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Acontecimentos inesquecíveis | Artigo

Publicado em 18/04/2011
Revisado em 11/08/2020

Os atentados que ocorreram em 11 de setembro de 2001 não foram suficientes para impedir a continuidade de um evento a meia hora de carro dali. Leia mais na crônica abaixo.

 

Memórias carregadas de emoção são guardadas a sete chaves no cérebro. As emoções liberam mediadores bioquímicos que ativam os circuitos de neurônios responsáveis pela memorização.

Por isso recordamos com tanta nitidez o dia do nascimento de um filho, o momento em que recebemos a notícia da morte de uma pessoa querida, onde estávamos quando soubemos que Ayrton Senna sofreu o acidente fatal ou no instante em que os aviões destruíram as torres de Nova York.

Há exatamente dois anos, no dia 11 de setembro, eu estava numa conferência num hotel na cidade de Baltimore — a meia hora de carro de Washington — organizada pelo doutor Robert Gallo, um dos descobridores do vírus da aids.

Participam desse encontro anual para discutir ciência básica cerca de 500 pesquisadores da Europa, do Japão e principalmente dos Estados Unidos. A presença maciça dos americanos deve-se não apenas à proximidade geográfica mas à supremacia exercida por eles no campo da biologia (nela incluída a medicina).

Isso se deve à vontade política dos americanos, que investem 3% de seu imenso Produto Nacional Bruto em pesquisa e tecnologia, enquanto raros países europeus chegam a 1% (no Brasil: 0,22%). Para dar ideia do que esses números representam, dois anos atrás, enquanto cada país da comunidade europeia aplicava ao redor de 20 milhões de dólares por ano em estudos sobre a aids, o orçamento americano ultrapassava US$ 750 milhões.

Ao tomar conhecimento desses números, o pesquisador belga Arsene Burny resmungou: “Comparados aos americanos, estamos brincando de achar a cura da aids”.

Veja também: Leia um artigo sobre o tratamento com antirretrovirais

A razão do sucesso dos Estados Unidos em pesquisa e tecnologia, no entanto, não pode ser reduzida à simples questão do volume de recursos alocados.

Lá, os principais laboratórios são caldeirões em que se misturam cientistas dos quatro cantos do mundo, atraídos pela possibilidade de descobertas capazes de lhes assegurar reconhecimento internacional e patrocínio para futuros estudos. Do choque resultante dessa miscigenação surge o caldo de cultura no qual se formarão os grandes talentos.

Ao contrário da hierarquia rígida dos europeus e do apego à vitaliciedade dos cargos tão ao gosto dos latinos, as contratações são assinadas por período limitado. Ao término dele, a qualidade dos trabalhos publicados e os recursos financeiros públicos ou privados que o pesquisador foi capaz de atrair para o laboratório serão avaliados. Se a avaliação for negativa, o contrato estará cancelado. Na competição, os mais brilhantes serão disputados por universidades e centros de pesquisa a peso de ouro, como se fossem jogadores de futebol.

Naquele 11 de setembro, a manhã seguia a rotina dos encontros conduzidos pelo doutor Gallo, em que cada palestrante apresenta os dados sobre seus trabalhos durante quinze minutos, seguidos de mais cinco para perguntas. A exiguidade de tempo é justificada pelo grande número de expositores e pelo fato de que, segundo o organizador, “quem não consegue explicar o que faz em 15 minutos é porque não sabe o que está fazendo”.

No pódio, um especialista havia acabado de falar sobre as peripécias das proteínas para se dobrarem dentro das células, quando o doutor Gallo interrompeu em tom calmo:

— Acabo de receber a notícia de que um avião se chocou contra o World Trade Center. Pode ter sido um ato de terrorismo. Como o objetivo dessas ações é paralisar o país, não faremos o que eles esperam.

No mesmo tom, anunciou o palestrante seguinte, que fez sua exposição como se nada houvesse acontecido. No final dela Robert Gallo interrompeu mais uma vez:

— Os acontecimentos foram mais graves. Dois aviões se chocaram contra as torres e elas caíram. Vamos interromper a conferência por 30 minutos para que aqueles que têm parentes em Nova York possam telefonar para casa. Insisto que estejam todos de volta em 30 minutos para voltarmos à normalidade o mais cedo possível.

Em ordem, saímos do salão de conferências. O pessoal do hotel havia espalhado vários televisores pelo saguão. Parei diante de um deles no meio de um círculo de 40 ou 50 pessoas. O locutor falava sobre a tragédia. De repente, na tela surgiu a imagem do segundo avião atingindo a torre. Atrás de mim ouvi a voz abafada de um homem: “No!”. Ao meu lado, uma pesquisadora da Universidade de Stanford tirou um lencinho e enxugou as lágrimas com delicadeza, antes que escorressem pelo rosto.

Foram as únicas manifestações daquelas pessoas em volta da TV.

Não foi possível reiniciar o evento em 30 minutos, mas, uma hora depois, estávamos todos sentados para assistir à apresentação seguinte. Com os aviões proibidos de voar, alguns conferencistas faltaram, mas todos foram substituídos. O evento continuou até sábado, exatamente conforme planejado.

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