhos de forma aditiva – quase metade dos entrevistados utilizava os celulares desse modo -, 5,1% apresentaram comportamento suicida e 17,9%, ideação suicida (pensamentos suicidas).
O estudo longitudinal tem limitações e não estabelece uma relação causal entre pensamentos suicidas e o uso aditivo de telas prévio, mas mostrou que uma trajetória prolongada dessa forma de uso precedeu o surgimento de problemas de saúde mental.
Ao jornal The New York Times, um dos pesquisadores do estudo, o psiquiatra Yunyu Xiao, da Weill Cornell Medical College, em Nova York, afirmou que esse é o primeiro estudo a identificar que o uso aditivo é mais importante para o risco de suicídio do que o tempo gasto diante das telas.
Para o especialista, limitar o tempo de uso dos dispositivos eletrônicos pode não ser suficiente, tampouco a medida mais adequada para evitar transtornos mentais em jovens. Ele recomenda que, ao identificar o comportamento aditivo, os pais procurem ajuda psicológica o quanto antes.
Plataformas X pais
O foco no uso prolongado de telas coloca a responsabilidade nos pais dos jovens, que supostamente deveriam limitar o uso de aparelhos eletrônicos.
Além de uma medida impositiva de difícil execução por inúmeros fatores – adultos e jovens têm seus afazeres diários, adolescentes são contestadores por natureza, entre outros -, muitos adultos também utilizam o celular de forma compulsiva.
Assim, entender que o tipo de uso pode ser um problema talvez até mais grave que a quantidade de tempo dedicado às telas evoca outros responsáveis: as empresas de tecnologia.
Não há dúvida de que os aparelhos e as plataformas de redes sociais estimulam o uso compulsivo, mas as chamadas big techs têm fugido à responsabilidade.
Nesse sentido, entender que determinadas plataformas têm um importante papel social na formação de crianças e jovens e que, portanto, devem adotar medidas que não estimulem o uso compulsivo de celulares e outros dispositivos é fundamental.
Tempo livre das telas
Entender que há outros fatores relacionados ao uso de telas além do tempo que devem ser levados em consideração é importante, sem dúvida. Contudo, isso não significa que limitar o tempo gasto diante das telas não seja relevante quando o assunto é a saúde dos jovens.
O córtex pré-frontal, área do cérebro responsável pelas funções cognitivas e executivas do controle dos impulsos, julgamento, resolução de problemas, atenção, inibição, memória e tomada de decisões não está totalmente desenvolvido até a terceira década de vida. Isso justifica o comportamento impulsivo que marca a adolescência e o início da vida adulta e do qual as redes sociais e jogos eletrônicos, com seus sistemas de recompensa, se beneficiam.
Daniel Becker, pediatra e sanitarista, afirmou em entrevista ao Portal que é importante reduzir o número de horas que os jovens passam diante das telas. “Na puberdade, você tem uma reconfiguração cerebral em direção ao cérebro adulto, que é a formação, o amadurecimento do córtex pré-frontal, onde ficam as funções executivas, controle de impulso, planejamento, pensamento crítico, adiamento da gratificação. Todas essas funções que são fundamentais para a vida adulta vão se formando durante a puberdade. Para isso, você precisa dos hormônios desse período, das mudanças metabólicas, mas também das experiências.”
Segundo o médico, “o cérebro precisa das experiências no mundo real: do exemplo da vida familiar, do diálogo familiar, da interação social, onde ele vai aprender a brigar, se reconciliar, cooperar, colaborar, resolver conflitos com os amigos, fazer seu dever de casa antes de se divertir, e de jogar a bola, ganhar, perder e conseguir superar, e treinar mais para ganhar na próxima”.
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