Muitos homens se recusam a fazer essa cirurgia porque imaginam que ela possa provocar distúrbios de ereção, no que estão completamente enganados. Veja entrevista sobre vasectomia.
Vasectomia é um procedimento cirúrgico que interrompe a circulação dos espermatozoides produzidos pelos testículos e conduzidos através do epidídimo (tubo em forma de novelo que se localiza na parte superior dos testículos) para os canais deferentes que desembocam na uretra.
Trata-se de um método de contracepção muito seguro que secciona os dois deferentes. Muitos homens, porém, se recusam a fazer essa cirurgia porque imaginam que ela possa provocar distúrbios de ereção, no que estão completamente enganados. A vasectomia torna o homem estéril, mas não interfere na produção de hormônios masculinos nem em seu desempenho sexual.
É interessante notar que grande parte dos homens brasileiros não se incomoda que suas mulheres façam laqueadura das tubas (uma cirurgia mais invasiva), mas foge da vasectomia como o diabo da cruz.
REAÇÃO MASCULINA DIANTE DA VASECTOMIA
Drauzio – Como você interpreta esse medo do homem em relação à vasectomia?
Sami Arap – O homem tem medo de qualquer coisa que o leve à sala de cirurgia, ainda que saiba que se trata de uma pequena cirurgia com anestesia local. Homens e mulheres são muito diferentes nesse aspecto. Se ela se interessa por algum resultado, pergunta como faz para obtê-lo e submete-se ao procedimento indicado. O homem, ao contrário. Quer limitar o número dos filhos, consulta o médico, diz que vai pensar no assunto e chuta o problema para frente.
Drauzio – Quando ele aparece no consultório, você já percebe se vai voltar ou não?
Sami Arap – Eles relutam, mas acabam voltando, porque se trata de um problema importante na vida do casal que já possui dois ou três filhos e, às vezes, até mais. Camisinha, eles não gostam de usar. Pular fora na hora do orgasmo é desagradável. A mulher pressiona e fala que vai fazer ligadura de tubas uterinas, se ele não se decidir. Ele acaba cedendo, mas teme que a vasectomia implique um pouco na diminuição de sua virilidade. Compara-a a uma espécie de castração. Não poder ter mais filhos faz com que se sinta diminuído em suas funções.
Os homens são complicados na área sexual. No entanto, acabam se rendendo à pressão externa. Os amigos, que já passaram pela experiência, insistem que a vida sexual do casal melhora e que, feita a cirurgia, pode-se namorar sem grandes preocupações. De fato, enquanto não se dispõem a fazer a vasectomia, é um drama! Eles não conseguem conduzir a vida sexual de maneira tranquila e agradável.
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INDICAÇÃO DA VASECTOMIA
Drauzio – Que argumentos você usa quando recebe alguém que quer fazer vasectomia e se mostra um pouco preocupado?
Sami Arap – Eu jogo um pouco como advogado do diabo com todos os casais que querem fazer vasectomia. Em geral, os homens vão sozinhos, mas chamo as esposas, sobretudo se eles tiverem menos de 40 anos. Eu lhes explico que, nos Estados Unidos, de 6% a 8% das vasectomias são revertidas em algum momento da vida, isto é, o homem procura assistência médica para religar os canais deferentes, porque se separa da esposa e a nova companheira quer ter um filho com ele. Aos jovens conto que me casei com 37 anos e tenho três filhos.
Na verdade, tento dissuadi-los. Explico para ele e à sua mulher que, no futuro, podem divorciar-se e que não estão livres da fatalidade de perder um filho. Procuro dissuadi-los, porque ele pode arrepender-se de ter tomado uma atitude radical.
Drauzio – A partir de que idade você acha que a vasectomia pode ser indicada?
Sami Arap — Se o indivíduo tem mais de 40 anos e alguns filhos, eu lhe pergunto: “Como vai seu casamento?” Todo o mundo sabe quando a união está instável. Se ele admite que as coisas não vão bem, aconselho: “Primeiro esteja feliz no casamento e depois assuma uma medida radical como essa. Antes decida se quer continuar casado ou se só não quer ter mais filhos”. É uma atitude ética, de certo modo paternalista, que considero essencial para orientar quem me procura para fazer vasectomia.
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Drauzio – Mas, se um jovem de 28 anos insiste, diz que vive bem com a mulher, tem três filhos e que, nem que se case com outra, quer ter mais um, qual é sua conduta?
Sami Arap – Torço para que ele não se arrependa no futuro, na hora em que se casar com outra. Entretanto, se está convicto, o casamento estável e os filhos gozam de boa saúde, faço a vasectomia, porque acho importante o casal usufruir uma vida sexual sem preocupações nem ansiedade. Meu papel é conscientizá-los dos prós e contras do procedimento, porque julgo que essa decisão deve ser madura e tomada de comum acordo pelo homem e pela mulher.
PROCEDIMENTO CIRÚRGICO SIMPLES
Drauzio – Vamos explicar de forma bastante simples o procedimento cirúrgico da vasectomia.
Sami Arap – A vasectomia é uma operação realmente muito simples. O indivíduo não precisa estar em jejum. Na sala de cirurgia, é feita uma pequena infiltração local com anestésico e uma incisão de 1 cm em cada lado do saco escrotal. O maior desconforto que o paciente experimenta é quando o médico isola digitalmente os deferentes, canais que levam os espermatozoides do epidídimo para a uretra e anestesia de novo. A seguir, corta-se o deferente, interpõe-se tecido conjuntivo entre os dois pontos para não recanalizar e fecha-se a incisão. Pronto. O indivíduo está liberado para voltar para casa. Muitos saem do hospital e vão direto para o trabalho sem problema.
O curioso é que, em 2% ou 3% dos casos, por alguma razão, a ligadura da parte que vai do testículo para o deferente, forma um granuloma espermático e vasa um pouco de esperma. Por isso, depois de um ou dois meses, quem fez vasectomia deve fazer um espermograma, já que a possibilidade de gravidez existe, uma vez que ainda pode haver espermatozoides no esperma.
Drauzio – Isso ocorre numa porcentagem pequena de casos, não é?
Sami Arap — É uma porcentagem pequena, em 2% ou 3% dos casos, mas é obrigatório fazer o espermograma. Uma vez, fiz vasectomia num médico. Tempos depois, encontrei-me com ele e perguntei se tudo estava em paz. “Comigo tudo em paz, mas se encontrar minha mulher, atravesse a rua, porque ela está grávida.” Hoje, porém, eles até me agradecem, porque essa gravidez resultou numa filha que lhes proporcionou muita alegria na vida.
Drauzio – Quer dizer que normalmente a pessoa pode fazer vasectomia e ir trabalhar?
Sami Arap – Vasectomia é uma cirurgia muito simples. Alguns pacientes ficam com pequeno desconforto testicular, porque ela bloqueia a passagem dos espermatozoides para o sêmen que vai ser ejaculado e o epidídimo fica um pouco hipertenso. Fora isso, é um procedimento absolutamente inócuo, que raramente traz qualquer inconveniente e que soluciona um problema importante. É ridículo propor a esterilização da mulher, porque o homem tem medo da cirurgia, de perder a masculinidade, ou de outra coisa qualquer.
Na verdade, a maioria dos homens não pensa que vai ficar impotente. Eles são tomados por um sentimento tênue e fluido de medo da diminuição da própria masculinidade, uma vez que se tornaram estéreis. Uma coisa nada tem a ver com a outra.
PRODUÇÃO DOS ESPERMATOZOIDES PÓS-VASECTOMIA
Drauzio – O que acontece com os espermatozoides depois que se cortam os deferentes, canais por onde eles passam para serem eliminados durante a ejaculação?
Sami Arap – Quando se interrompe o canal de passagem, os espermatozoides ficam retidos no epidídimo, tubo único e muito longo, todo enrolado, que se localiza na parte superior dos testículos. O epidídimo se distende e dentro dele, os espermatozoides amadurecem. Essa parada na produção e eliminação dos espermatozoides provoca uma certa atrofia da linhagem espematogênica do testículo.
Antigamente, quando se fazia a histologia do homem vasectomizado, verificava-se aumento das células testiculares produtoras de hormônios no microscópio, o que permitiu pensar que a vasectomia melhorasse a função sexual masculina por meio da elevação dos níveis hormonais. Na verdade, a função sexual melhora mesmo, não por isso, já que a concentração de hormônios não aumenta, mas por causa da naturalidade e descontração do indivíduo diante do ato sexual.
Drauzio – Apesar dessa modificação na produção de espermatozoides, a produção do líquido espermático e a ejaculação continuam ocorrendo normalmente?
Sami Arap – A vasectomia não altera a produção nem a quantidade de líquido espermático eliminado na ejaculação. Talvez, ele fique um pouco mais fluido do que o esperma normal, mas isso não é sequer percebido.
IMPOTÊNCIA E VASECTOMIA
Drauzio – Existe alguma relação entre potência sexual e vasectomia?
Sami Arap – Não existe nenhum prejuízo ou vantagem orgânica objetiva com relação à potência ou à performance sexual. O que melhora é a libido do vasectomizado, porque ele passa a transar sem preocupação, sem ter que pular fora, sem usar camisinha. Além disso, a mulher se solta e passa a ser mais participativa, porque desaparece o medo de engravidar. Como se vê, do ponto de vista sexual, a vasectomia representa um benefício para o casal.
Drauzio – Desculpe insistir, mas isso significa que o medo da impotência relacionado à vasectomia dos homens é absolutamente injustificado.
Sami Arap – Na verdade, a maioria dos homens não pensa que vai ficar impotente. Eles são tomados por um sentimento tênue e fluido de medo da diminuição da própria masculinidade, uma vez que se tornaram estéreis. Uma coisa nada tem a ver com a outra.
A vasectomia é um método contraceptivo excelente que deve ser adotado. No HC, fazemos 30 vasectomias por mês, mas o homem precisa tomar essa decisão conhecendo as vantagens e desvantagens que acarreta, porque reverter o processo demanda uma cirurgia cara e delicada.
Em contrapartida, trabalhar com essas pessoas deu origem à minha ideia de criar, no Hospital das Clínicas, o Centro de Reprodução Humana, pois me senti na obrigação de oferecer para o casal que não consegue ter filhos, a possibilidade de conceber uma criança. As pessoas que se interessarem podem entrar em contato com o Centro pelo telefone (11) 3069 – 7242.
REVERSÃO DA VASECTOMIA
Drauzio – Quando se pode fazer a reversão da vasectomia?
Sami Arap – A reversão da vasectomia é um ato tecnicamente viável e possível. Se a reversão for feita três ou quatro anos depois da vasectomia, em 90% dos casos o espermograma é bom e, em 70% existe a chance de a mulher engravidar. À medida que o tempo passa, a hiperpressão no epidídimo vai gerando fibrose e surgem obstruções não no lugar em que foi feita a ligadura, mas abaixo desse ponto, o que complica a cirurgia. Embora o índice de repermeabilização seja sempre o mesmo, os espermatozoides não aparecem. Então, em vez de tirar aquele segmento e ligar os dois ductos deferentes, é preciso levá-los ao epidídimo num ponto proximal a esses que apresentam fibrose, fazendo uma conexão que deixa fora a área obstruída.
Drauzio – Quais são as exigências dessa cirurgia delicada?
Sami Arap – É tão delicada que exige um microscópio capaz de aumentar entre 20 e 25 vezes, porque o tubo epididimálio é minúsculo. É um procedimento caro e complicado que só deve ser feito por mãos de gente bem treinada.
Drauzio – Que esperança pode ter um homem de reverter a vasectomia feita dez anos antes?
Sami Arap – Existem tabelas mostrando que ele pode reverter o processo e qual a expectativa em relação aos resultados. Reverter significa repermeabilizar os deferentes e, eventualmente, obter espermatozoides. O índice de gravidez, porém, cai com o tempo. Dez anos depois de feita a vasectomia, a probabilidade de gravidez oscila entre 30% e 40%.
Entretanto, o casal pode contar também com métodos modernos e avançados de reprodução assistida como bebês de proveta, fertilização in vitro etc., pois é possível retirar um espermatozoide do testículo, introduzi-lo num óvulo colhido da esposa, criá-los em estufa, implantá-los no útero da mulher e obter a gravidez desejada. No entanto, se houver a possibilidade de reverter a vasectomia, sempre vale a pena tentar visando à produção permanente de espermatozoides e a dispensa da biópsia do testículo.
Drauzio – Como o espermatozoide é retirado do testículo?
Sami Arap – Pode-se retirá-lo por punção ou durante uma biópsia testicular, método que permite a gravidez em 90% dos casais inférteis, inclusive quando o homem tem azoospermia, isto é, ausência total de espermatozoides no sêmen. É um procedimento caro que deve ser repetido a cada filho e que envolve a mulher, porque sua ovulação precisa ser induzida e o ovário puncionado para captar o óvulo. Depois disso, seguem-se os passos da técnica do bebê de proveta.
É extremamente importante informar a população das vantagens desse método para o controle da natalidade, desfazer os preconceitos machistas que o cercam e divulgar os lugares onde o serviço está à disposição.
CADA CASO É UM CASO
Drauzio – Vamos levantar três situações hipotéticas. Você é procurado por três homens que querem ter um filho. Um fez vasectomia há cinco anos; o segundo, há dez anos e o terceiro, há 15 anos. O que você aconselha para cada um deles?
Sami Arap – É provável que aquele que fez vasectomia há 15 anos esteja na faixa dos 50 anos de idade e queira ter apenas mais um filho. Eu discutiria com ele a possibilidade de um procedimento mais simples como a punção direta do testículo.
Em tese, porém, a revascularização do deferente é sempre melhor. Com a técnica do bebê de proveta, o máximo de aproveitamento por punção que se consegue gira em torno de 25% ou 30%. Em média, é preciso tentar quatro vezes para obter sucesso. Puncionar o espermatozoide quatro vezes aumenta o risco de lesões testiculares, enquanto reverter a vasectomia pode representar a conquista de uma fonte permanente de espermatozoides à disposição. Por isso, para um jovem que tenha feito vasectomia cinco anos antes, indicaria a repermeabilização mesmo que ele diga que quer ter só mais um filho. Quando nasce a criança, é comum esse homem mudar de ideia e querer outros filhos.
Drauzio – Você já fez reversão de vasectomia em alguém que se arrependeu?
Sami Arap – Isso nunca aconteceu.
REALIDADE BRASILEIRA
Drauzio – Você disse que nos Estados Unidos, ao redor de 6% dos homens que fizeram vasectomia se arrependem e querem reverter o processo. O que indica a casuística a esse respeito no Brasil?
Sami Arap – No Brasil, não existem dados a respeito. Nos Estados Unidos, onde a incidência de divórcios talvez seja um pouco mais elevada do que em nosso País, de 6% a 8% dos homens querem fazer a reversão da vasectomia. Pessoalmente, acredito que nossos números sejam parecidos com os dos americanos, porque a moral das duas sociedades é muito semelhante. As coisas começam por lá, mas 20 ou 30 anos depois, somos todos iguais. Não existe diferença significativa nos comportamentos.
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Drauzio – Particularmente, acho que um dos problemas mais graves do Brasil é a explosão demográfica nas classes sociais menos favorecidas que têm, em média, cinco filhos por casal. Que acesso o homem pobre tem à vasectomia?
Sami Arap – Até bem pouco tempo, era uma situação complicada porque oficial e legalmente a vasectomia não era bem aceita. De uns anos para cá, isso mudou. Podemos fazer essa cirurgia nos hospitais públicos. No entanto, é preciso pensar que o Hospital das Clínicas é um hospital de referência, terciário para casos complicados, e não deveria ser utilizado para intervenções simples como a vasectomia. Mas nós estamos fazendo, em média, 30 vasectomias por mês no HC, primeiro porque não fazia sentido encaminhar nossos pacientes para outro lugar e depois porque esses casos servem de base para alguns estudos científicos.
Em outros hospitais públicos não sei como isso funciona, mas acho de extrema importância que as autoridades da saúde estimulem a realização da vasectomia em larga escala, porque o problema social causado pela explosão demográfica existe. Os casais têm mais filhos do que podem cuidar e muitas crianças acabam nas ruas, vivendo na marginalidade, mal alimentadas e sem direito à educação.
Além disso, é extremamente importante informar a população das vantagens desse método para o controle da natalidade, desfazer os preconceitos machistas que o cercam e divulgar os lugares onde o serviço está à disposição.
PLANOS DE SAÚDE NÃO COBREM VASCETOMIA
Drauzio – Os planos de saúde cobrem as despesas com a vasectomia?
Sami Arap — Não cobrem. O problema maior, porém, não atinge quem tem plano de saúde. Esses, em geral, possuem condição econômica melhor e, de um modo ou outro, feita a opção, pagam pela cirurgia. O problema maior encontra a clientela atendida pelo SUS nos hospitais públicos que deveriam adequar-se para informar a população e atender a todos que desejassem fazer vasectomia.
Drauzio – Isso é um contrassenso. Não cobrem a vasectomia, mas cobrem a gestação e o nascimento das crianças.
Sami Arap – Os convênios médicos não cobrem a vasectomia nem os métodos mais modernos, tecnologicamente mais complexos e avançados de reprodução assistida para obter a gravidez.
Drauzio – Você tem ideia do custo da vasectomia para o Estado?
Sami Arap – Não saberia dizer. O trabalho no HC é muito complexo. É um hospital terciário onde fazemos coisas complicadas como grandes cirurgias de câncer, transplantes, reconstrução urológica. Roubar tempo de toda a equipe médico-hospitalar envolvida no atendimento dessas patologias complexas para fazer uma cirurgia simples pressupõe um gasto adicional. Por isso, fica difícil calcular o custo médio. Agora, num pequeno ambulatório, o custo é irrisório especialmente se comparado com o benefício que esse procedimento traz em termos de saúde pública, orçamento familiar e para as outras crianças da família que receberão mais atenção e carinho. O custo no ambulatório é realmente baixo. São necessários apenas uma caixinha de cirurgia estéril, uma ampola, anestésico local e dois fios de sutura para fazer uma vasectomia.