Acho um equívoco usar o IMC (índice de massa corporal) como critério único para separar pessoas com saúde daquelas enfermas. Primeiro, porque, entre outras limitações, o IMC não leva em conta nem sequer fatores anatômicos como a estrutura osteomuscular. Quem tem ossos largos, braços e pernas grossas tende a ter o IMC mais elevado do que os longilíneos. Parâmetros como circunferência abdominal são cada vez mais valorizados pelos especialistas para avaliar o risco cardiovascular.
Segundo, porque o IMC não reflete a atividade física. Magros sedentários têm expectativa de vida mais baixa do que aqueles com sobrepeso que fazem exercícios com regularidade. Com frequência encontro nas maratonas corredores corpulentos que poderiam ser chamados de gordos. Faz sentido dizer que são doentes mulheres e homens capazes de correr 42 quilômetros?
Você, leitor, dirá que a obesidade traz com ela hipertensão arterial, diabetes, derrames, ataques cardíacos e outros agravos. É verdade, a incidência desses e de outros males é mais alta em obesos. Mas estaria justificado classificar a obesidade como uma patologia médica no caso dos que não apresentam nenhuma dessas complicações?
Claro, a obesidade é uma condição ou fator de risco para essas doenças, mas não devemos nos referir a ela —e a outros fatores que aumentam riscos de adoecer— como se fossem estados mórbidos, quando na realidade não o são.
Antes de prescrever medicamentos, vale à pena tentar motivá-lo a perder peso, fazer exercícios, melhorar a dieta.
Da mesma forma, é inadequado chamarmos de doentes pessoas com pressão alta ou com taxas de glicose elevadas, ou infectadas pelo HIV que não apresentam sintoma nenhum. Colocar-lhes rótulos de hipertensas, diabéticas ou aidéticas não as ajuda, esses termos são preconceituosos e discriminatórios, enquadram gente saudável na categoria dos doentes.
Explico melhor. Mesmo quando não havia tratamento antiviral para a infecção pelo HIV, as pessoas podiam conviver com o vírus por dez anos sem manifestar sintomas. Enquanto durava esse período eram saudáveis, só deixavam de sê-lo quando se instalavam as infecções oportunistas que as levariam à morte.
Posso dizer que está doente alguém com pressão arterial de 14 por 10 ou 15 por 11 absolutamente assintomático? Ou com glicemia de 160, sem nenhum sintoma de diabetes?
Nesses casos, hipertensão e diabetes são condições de risco para desenvolver ataques cardíacos, AVCs, insuficiência renal e perda de visão que poderão surgir em meses ou anos ou nunca. Enquanto assintomáticas, pressão alta e glicemia elevada não são doenças, mas fatores de risco.
Você, leitora, deve estar pensando que chamar de doença ou de condição é uma questão puramente semântica. Os anos de medicina me ensinaram que não é.
Imagine que examino um homem de 45 anos que ganhou 20 quilos. Meço a pressão e está 15 por 10. Faço o teste para glicemia: 150. Se parto do princípio de que ele é hipertenso e diabético, faço o diagnóstico de duas doenças crônicas, incuráveis.
Ele sai da consulta com uma prescrição de hipotensores e hipoglicemiantes que deverá tomar pelo resto dos seus dias. É razoável tratá-lo da mesma maneira do que outro com pressão de 18 por 12 e glicemia de 350?
Se parto do princípio de que ele ainda não está doente, mas numa condição que o predispõe a complicações eventualmente graves, existe esperança. Antes de prescrever medicamentos, vale à pena tentar motivá-lo a perder peso, fazer exercícios, melhorar a dieta. Tentar convencê-lo de que esse esforço poderá livrá-lo da medicação e dos efeitos colaterais.
Você, colega descrente, dirá para mim: é tempo perdido, a gente fala, mas ninguém muda o estilo de vida.
Não seja pessimista, alguns mudam.