Como se preparar para cuidar de familiares mais velhos?


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Publicado em: 10 de abril de 2024

Revisado em: 9 de abril de 2024

Acompanhar o processo de envelhecimento dos pais pode significar lidar com questões sensíveis que vão desde adaptações na moradia até rearranjos financeiros.

 

Dados do IBGE revelam que o Brasil está envelhecendo em ritmo acelerado. O Censo Demográfico de 2022 indica que a população com 65 anos ou mais atingiu 22,2 milhões, um aumento de 57,4% em relação a 2010. Essa tendência se reflete no índice de envelhecimento, que passou de 30,7 para 55,2 no mesmo período, significando que há 55,2 idosos para cada cem crianças de 0 a 14 anos.

A longevidade, impulsionada por avanços na medicina e qualidade de vida, é um dos principais fatores por trás desse cenário. A expectativa de vida ao nascer no Brasil chegou a 75,5 anos em 2022, um aumento de quase dez anos desde 1980. Essa conquista, somada à queda da natalidade, contribui para a crescente proporção de idosos na sociedade brasileira.

Considerando esse quadro, é comum que cada vez mais famílias tenham que lidar, por um longo período de tempo, com o avançar da idade de parentes, o que envolve um aumento principalmente nas questões de saúde, mas em outras áreas também.

Sandra Ribeiro, aposentada de 68 anos, faz parte de uma dessas famílias. Junto com a irmã mais nova, em uma família com quatro irmãos, assumiu a responsabilidade de cuidar da mãe de 89 anos. Depois de ver o pai falecer aos 82 anos em condições mais precárias, ela decidiu pagar um plano de saúde para a mãe, que após um AVC em 2010 apresentou pioras na saúde e hoje tem demência senil, Parkinson e uma série de complicações. Sandra cuida majoritariamente da parte financeira, enquanto a irmã vive com a mãe, em uma casa alugada, e dá apoio nas tarefas do dia a dia, como dar banho. 

Sandra buscou o auxílio de uma consultora financeira para organizar suas despesas e incluir os gastos que envolvem esses cuidados. “Fiz um plano funerário para todos nós, prevendo o que vai acontecer em algum momento. Sobre o plano de saúde para minha mãe, posso deixar de pagar o meu, mas não deixo de pagar o dela, não quero que minha mãe passe pelo que meu pai passou quando faleceu”, diz. “Estou tentando me organizar financeiramente: já cortamos todos os gastos possíveis. Não posso comer uma pizza ou comer fora, por exemplo. A gente não se dá esse luxo mais. Coloquei o apartamento à venda.”

Tantos esforços acabam por afetar sua saúde mental, e hoje ela faz um acompanhamento psicológico. “O psiquiatra diz que carrego todo mundo nas costas, só que preciso dar uma parada.”

Apesar das dificuldades, Sandra segue firme em seu propósito de cuidar da saúde da mãe e deixa como conselho que todos se planejem, na medida do possível, para isso. “Minha mensagem é de buscar fazer um plano de saúde para os pais enquanto os filhos estão trabalhando, enquanto estão bem. E que cada filho faça um pouquinho, pois a união faz a força, para que não sobrecarregue um só.” 

        Veja também: Saúde sem Tabu #13 | Virei cuidador, e agora?

 

Adaptações e cuidados especiais

Flavia Campora, geriatra do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, destaca a importância de reconhecer as mudanças físicas e psicológicas que acompanham o envelhecimento dos pais. Ela enfatiza que, embora o envelhecimento traga mudanças fisiológicas naturais, as doenças não devem ser consideradas como parte inevitável desse processo. Adaptações na casa e cuidados especiais devem ser individualizados, levando em consideração o grau de dependência e autonomia de cada um.

“O processo de envelhecimento traz mudanças, todos os órgãos e sistemas mudam de alguma forma nesse processo. A lista é bem extensa, mas o que eu acredito ser mais importante é que no processo de envelhecimento nós reduzimos a nossa reserva funcional. E o que seria isso? Para ter uma vida saudável em condições normais, não usamos 100% das nossas capacidades, dos nossos pulmões, rins etc. Temos um ‘extra’ que usamos quando somos submetidos a uma infecção, desidratação, cirurgia, por exemplo. No envelhecimento, esse ‘extra’ vai se reduzindo, de forma que ficamos mais suscetíveis a situações adversas. É importante ressaltar que no processo de envelhecimento normal, mesmo com essas mudanças, as doenças não são normais. Quando temos alguma doença, significa que perdemos além do que deveríamos. Então não é normal ter pressão alta, diabetes, catarata, perda de memória… apesar de essas serem doenças muito comuns em idosos”, explica.

A dra. Campora ressalta a necessidade de manter a saúde e a autonomia dos idosos pelo maior tempo possível. Isso envolve cuidados preventivos desde a juventude, como alimentação saudável e atividade física regular. Além disso, é crucial estar atento às necessidades emocionais dos idosos, fornecendo apoio e incentivo para manter uma vida ativa e socialmente conectada.

“Se falarmos de uma mulher de 75 anos, podemos estar diante de alguém que trabalha diariamente, dirige, mora sozinha e cuida das finanças. E também podemos ter alguém completamente acamado, com problemas de memória e dependente para todas as atividades. Qualquer coisa entre um e o outro extremo é possível. Tudo isso para dizer que não há uma cartilha das adaptações e cuidados necessários. A avaliação deve ser individual, levando em consideração o grau de dependência física e psicológica e de autonomia que aquele idoso tem. Na minha visão, um ponto muito importante é o trabalho na manutenção dessas capacidades por mais tempo possível. Para isso, as principais atitudes que temos é cuidar da nossa saúde desde jovens, com alimentação, atividade física regular, estímulos mentais, além do controle das doenças que venham a aparecer”, explica. 

Daniela Barbieri, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Espírito Santo (SBGG-ES), destaca como o aumento da expectativa de vida está transformando as estruturas familiares. “Com o aumento da expectativa de vida, houve crescimento das moradias intergeracionais, nas quais, muitas vezes, parte ou todo o sustento provém da renda de pessoas idosas. Idosos ativos ajudam no cuidado da família, enquanto idosos frágeis dependem do cuidado das gerações mais novas. Quando há um idoso dependente na casa, principalmente quando está completamente acamado, é necessário incluir um cuidador formal no lar, ou um membro precisa deixar seus afazeres para passar a cuidar daquela pessoa idosa”, diz.

 

O impacto financeiro

Natalia Mercês, planejadora financeira há sete anos e fundadora do Ateliê Financeiro, aborda os desafios monetários associados ao envelhecimento dos pais. Ela destaca a necessidade de ajustar as próprias finanças para incluir os cuidados com os pais e realizar conversas difíceis sobre essa fase da vida. Mercês enfatiza a importância de um planejamento individualizado e proativo para enfrentar esses desafios financeiros, buscando soluções adaptadas à realidade de cada família.

Os exemplos de gastos associados ao envelhecimento são diversos, desde planos de saúde mais caros até adaptações na moradia e a possibilidade de considerar uma casa de repouso. No entanto, essas despesas podem impactar significativamente a renda dos filhos que cuidam dos pais idosos. Estratégias cuidadosas são essenciais para enfrentar esses desafios financeiros, incluindo uma análise detalhada das finanças familiares e a antecipação das despesas futuras.

“Acredito que nesses momentos não seja possível escapar de sentar e fazer um bom planejamento financeiro – e quando eu menciono planejamento financeiro, penso sempre em algo muito individual para o contexto de cada família. Um bom planejamento não é anotar os gastos, um bom planejamento não é fazer uma planilha que vai ficar jogada numa pasta do computador. Um bom planejamento é ter clareza do dinheiro que entra, para onde esse dinheiro está indo e principalmente se antecipar às despesas que potencialmente estão por vir. Isso é válido tanto para os mais jovens quanto para quem está lidando com os desafios do envelhecimento dos pais nesse momento”, diz.

Além dos desafios financeiros e práticos, é fundamental considerar o apoio emocional durante todo o processo. A comunicação aberta e o apoio mútuo entre familiares são essenciais para enfrentar os desafios emocionais que surgem nessa fase da vida.

Mercês destaca, também, a importância de buscar orientação e compartilhar experiências com outras pessoas que também estão lidando com o envelhecimento dos pais. “Quando o dinheiro não é suficiente para pagar as contas do agora, pode parecer muito fora da realidade esse olhar adiante, mas tente. Converse com outras pessoas que possuem familiares idosos, pergunte sobre os custos, sobre as adaptações que eles tiveram que fazer no estilo de vida. Os desafios continuarão vindo. Nós conversamos pouco sobre dinheiro e essas conversas podem ajudar muitíssimo a encontrar melhores soluções para as dificuldades do agora e termos um pouco mais de tranquilidade lá na frente”, enfatiza ela.

        Veja também: Envelhecimento – Um papo entre pai e filha – DrauzioCast #205

 

Sobre a autora: Tarima Nistal é jornalista e especialista em comunicação digital e marketing. Interessa-se por questões relacionadas à saúde das mulheres, alimentação saudável e meio ambiente.

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