Após mais de 40 anos do início da pandemia de aids, muitas pessoas ainda confundem HIV e aids. Leia na coluna de Mariana Varella.
Há mais de 40 anos, o mundo assistia ao surgimento de uma doença desconhecida, que debilitava o sistema imunológico a tal ponto que o organismo não conseguia se defender de doenças oportunistas que fatalmente levavam à morte.
Os primeiros casos, identificados nos Estados Unidos entre homens que faziam sexo com homens, tornaram a doença conhecida pela alcunha pejorativa de “peste gay”. Pagamos caro por isso, já que além de estigmatizarmos ainda mais grupos já socialmente vulneráveis, pessoas que não pertenciam a eles se sentiram imunes à infecção e, por fim, acabaram contraindo o vírus.
Nas décadas seguintes, a história da pandemia de HIV comprovou o que especialistas e ativistas pelos direitos da população LGBT afirmavam desde o início: um agente transmitido sexualmente nunca fica restrito a determinado grupo, pois o comportamento sexual humano é diverso.
Hoje, mesmo após os diversos erros, podemos afirmar que houve inúmeros avanços no enfrentamento à pandemia, sobretudo em relação ao tratamento.
HIV X Aids
Ainda assim, é comum que pessoas confundam HIV e aids. Por isso, é preciso esclarecer as diferenças.
O HIV, o vírus da imunodeficiência humana, é um vírus transmitido pelos fluidos sexuais e pelo sangue de uma pessoa que vive com o vírus. Também pode ser transmitido de mãe para filho durante a gravidez ou parto (transmissão vertical), se a mãe tiver o vírus e não estiver em tratamento adequado.
Quando não tratado, o HIV pode eventualmente causar a aids, a síndrome da imunodeficiência adquirida, uma síndrome caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas causados pela queda da taxa dos linfócitos CD4, células muito importantes na defesa imunológica do organismo
Enquanto uma pessoa pode viver muitos anos com HIV sem desenvolver aids, a falta de tratamento adequado pode eventualmente enfraquecer o sistema imunológico, permitindo o surgimento de doenças oportunistas que caracterizam a aids.
Por outro lado, uma pessoa em tratamento contra o HIV pode vir a nunca desenvolver aids e levar uma vida normal. Inclusive, se ela seguir o tratamento corretamente, sua carga viral pode ficar indetectável a ponto de ela deixar de transmitir o vírus, o que significa que tratamento também é prevenção.
Prevenção do HIV
Eu conheci a epidemia da aids, na década de 1980 e 1990, de perto. Hoje o tratamento, totalmente gratuito e disponível pelo SUS para toda a pessoa com o vírus, mudou completamente a história da doença.
O tratamento da infecção pelo HIV, por exemplo, que era extremamente limitado, restringindo-se a medicamentos antirretrovirais (havia apenas os inibidores da transcriptase reversa) que, usados isoladamente, tinham um impacto discreto na mortalidade geral dos pacientes, que morriam de infecções oportunistas como pneumonia e tuberculose pouco tempo depois de receberem o exame positivo.
Esse cenário mudou radicalmente a partir de meados da década de 1990, quando um novo grupo de drogas passou a ser estudado, os inibidores da protease. Associados aos antirretrovirais já utilizados, o tratamento conhecido como “coquetel” demonstrou um efeito antiviral capaz de melhorar a imunidade e a consequente resposta a infecções oportunistas, reduzindo significantemente a mortalidade dos pacientes com HIV/Aids.
A expansão do acesso ao tratamento do HIV reduziu pela metade as mortes relacionadas à aids no mundo, passando de 1,3 milhão em 2010 para 630 mil em 2023.
Por fim, é possível viver com o HIV sem nunca ficar doente. Além disso, hoje existem várias formas de prevenção, além do preservativo: a PrEP, utilizada de maneira preventiva por pessoas em risco contínuo de exposição ao HIV; e a PEP, indicada após uma possível exposição ao vírus, sendo uma opção de emergência que deve ser iniciada em até 72 horas após a prática sexual. Ambas estão disponíveis pelo SUS.
Veja também: PrEP e PEP: Como funcionam os medicamentos que protegem da infecção pelo HIV
“Hoje, a comunidade científica internacional e a OMS reconhecem o programa brasileiro de tratamento como o mais avançado do mundo, um modelo para os países em desenvolvimento”, disse o dr. Drauzio Varella, um dos primeiros médicos brasileiros a tratar a aids, em artigo publicado neste Portal.
HIV e aids no Brasil
No Brasil, estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas vivam com o HIV, de acordo com o Ministério da Saúde. Em 2022, o Ministério da Saúde registrou 10.994 óbitos tendo o HIV ou aids como causa básica, 8,5% menos do que os 12.019 óbitos registrados em 2012. Apesar da redução, cerca de 30 pessoas morreram de aids por dia em 2022.
O dia 01 de dezembro é o Dia Mundial de Luta contra a Aids, e para aproveitar a data, é preciso reafirmar que nada nos deixa mais vulneráveis a uma infecção sexualmente transmissível do que o preconceito.
Qualquer pessoa com vida sexualmente ativa pode se expor a uma IST, por isso é preciso pensar na prevenção, que inclui testagens regulares para as infecções, incluindo para o HIV. Isso vale para qualquer pessoa sexualmente ativa, sem exceção.
Enquanto cada pessoa sexualmente ativa não assumir a responsabilidade por sua prevenção de ISTs, o que passa, muitas vezes, pelo uso de mais de uma estratégia de prevenção, continuaremos vulneráveis a infecções que podem ser prevenidas e tratadas.
Veja também: Prevenção de ISTs: camisinha não é a única alternativa