Mitos e verdades sobre a varíola dos macacos

Mariana Varella

Mariana Varella é editora-chefe do Portal Drauzio Varella. Jornalista de saúde, é formada em Ciências Sociais e pós-graduanda na Faculdade de Saúde Pública da USP. Interessa-se por saúde pública e saúde da mulher. Prêmio Especialistas Saúde 2021 e Prêmio Einstein Colunista +Admirados da Imprensa de Saúde e Bem-Estar 2021 @marivarella

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O infectologista Rico Vasconcelos explica o que é verdade e o que é mentira sobre a transmissão da varíola dos macacos, a monkeypox.

 

A varíola dos macacos tem se espalhado ao redor do mundo. Hoje, já são mais de mil casos confirmados só em São Paulo. Em apenas oito semanas, o Brasil viu a quantidade de novas infecções aumentar em 61% – e os números continuam subindo. O Ministério da Saúde, inclusive, já começou as tratativas para adquirir vacinas reservadas aos profissionais da saúde e pessoas do grupo de risco.

Em meio ao avanço da monkeypox, muitas informações são disseminadas na mídia e nas redes sociais, mas nem sempre verdadeiras. Para entender o que é mito e o que é verdade sobre a doença, Mariana Varella recebe o infectologista Rico Vasconcelos. Assista:

Não pode ouvir agora? Acompanhe a transcrição a seguir:

Olá, pessoal, o Brasil já tem mais de 1.700 casos da varíola dos macacos, também chamada de monkeypox. Aqui no site tem chegado muitas dúvidas pra gente sobre essa doença. E, pra conversar um pouquinho sobre isso, sobre formas de transmissão, de tratamento, eu trouxe aqui o infectologista doutor Rico (Ricardo) Vasconcelos, que já esteve com a gente várias vezes, tem sempre muita boa vontade em conversar com a gente.

 

Bem-vindo, Rico.

Doutor Rico Vasconcelos – Obrigado, Mari, voltarei sempre. 

 

A gente tá tendo informação nova todo dia, né, Rico. Isso acontece com uma doença que é nova. O primeiro caso foi notificado mais ou menos há três meses. Então, é uma doença recente. Eu queria que a gente começasse falando o que é monkeypox, assim, bem básico mesmo, pras pessoas entenderem.

Tá bom, vamos lá. Primeiro que não é uma doença nova, não é um vírus novo. O monkeypox – e a OMS e o Ministério da Saúde preferem que a gente chame de monkeypox e não de varíola dos macacos –, ele foi descrito pela primeira vez em 58 em macacos, por isso que ganhou o nome de monkeypox. No entanto, o tempo posterior nos ensinou que esse macaco tava aí por acaso, que esse vírus tem como reservatório principal os roedores da África, da África Central, e o macaco é um dos outros animais que se infecta por esse vírus. Seres humanos passaram a ser infectados pelo monkeypox, pela primeira vez descrita, em 1970, e, de 1970 até hoje, o que a gente vê é um gráfico de aumento progressivo do número de casos a cada ano. Inicialmente, casos restritos à África, África Central e África Ocidental, e, a partir de 2003, começaram a aparecer casos fora da África, sempre poucos, restritos e sempre com uma relação de viagem pra África, ia e voltava, ou contato com animal que tinha chegado da África, nunca com transmissão comunitária fora da África. E o que aconteceu agora, a partir de maio de 2022, é que aquela curva, que eu falei que tava crescendo, explode e rapidamente a gente chega hoje, a gente tá aqui no começo de agosto conversando, a gente já tem mais de 27 mil casos no mundo todo. De maio pra agosto, já temos 27 mil casos em todos os continentes e todos eles não mais com contato com alguém que tinha vindo da África ou com animal que tinha vindo da África. Enquanto antes a gente tinha uma epidemia muito mais restrita e sempre, na maioria dos casos praticamente, com contato com animais, que é o que a gente chama de zoonose – lá na África era a pessoa que tinha comido o ratinho, pessoas que dormiam no chão e tinham contato com o rato –, agora a gente não tem mais zoonose, a gente tem transmissão inter-humanos, acontecendo em todos os continentes.

 

E a doença tem avançado. A gente tem visto aqui que tem avançado. Explica pra gente um pouquinho a forma de transmissão dessa doença.

A transmissão do monkeypox antes era feita com contato próximo com o animal doente. Agora, inter-humanos, o contato próximo com uma pessoa doente é a forma de transmissão. O contato próximo tanto com secreção respiratória, gotícula, que nem Covid, a gente tá bem acostumado, né, com a transmissão respiratória da Covid. Mas, no caso do monkeypox, tem também a transmissão a partir do contato próximo com a lesão de pele, e também materiais que encostaram na lesão de pele ficam com o vírus e podem transmitir. Por exemplo, toalha. Uma pessoa que tem lesões de pele no rosto, na mão, que se enxuga numa toalha e vem outra pessoa e se enxuga também, essa é uma via de transmissão. Lençol também é uma via de transmissão. Tem toda aquela discussão se é uma infecção sexualmente transmissível ou não. Eu acho que essa é uma discussão que não leva a lugar nenhum porque a relação sexual é uma forma de contato próximo e eu acho que tentar cravar que é IST, não é IST pode até confundir as pessoas. Eu já vi pessoas falando assim: “Se é uma IST, se eu usar camisinha, eu estou protegido”.

 

Essa é uma dúvida que tem chegado aqui pra gente bastante.

Protege a camisinha, desde que a lesão de pele seja dentro da camisinha, que a pessoa não tenha nenhuma outra lesão de pele no corpo e que a pessoa esteja de máscara, o que é impossível, né. Eu prefiro pensar que, se é ou não é uma IST, não importa, uma vez que a relação sexual é um contato próximo, entenda dessa maneira. E, se eu tenho alguém que eu não transei, mas dormi de conchinha, isso é uma forma de transmissão, ainda que a gente não tenha tido uma relação sexual.

 

Por enquanto, Rico, a gente tem visto que os casos estão mais concentrados no grupo de homens que fazem sexo com homens. Então, a OMS lançou um aviso pedindo uma recomendação pra que esse grupo reduzisse o número de parceiros sexuais. Muita gente acusou a OMS de reforçar o estigma contra essa população, que a gente sabe que já é vulnerável. Eu queria que você falasse um pouquinho se realmente está restrito a esse grupo, se outros grupos também correm risco de pegar a doença e o que que você acha dessa questão da estigmatização de grupos de risco.

A partir de maio, o que a gente vê, nesses 27 mil casos até agora que apareceram, é que 98% deles aconteceram entre homens, poucos casos entre mulheres, e, entre esses homens, a enorme maioria, quase 98% também, é entre homens que contam que tinham relações com outros homens. Isso fica muito nítido desde o princípio em todos os países. Eu acho que o que aconteceu foi que esses vírus, que antes estava restrito aí à África, ele encontrou uma rede mundial de pessoas que têm contato próximo entre si e que viaja muito nas férias. O que que aconteceu ali no hemisfério norte a partir de maio? Era o verão, o primeiro verão que a gente não tem a Covid assustando em número de mortes, todos os festivais lá do hemisfério norte estavam liberados e muita gente acabou viajando lá por turismo mesmo pra de novo poder curtir as férias de verão. Inicialmente, a gente vê que a circulação está muito maior entre homens gays, mas nitidamente a gente sabe que qualquer pessoa do mundo, se tiver contato próximo com alguém doente, pode se infectar. Começou na rede de homens gays e homossexuais e já está começando a infectar outras pessoas. O Brasil mesmo já tem casos de mulheres cisgênero, mulheres grávidas, crianças, confirmadas com monkeypox. Vendo a forma com que esse vírus se transmite, é muito fácil entender que claro que qualquer pessoa pode pegar. E essa conversa de estigmatização, todo mundo tem muito cuidado pra falar por causa da epidemia de HIV e Aids, que taí no seu 41o ano de história e que até hoje a gente vê que homens gays, mulheres trans, trabalhadores do sexo, usuários de drogas sofrem por causa desse estigma lá do início da pandemia de HIV. Daquela época, década de 80 e 90, em relação ao HIV, costumava-se usar o conceito de grupo de risco, que é um conceito que lá foi criado pra tentar alertar as pessoas que estavam nos grupos em que o HIV estava circulando com maior frequência, mas o que esse conceito acabou gerando foi um enorme estigma com essas pessoas, que dura até hoje. Estigma no sentido de, no senso comum, na cabeça das pessoas, a ideia que fica é que todos os gays têm HIV e que, se eu não sou gay, eu não preciso me preocupar com isso. Pra não cair no mesmo erro, a gente tem muito cuidado pra transmitir essas informações do monkeypox nesse momento. O que eu tenho dito é: qualquer pessoa do mundo está vulnerável ao monkeypox se tiver contato próximo com alguém doente. Mas, neste momento, entre os homens gays, a gente tá vendo uma circulação mais intensa e, a qualquer momento, isso pode mudar e, como eu acabei de te falar, já está começando a mudar. Todo mundo tem que ficar atento, todo mundo tem que saber como que pega, quais são os sintomas, o que fazer se tiver sintomas, porque desse jeito todo mundo faz uma força-tarefa pra controlar a transmissão. Não dá pra botar a culpa no gay, né, coitado, é um vírus, não tem nada a ver.

 

Pois é e, se passa tão fácil assim, quer dizer, contato com as lesões, qualquer pessoa pode pegar, então, vai sair desse grupo, já tá saindo, conforme você disse. Então, vamos lá. A gente já falou do que é a doença, da forma de transmissão, do contato próximo com as lesões. Sintomas, eu queria saber um pouquinho.

Vamos lá. Existe aquilo que era conhecido do monkeypox clássico, década de 70, 80, 90, que se lia nos livros, e existe aquilo que a gente tá vendo agora. E eu acho que aquilo e isso são um pouco diferentes porque nunca a gente olhou direito pro monkeypox, nunca estudou tanto. Então, agora a gente tá tendo um conhecimento mais aprofundado porque o número de casos é muito maior. O que se tem como quadro clínico clássico do monkeypox seria uma pessoa que tem contato próximo e se infecta com alguém que tá doente, dentro de uma a três semanas, vai começar a ter sintomas, em outras palavras, o período de incubação é muito variável – de uma a três semanas depois que eu me infectei, eu vou começar a ter sintomas – e o quadro clínico, quando tem sintomas, clássico é: começa com febre alta, sem motivo, dor de cabeça, dor de garganta, gânglios, ínguas começam a doer no pescoço, nas axilas, na região de virilha, e a pessoa não sabe o que que é porque são sintomas bem inespecíficos. Será que é Covid? Será que é dengue? Será que é HIV agudo? Será que é sífilis? Até que, depois de alguns dias que começa essa febre, esse quadro clínico, o que a gente vê é o surgimento de lesões de pele. A partir do momento que começa a surgir lesão de pele, ninguém mais pensa em Covid, ninguém mais pensa em dengue, por exemplo. Aí fica bem mais fácil de suspeitar de monkeypox. Essas lesões de pele podem ser múltiplas, pelo corpo todo, qualquer lugar do corpo pode aparecer: cabeça, nariz, testa, mão, palma da mão, sola do pé, genitais. E existe uma evolução muito típica dessa lesão de pele. Normalmente, ela começa com uma lesão que parece uma espinha e passaria normalmente desapercebida – “ah, mais uma espinha, um pelo encravado” – e depois ela acaba ulcerando, ela acaba abrindo e fazendo uma feridinha, que classicamente tem uma borda elevada, como se fosse um vulcãozinho que tem o meio afundado. Esse é o quadro clínico clássico. 

É comum a gente ver, agora nesse surto desde maio, misturas diferentes de sintomas, ou seja, sem febre, sem gânglios, sem dor de cabeça. Eu vi até paciente que tinha uma única lesão de pele, uma, e a gente fez o exame, era monkeypox. Ou mesmo pessoas que não têm nenhuma lesão de pele, mas têm lesão em mucosa, mucosa do ânus, mucosa do reto, mucosa da boca, nada na pele. É muito variável o quadro clínico. Por isso, uma pessoa que percebeu que tá doente e teve alguma coisa na pele, e a pele é o sintoma mais prevalente, quase todos os pacientes com monkeypox têm alguma lesão de pele, ela tem que ficar atenta, mesmo que seja uma lesão só.

A evolução das lesões de pele nem sempre é síncrona, não é ao mesmo tempo, não é, assim, todas as lesões aparecem ao mesmo tempo e elas vão cicatrizando simultaneamente, não.  Eu posso ter uma lesão no joelho, que foi a primeira, que ela já tá quase caindo a casquinha, quando aparece uma na minha testa, aí depois aparece uma na minha mão. aí essas já estão melhorando, aparece uma no meu pé. Então, estágio diferente de evolução, e a pessoa continua transmitindo monkeypox, por aquelas vias, que a gente conversou, enquanto tiver lesão nova aparecendo e enquanto as lesões que já apareceram ainda não cicatrizaram. Quando tem casquinha, casquinha ainda transmite. Para de transmitir quando a casquinha caiu e a pele embaixo da crosta tá cicatrizada. Eu tenho paciente que fala assim: “Já faz cinco dias que eu não tenho nenhuma lesão nova. Eba, que bom!” Aí no sexto aparece uma lesão nova. Para tudo. 

E quanto tempo demora pruma pessoa resolver tudo? Depende da pessoa. Algumas pessoas demoram até três semanas, outras demoram menos tempo, uma semana, cinco dias. Eu vi paciente com cinco dias que já não tinha mais nada. Então, a gente tá aprendendo ainda muito sobre essa doença. Como eu falei, eu acho que a gente nunca estudou tanto sobre monkeypox, a gente nunca teve tantos casos de monkeypox antes de maio de 2022 e, por isso, a gente tá conseguindo agora delinear, descrever qual é o quadro clínico. Não espere ter febre em todos os casos, não espere ter dor de cabeça, dor de garganta nem gânglio. Quando tem tudo, é fácil de fazer diagnóstico, o difícil é quando a pessoa tem parte desses sintomas que eu falei.

 

E, pra fazer o diagnóstico, é o diagnóstico clínico, precisa de algum exame.

O diagnóstico laboratorial, que é o que a gente tem usado para confirmar o diagnóstico, é feito com PCR. Lembra o PCR da Covid, que é um exame que procura pelo material genético do vírus? No caso da Covid, a gente procura pelo RNA do vírus, naquele cotonete que enfia no nariz, que é super incômodo de fazer, enquanto no monkeypox você procura pelo DNA do vírus. E onde é feito? Na lesão de pele. Essa feridinha, que começou como espinha, depois abriu e fez um vulcãozinho, casquinha e depois cai, em qualquer momento desses estágios, se você pegar aquele cotonetinho e passar na ferida e procurar pelo DNA do vírus no laboratório, você encontra. As lesões de pele têm muito vírus, então, é fácil de encontrar, essa é a parte boa do diagnóstico. A parte ruim é que, se tem muito vírus na lesão de pele, isso significa que a lesão de pele é muito transmissível. E por isso que tá crescendo tão rápido o número de casos.

A dificuldade no Brasil, no entanto – momento denúncia agora –, é que ainda tá muito difícil pra pessoa encontrar esse fluxo de coleta de material pra confirmar o exame. Aqui em São Paulo, eu posso dizer que a maioria das UBSs, se uma pessoa chegar com essa queixa, “tive febre, dor de garganta e apareceu isso”, ele vai ser mandado embora, “não, isso não é nada, fica tranquilo”. Ninguém vai nem suspeitar ou, se suspeitar, não vai saber como é que colhe. Então, ainda tá muito difícil, não tá facilitado o fluxo. Em outros estados do país, o que eu sei é que todos eles têm que mandar a amostra prum laboratório de referência, que muitas vezes não é na mesma cidade e no mesmo estado. A gente tem cinco laboratórios de referência pra fazer exame de monkeypox no Brasil inteiro. Imagina cinco laboratórios para 220 milhões de pessoas. Claro que ainda é difícil de fazer o diagnóstico. E, se a pessoa optar por fazer o exame pela rede privada, nenhum plano de saúde cobre esse exame porque é tudo muito novo e é um exame caro. Então, é difícil fazer o diagnóstico de monkeypox. Assim, Mari, quando você fala aí, na abertura, que a gente já tem mais de 1.700 casos confirmados no Brasil, eu aposto que esse número está ultra subnotificado, é muito mais do que isso, porque é muito transmissível e é difícil de fazer o diagnóstico.

 

E os próprios profissionais de saúde, imagino, muitos não estão preparados pra reconhecer os sintomas, né?

Na minha prática médica, seja no Hospital das Clínicas aqui de São Paulo, seja no meu consultório, encontro vários pacientes que já passaram em outro lugar e disseram: “Não, isso é espinha, isso é um pelo encravado, isso é herpes, isso é sífilis”. E, de fato, confunde. Uma lesão no pênis, única, que apareceu depois que a pessoa teve uma relação sexual pode ser realmente uma sífilis, mas pode não ser. E, enquanto a gente não tiver esse grau de suspeita alto, uma vez que a gente tá no meio de um surto, muitos casos vão passar batidos, sem fazer diagnóstico, fazendo com que a transmissão continue acontecendo. 

 

Qual o tratamento pra essa doença? E eu queria saber também se ela pode ser grave? Pelo que a gente já sabe, poucas pessoas morreram dessa doença, mas existem pessoas que morreram dessa doença. Então, acho que acende um alerta aí e as pessoas ficam com medo. Eu queria que você falasse um pouquinho disso. 

Acho que é superimportante falar isso, Mari, porque as pessoas ficam muito desesperadas, né, e essa parte do tratamento, eu acho que é a parte boa da história, que é a parte que me motiva a dizer: calma, não tenham pânico. Isso significa que a enorme maioria das pessoas que se infectam com monkeypox têm um quadro clínico muito benigno. Vai ter lesão de pele, essa lesão de pele, ela vai cicatrizar e a pessoa vai curar e vai ficar bem. Em alguns casos, um pouco mais complicados, principalmente nas pessoas que têm lesão no ânus de monkeypox, é comum a pessoa ter muita dor e algumas até precisam ser internadas para analgesia, pra tomar remédio na veia pra controlar a dor. Mas até nesses casos de dor quase que intratável das lesões no ânus, em alguns dias, cicatriza e a pessoa fica boa. É um pingo das pessoas que acaba fazendo formas mais graves dessa doença. Existem formas de acometimento do olho, acometimento do cérebro, acometimento dos pulmões, tipo uma Covid grave. E são essas as pessoas que acabam evoluindo pra óbito, esses nove casos que morreram até agora, dentro de mais de 27 mil casos no mundo todo. Então, a letalidade, a porcentagem de pessoas que morrem com a doença, é baixíssima, sobretudo se a gente considerar que existe muita subnotificação. Então, tem muita gente pegando, e nove pessoas morreram. 

Quem é que tá sob risco acrescido de ter uma forma grave da doença? Pessoas que tenham a imunidade comprometida, ou seja, uma pessoa com Aids, uma pessoa com câncer fazendo quimioterapia, uma pessoa transplantada, e tem uma situação que eu assumo que é o que mais me assusta, que é mulheres grávidas, que têm um bebezinho na sua barriga, que tem um sistema imune ainda muito malformado, ainda muito no início da sua atividade e que são pessoas imunossuprimidas, também o bebezinho da barriga. A gente sabe, em estudos anteriores, aqueles feitos na África, que é muito perigoso pro bebê que tá na barriga de uma mulher grávida se ela pegar monkeypox. Então, alguém poderia perguntar assim: “Rico, se o quadro clínico é super benigno e praticamente todo mundo vai curar, cicatrizar e resolver, por que que a gente precisa se preocupar com isso?” Porque, se eu pego e passo pra alguém, que passa pra alguém, que passa pra alguém, que passa pruma mulher grávida, ela pode ter problemas com monkeypox. Então, é lá que a gente tem que evitar que chegue. Se eu, adulto, saudável, me infectar, a maior chance que tem é que não vai acontecer nada.

 

E essas lesões, elas deixam cicatrizes? Tem muita gente perguntando isso também.

Deixam, sim, principalmente a pessoa que toma sol na lesão. Eu tenho falado, pra todos os pacientes que aparecem com lesão no rosto ou na mão, foge do sol porque na cicatrização fica a marca e principalmente pessoas com a pele mais morena, mais escura, que aí fica uma cicatriz branquinha. As pessoas mais branquinhas ficam com a cicatriz, mas a pessoa nem vai ver, que fica branco no branco e não vai ver. E o tratamento, enfim, não é feito. Existe até um remédio antiviral, que chama Tecovirimat ou Cidofovir, são dois remédios diferentes, antivirais, que têm ação em laboratório antiviral contra o monkeypox. No entanto, a gente não dá tratamento pra maioria das pessoas porque elas vão melhorar sozinhas. Quando que tem indicação de dar o tratamento? Naqueles casos que eu falei, de imunossuprimido ou, por exemplo, numa mulher grávida. Entretanto, esse tratamento não está disponível na enorme, maior parte do mundo. 

 

É, a gente até lembra aqui que o Ministério da Saúde recomendou que mulheres grávidas usassem máscara em espaços fechados pra se prevenir, né. É importante falar isso. E outra coisa, vacina, tem vacina pra essa doença, como tá o Brasil em relação a isso?

Tem. Aliás, a história da vacina, eu acho que vale a pena contar, né, que esse vírus do monkeypox, ele faz parte do mesmo grupo de vírus da varíola humana, aquela que a gente tinha no Brasil e foi considerada como erradicada no final da década de 70. Ela foi erradicada, a varíola humana, por meio de vacinação, e a vacinação contra a varíola humana protege contra todos os vírus desse grupo de vírus, também contra o monkeypox. A partir do momento que a gente parou de vacinar aqui no Brasil para a varíola humana, e o ano foi 73, cada nova geração que nasceu não foi vacinada e, portanto, é suscetível a todos os vírus desse grupo. Por muito tempo, a gente contou a história da erradicação da varíola humana como uma história de sucesso, mas agora a gente põe a mão na consciência e fala: talvez, parar de vacinar para a varíola humana não tenha sido uma boa ideia, porque esse monkeypox se espalhou no mundo todo dessa maneira, com essa velocidade, porque as pessoas não tinham imunidade mais contra esse grupo de vírus, uma vez que não eram mais vacinadas pra varíola. 

Aquela vacina que foi dada até 73 no Brasil, ela não existe mais, mas existem versões mais modernas dessas vacinas, que têm muito menos efeito colateral, são muito mais seguras para serem utilizadas, e essa tem sido apontada como a principal e mais eficaz forma de controle do surto. Mas os fabricantes dessas vacinas têm lotes pequenos porque, de uma hora pra outra, o mundo inteiro resolveu comprar vacina de monkeypox. E o Brasil não tem ainda nenhuma dose e não é só o Brasil. Estados Unidos estão tendo manifestação cobrando pela vacina. Na Europa, tem muito país que tá sem vacina para aplicar, e é um fabricante que pode fazer, né. Então, acho que vai demorar ainda algum tempo pra gente conseguir ter doses disponíveis para vacinar no Brasil e no resto do mundo, e é importante que as pessoas saibam que essa vacina pode ser usada não só que nem a gente usa pra Covid, pra prevenir que uma pessoa adoeça depois de vacinada, mas ela pode ser usada como uma profilaxia pós-exposição também. Então, se eu tenho contato com uma pessoa que tava doente com monkeypox, eu tenho um prazo de alguns dias em que eu ainda posso tomar a vacina como profilaxia, como prevenção para que eu não adoeça. Isso é legal, né? Isso a gente não usou pra Covid, mas para monkeypox pode ser utilizada. O Ministério já anunciou que vai conseguir um número ainda pequeno de vacinas, eles avisaram 50 mil, se não me engano. Cinquenta mil prum país como o Brasil é um pingo, mas já é um começo. Lembra da Covid? Começou de pouquinho também e, em algum momento, estaremos todos vacinados.

 

Agora, Rico, eu queria voltar na parte de contágio, né. Eu acho que não ficou muito claro. A pessoa antes de apresentar a lesão, no período de incubação – a lesão ou outros sintomas –, ela pode passar o vírus adiante ou não?

Essa é uma pergunta superimportante, Mari, porque, pelo que a gente conhecia do monkeypox antes do surto atual, lá da África, a gente tinha como verdade que o período de transmissibilidade se iniciava com os sintomas. Quando a pessoa tinha febre, dor de garganta e lesão de pele, ela transmitia e, antes disso, não. No entanto, olhando pro surto atual, a gente percebe nitidamente que sim. Nos dias que antecedem o início dos sintomas, já existe transmissão, mas certamente o maior período de transmissibilidade ou o maior risco de transmissão para outras pessoas se dá no momento em que a pessoa tem sintomas de lesão de pele. Isso significa, então, que, se eu adoeci, descobri que eu tenho monkeypox e tive contato próximo com alguém nos dias anteriores ao início dos sintomas, é legal eu avisar pra ela porque essa pessoa pode ter se infectado. E aí você já imagina, né, pensando no controle da epidemia, fica tudo muito mais difícil sabendo dessa informação.

 

E pra gente terminar, Rico, eu queria saber: uma pessoa acha que pode ou ter entrado em contato com alguém com monkeypox ou tá com sintomas, o que que ela faz?

Depende do lugar que ela estiver no Brasil. O melhor conselho que eu dou pra ela é: procure algum especialista em infecção, infectologista ou alguém que esteja atendendo pacientes desse tipo. Se não consegue, se não tem no lugar onde a pessoa mora, se não tem um infectologista, procure atendimento na UBS porque existe uma determinação do Ministério da Saúde para que a UBS possa fazer a coleta do material e enviar pro laboratório. Se a pessoa não for atendida do jeito que ela esperava, se ela receber algum tipo de “fica tranquilo, não é nada, isso é uma espinha”, insista, volte, converse, fale que existe a orientação do Ministério da Saúde, principalmente se ela tiver lesão de pele onde possa ser coletada a amostra pra fazer o diagnóstico. E, no extremo, se não teve jeito, a pessoa foi e voltou e não foi atendida, ninguém quis colher o exame dela na cidade dela, o que eu recomendo é que ela fique quieta, se auto-isole, não deixe ninguém chegar perto enquanto ela tiver ainda lesão de pele, sobretudo mulheres grávidas, pessoas que têm a imunidade comprometida, porque dentro de alguns dias o que acontece com a enorme maioria das pessoas é que ela terá se curado e terá resolvido. Mas o ideal seria que a gente conseguisse fazer o diagnóstico, até mesmo para que o caso notificado entre nas estatísticas do ministério. Se a gente não sabe quantas pessoas estão pegando essa doença, o ministério nem sabe qual é a urgência de compra de vacina, de tratamento etc.

 

E o uso de máscara também ajuda a evitar a disseminação.

Igual à Covid, né, porque, uma vez que a gente tem essa parte da transmissão respiratória, o uso da máscara me protege tanto para não pegar de alguém doente como também, se eu estiver doente, eu de máscara não transmito para outras pessoas.

 

Rico, eu queria te agradecer mais uma vez por estar aqui com a gente, foi muito legal, aprendi muito e acho que é importante a gente, né, conversar porque as pessoas tão realmente com muitas dúvidas sobre esse assunto, né. É uma doença que ninguém falava dela até pouco tempo atrás, né, e agora a gente tá vendo esses casos e provavelmente vai se disseminar, né.

Claro, é só com informação sobre a doença que a pessoa consegue aplicar as medidas de controle à sua vida. Se a pessoa não sabe nada, ela vai viver como se nada estivesse acontecendo e muitas vezes ela acaba sendo vulnerável à infecção dessa maneira, né.

 

Então, é isso, gente. Eu queria agradecer o Rico, mais uma vez, por estar aqui. Se você tiver alguma suspeita de ter entrado em contato com uma pessoa com monkeypox ou tiver algum sintoma da doença, é legal se auto-isolar, né, Rico, pra gente evitar que essa doença se dissemine e acabe atingindo pessoas que podem ter quadros mais graves. Muito obrigada mais uma vez, Rico.

Obrigado pelo convite.

Veja também: Varíola dos macacos – DrauzioCast #184

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