Página Inicial
Psiquiatria

Tratamento do TDAH: medicamentos, psicoterapia e a importância do diagnóstico precoce

Publicado em 12/06/2024
Revisado em 06/09/2024

Desde 2023, existe uma nova opção de medicação disponível no Brasil para o tratamento do transtorno. 

 

O transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) é uma condição caracterizada por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que surge na infância e costuma permanecer durante a fase adulta. O TDAH atinge de 5% a 8% da população mundial, e estima-se que 70% das crianças com o transtorno apresentem pelo menos uma comorbidade.

O diagnóstico é clínico e deve ser feito por especialistas. Muitas pessoas se identificam com alguns sintomas do transtorno, o que é normal, mas isso não significa que elas de fato tenham TDAH. É preciso avaliar os prejuízos funcionais que esses sintomas causam na vida da pessoa. Geralmente, pessoas com o transtorno podem ter problemas de convívio social e familiar e dificuldades no desempenho escolar ou profissional, em maior ou menor intensidade, a depender de cada caso. 

Nesse contexto, o diagnóstico e tratamento adequado são fundamentais para evitar mais prejuízos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. 

Durante o Congresso Mundial de Psiquiatria da Infância e Adolescência (IACAPAP 2024), realizado no Rio de Janeiro (RJ) entre os dias 20 e 24 de maio, o Portal Drauzio conversou com dois especialistas da área sobre pontos importantes do tratamento do transtorno. 

 

Tratamento medicamentoso

O tratamento do TDAH normalmente é feito com a combinação de psicoterapia e medicamentos estimulantes, como o metilfenidato e a lisdexanfetamina. Mas, desde 2023, foi aprovada no Brasil uma nova opção de medicamento não estimulante, a atomoxetina, que age de forma um pouco diferente no cérebro. 

“Os neurotransmissores envolvidos no TDAH são basicamente a dopamina e noradrenalina. Um dos problemas que a gente tem com os estimulantes é que eles agem nos chamados sistemas de recompensa, que são aqueles sistemas que fazem a gente ficar dependente das coisas”, explica Paulo Mattos, psiquiatra e pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. É por esse motivo que os medicamentos estimulantes são vendidos com tarja preta e exigem receituário especial. 

“Os não estimulantes, e no caso a atomoxetina, não agem nesse sistema de recompensa. A atomoxetina age no córtex pré-frontal, a principal área relacionada ao TDAH, que é essa parte anterior do cérebro, e que os três sintomas do TDAH – a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade – estão relacionados ao funcionamento deficitário dessa área. Tanto os estimulantes quanto os não estimulantes agem aqui. A atomoxetina age aqui também, com a vantagem de não agir naquele outro local, no sistema de recompensa”, completa.

Em relação aos efeitos colaterais, os estimulantes podem causar insônia, perda de apetite, exacerbação de quadros de ansiedade e de tiques motores. O não estimulante pode provocar efeitos como sonolência, distúrbios gastrointestinais, redução de apetite e dor de cabeça. Contudo, em muitos casos, os efeitos colaterais são transitórios. “Muitos efeitos colaterais fazem parte da neuroadaptação, e depois o paciente vai ficar muito bem adaptado com a medicação”, afirma Fabrícia Signorelli, psiquiatra e colaboradora do Programa de Atenção à Primeira Infância e do Ambulatório de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) no adulto da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Os medicamentos estimulantes e não estimulantes podem ser usados juntos, especialmente em casos refratários, mas o paciente pode precisar lidar com os efeitos colaterais de ambos. Seja qual for o caso, é fundamental que o uso das medicações seja feito somente com orientação de um especialista que acompanha o caso.

       Ouça: DrauzioCast #162 | TDAH

 

Comorbidades associadas ao TDAH

Pessoas com TDAH frequentemente têm outros transtornos associados. Segundo a dra. Fabrícia, é muito comum a associação do TDAH com outros transtornos do neurodesenvolvimento, que são aqueles que têm início na infância e que tendem a persistir na vida adulta.

“Por que acontece essa combinação com transtornos do neurodesenvolvimento? Justamente porque existem questões genéticas, áreas cerebrais que são compartilhadas, então é comum a associação com transtorno do espectro autista (TEA), com transtornos específicos de aprendizagem, como a dislexia, com transtornos de tique ou síndrome de Tourette, que são aqueles tipos mais graves”, explica.

Também podem estar associados ao TDAH transtornos de ansiedade, transtornos depressivos e, na adolescência e na fase adulta, o uso de substâncias. “Alguns por essa questão que eu mencionei, de compartilhar a parte genética ou áreas cerebrais e outros pelo próprio desfecho negativo do TDAH. Imagina para um adulto que não recebeu o diagnóstico do TDAH ao longo da vida, vivendo com esse impacto negativo [do transtorno], como isso aumenta o fator de risco dele desenvolver um quadro de ansiedade, um transtorno depressivo. A gente fala que o TDAH, especialmente na vida adulta, a comorbidade é quase regra e não exceção”, completa a médica. 

Por isso, ela destaca a importância de uma avaliação clínica detalhada, feita por um especialista – geralmente um psiquiatra, neurologista ou neuropediatra – para que sejam identificadas comorbidades associadas ao TDAH, pois isso também vai ajudar a guiar o melhor tratamento, já que os medicamentos podem interferir positiva ou negativamente em determinados transtornos. 

“Os estimulantes podem ajudar quando você tem comorbidade de TDAH e oposição e desafio [transtorno opositor desafiador (TOD)]. No caso de ansiedade, alguns indivíduos que têm TDAH com ansiedade referem que aumentam a ansiedade quando tomam estimulante”, diz o dr. Paulo. Os especialistas explicam que, nesses casos, o medicamento não estimulante pode ser mais indicado. 

 

O papel da psicoterapia

Além do tratamento medicamentoso, o tratamento do TDAH também inclui psicoterapia (geralmente com terapia cognitivo-comportamental) e pode contar ainda com orientação para os pais (chamada de psicoeducação), no caso de diagnóstico em crianças e adolescentes. 

Em geral, os medicamentos não são utilizados em idade pré-escolar (ou seja, menos de 6 anos), porque têm menos eficácia nessa idade. Nesses casos, inicia-se o tratamento com psicoterapia e orientação parental e, mais tarde, inclui-se também o medicamento. 

O tratamento com psicoterapia e medicação também vale para os adultos. Em caso de diagnóstico tardio, a psicoterapia é ainda mais importante para ajudar o paciente a lidar com as possíveis consequências negativas do transtorno. 

“Se é um adulto que você vê que já teve muito prejuízo, eu jamais daria só medicamento para essa pessoa, porque o medicamento é para tratar os sintomas. Mas a pessoa já teve tanta consequência ruim, que se você não abordar isso em uma psicoterapia, você não vai oferecer a ela o benefício que ela poderia ter”, destaca o dr. Paulo.

 

Diagnóstico precoce reduz risco de prejuízos

O TDAH é um transtorno que se manifesta desde a infância, mas algumas pessoas só chegam ao diagnóstico na fase adulta, o que aumenta o risco de impactos negativos nos âmbitos pessoal e profissional, além de maior chance de comorbidades, como falamos anteriormente. Diagnosticar e tratar precocemente o problema, portanto, reduz o risco de desfechos negativos.

A dra. Fabrícia conta que muitos pais demonstram preocupação em medicar os filhos ainda na infância, mas reforça que isso ajudará a prevenir uma série de prejuízos no futuro. “Ao adiar o tratamento, a gente só vai aumentar o risco de mais prejuízos irem acontecendo associados, como dificuldade escolar, problemas sociais com os amigos, porque às vezes a criança com TDAH têm alguns comportamentos, elas podem ter mais desregulação emocional, ser aquela criança que explode mais, que tem mais acesso de raiva, ou aquela criança mais impulsiva que tem aquelas brincadeiras que são inconvenientes. Então, tem um impacto na vida social desde a infância com os sintomas do TDAH”, explica. 

“Está demonstrado que se eu tratar precocemente, eu evito com maior chance as consequências negativas da doença na vida do indivíduo, fracasso acadêmico, dificuldades interpessoais, uso de drogas, acidentes automobilísticos, taxa de divórcio, desemprego”, exemplifica o dr. Paulo. 

Por isso, é importante iniciar as intervenções o mais rápido possível, inclusive com adaptações no ambiente escolar, se necessário – que hoje são garantidas por lei, destaca a médica. “O diagnóstico precoce, além do tratamento, vai respaldando a criança no ambiente escolar e isso vai minimizando o impacto negativo. O diagnóstico precoce em tudo, quando a gente trabalha com infância e adolescência, quanto antes você diagnosticar, você vai minimizando o prejuízo funcional.” 

        Veja também: Como o TDAH afeta a autoestima?

 

Importância do acesso ao tratamento

Os especialistas destacam a importância do acesso ao tratamento na rede pública, já que o TDAH é um transtorno com alta incidência e nem todas as pessoas têm condições de arcar com os custos do tratamento. A dra. Fabrícia, que atende em um ambulatório da rede pública, conta que muitas vezes o próprio transtorno traz prejuízos financeiros ao paciente adulto, o que dificulta o acesso às medicações. 

“O ideal seria que todos os pacientes tivessem acesso ao diagnóstico de qualidade, mas também ao tratamento. Não adianta a gente ter serviços como o serviço em que eu estou inserida, que a gente faz o diagnóstico e a gente passa a receita, e o paciente não tem condições de comprar [o remédio]. Até porque a gente está falando de um serviço público e a gente está falando de um transtorno que muitas vezes dificulta o paciente a manutenção e a inserção do mercado de trabalho. Então, ele não tem renda”, conta.

A médica diz que essa é uma das maiores angústias no ambulatório em que atua. “Hoje o que acaba sendo, vamos dizer, mais acessível, é o metilfenidato de liberação imediata. Só que o quanto ele acaba sendo a melhor escolha para adulto principalmente? A gente trata muitos adultos com comorbidades, com ansiedade, que iriam se beneficiar muito mais com o não psicoestimulante. Ou aquele que até pode se beneficiar sim com o psicoestimulante, mas de liberação prolongada. Não cabe no bolso dos pacientes. Então, [é interessante] padronizar o tratamento com as opções, para que a gente possa escolher o que é mais indicado para cada paciente.” 

Ela destaca ainda que a disponibilização de um tratamento padronizado no SUS teria um ganho para toda a sociedade, e não somente para os pacientes, já que o TDAH pode ter impactos na escolaridade, tirar as pessoas do mercado de trabalho e, dessa forma, gerar impactos negativos na economia.

“Eu espero que isso se reverta, porque não tem sentido não ter esse tipo de medicação para tratar TDAH [no SUS]. Eu deveria ter medicação para qualquer coisa na rede pública. E principalmente porque não são medicamentos que são onerosos, não são muito caros”, afirma o dr. Paulo.

Compartilhe
Sair da versão mobile