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Artigo do Drauzio Varella

A indústria do tabaco continua a mesma

cigarros eletrônicos variados em uma loja
Publicado em 16/06/2025
Revisado em 16/06/2025

A indústria do tabaco se vale das mesmas estratégias mentirosas usadas há décadas para vender a ideia de que seus produtos não fazem mal à saúde. Desta vez, os produtos inofensivos seriam os cigarros eletrônicos. Leia no artigo do dr. Drauzio.

 

 

Pasmem senhoras e senhores, a indústria do tabaco está preocupadíssima com a saúde pública. Depois de décadas ganhando fortunas com a venda de um produto cuja fumaça causa sofrimento e milhões de mortes, agora está interessada em vender cigarros eletrônicos como estratégia de redução de danos. Dá para acreditar?

Em entrevista à Folha, o CEO da Philip Morris, fabricante do Marlboro, teve a desfaçatez de afirmar sobre os eletrônicos: “Esses produtos precisam ser adotados por fumantes adultos, e essas pessoas precisam migrar para eles a fim de criar a equação de redução de danos do tabaco. Então, agora temos a ciência, temos o produto, temos a vontade”.

Veja também: Pesquisa encontra níveis alarmantes de nicotina em cigarros eletrônicos

É preciso muito cinismo para dizer que os fumantes adultos precisam migrar para os eletrônicos quando ele está cansado de saber que os eletrônicos se disseminam entre crianças e adolescentes, muitos dos quais jamais fumariam cigarros comuns.

Que ciência é essa à qual ele se refere? A uma pesquisa sobre tabaco aquecido patrocinada pela própria Philip Morris, que há décadas se empenha em arregimentar multidões de dependentes de nicotina. Não foi à toa que o Comitê Europeu de Controle do Tabaco concluiu: “Pesquisas independentes mostram que os produtos de tabaco aquecido emitem níveis substanciais de nitrosaminas cancerígenas específicas do tabaco, bem como substâncias tóxicas e irritantes e potenciais carcinogênicos”.

O CEO prossegue: “A ciência hoje mostra que produtos de nicotina sem combustão são uma alternativa muito melhor do que cigarros…”. É mentira, não existe um só estudo prospectivo, randomizado, que tenha feito essa comparação.

Diz ainda que os atuais fumantes de eletrônicos consomem produtos ilegais: “Esses produtos não são controlados, não têm controle sanitário, não têm controle de qualidade, não têm controle comercial”.

A educação fez a prevalência do fumo cair na maior parte do mundo. Entre nós, os resultados obtidos são considerados um exemplo pela Organização Mundial da Saúde. Nos anos 1960, quando comecei a fumar, a prevalência do cigarro em pessoas com mais de 15 anos era cerca de 60%, número que hoje beira 10%.

Esse senhor deve pensar que está falando com imbecis. Controle de qualidade de um produto tóxico, cancerígeno, que causa a mais avassaladora das dependências químicas? Seguindo esse raciocínio enviesado, deveríamos entregar a produção e o comércio de outros produtos tóxicos causadores de dependência, como cocaína, crack e K9, para a empresa em que ele trabalha produzi-los com qualidade superior?

A estratégia da indústria do fumo é antiga. Desde a Primeira Guerra Mundial essa gente vem cometendo o maior crime da história do capitalismo mundial (excetuada a escravidão). Enquanto lhes foi permitido, usaram os meios de comunicação de massa para associar ao cigarro a imagem de um “hábito charmoso” adotado pelas mulheres mais lindas do cinema e por homens como o cowboy do Marlboro —que, aliás, morreu de câncer de pulmão.

Desde a década de 1950 os cientistas sabiam que o cigarro causava câncer, mas a informação não chegava à sociedade porque a indústria controlava a imprensa a peso do ouro, que era investido nas campanhas publicitárias. A relação do fumo com ataques cardíacos, AVCs e outras doenças cardiovasculares foi escondida até os anos 1990.

Se eles agora reconhecem que o cigarro é um produto tóxico, é preciso ser primeiro colocado em campeonato de ingenuidade para acreditar que seria em benefício da saúde pública.

Na verdade, as campanhas de esclarecimento realizadas por organizações governamentais, pelos meios de comunicação e, especialmente, pela TV reduziram o cigarro ao que ele realmente é: um vício cafona, que causa dependência química e dá hálito repulsivo e mau cheiro no corpo, nas roupas e nos cabelos das mulheres.

A educação fez a prevalência do fumo cair na maior parte do mundo. Entre nós, os resultados obtidos são considerados um exemplo pela Organização Mundial da Saúde. Nos anos 1960, quando comecei a fumar, a prevalência do cigarro em pessoas com mais de 15 anos era cerca de 60%, número que hoje beira 10%.

O que o CEO não confessa na entrevista é a razão pela qual seus patrões querem que a Anvisa aprove os eletrônicos. Para melhorar a saúde da população? Não sejamos ridículos. Uma indústria que até hoje vive à custa da dependência de nicotina e de disseminar as piores doenças que a medicina conhece de repente vai lutar pela saúde dos fumantes que ela mesmo estimulou a cair nas garras da nicotina desde a infância?

Não se iluda, caríssima leitora, o que essa gente pretende é viciar seu filho, é utilizar a rede de vendas que expõe maços de cigarros em todos os botequins dos quatro cantos do país.

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