Estudos recentes indicam que o consumo exagerado de energéticos pode afetar a saúde mental, principalmente entre os mais jovens.
O coração acelera, as mãos tremem, a cabeça dói… Esses são só alguns dos efeitos prejudiciais do consumo exagerado dos energéticos que os jovens tendem a ignorar. A longo prazo, a bebida está associada a problemas cardíacos, obesidade, diabetes tipo 2 e, ainda, ao sofrimento psíquico.
Uma revisão sistemática publicada na revista científica “Public Health Journal” encontrou ligações entre o consumo de energéticos e o risco aumentado de ansiedade, depressão, pânico e pensamentos suicidas. A análise avaliou 57 trabalhos publicados entre 2016 e 2022, abrangendo mais de 1,2 milhão de crianças e adolescentes ao redor do mundo.
A conta sai mais alta para os jovens
“A sensibilidade do cérebro do jovem, tanto à cafeína quanto aos outros estimulantes presentes nos energéticos, resulta em uma resposta amplificada quando comparada com os adultos. Ou seja, devido à imaturidade do sistema nervoso central, o jovem fica mais vulnerável aos efeitos psicoativos dessas substâncias”, explica a dra. Tassiane Alvarenga, endocrinologista e metabologista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Segundo a especialista, o consumo desse tipo de bebida altera todo o ciclo circadiano (isto é, o ritmo do organismo) das crianças e adolescentes. Os ingredientes como a cafeína, a taurina e a glucoronolactona interferem na rotina de sono e no chamado tônus energético, potencializando sinais de ansiedade, irritabilidade, depressão e impulsos comportamentais.
Por exemplo: vamos supor que você não dormiu bem e, lá para as duas da tarde, resolveu tomar um energético a fim de conseguir terminar suas tarefas. À noite, você vai ficar tão agitado que não vai conseguir dormir de novo. Depois de mais uma noite mal dormida, vai se sentir ainda mais cansado e estressado, sendo necessário outra latinha de energético para prestar atenção nas aulas. Surge, assim, um círculo vicioso. Quando o efeito da bebida passa, o círculo recomeça.
Além disso, as substâncias psicoestimulantes presentes na bebida provocam a mudança nos hormônios do apetite, o que pode levar a uma busca acentuada por alimentos cheios de calorias, fator diretamente relacionado ao aumento de peso. De acordo com dados do Covitel 2023, a obesidade aumentou 90% na faixa etária dos 18 aos 24 anos no Brasil entre o período pré-pandemia de covid-19 e o primeiro trimestre de 2022.
Como os energéticos prejudicam a saúde mental?
Quando o consumo de energéticos se torna um hábito, a situação merece ainda mais atenção.
“O energético potencializa a ansiedade. Os estimulantes da bebida alteram toda a química cerebral, então o jovem vai ficando mais ansioso e com o limiar de tolerância mais baixo. Aumenta o risco de ansiedade, de depressão e até mesmo de impulsos como o suicídio”, alerta a dra. Tassiane.
Ainda segundo o Covitel 2023, 31,6% dos jovens brasileiros já receberam diagnóstico médico de ansiedade e 14,1% de depressão.
Outro diagnóstico que tem chamado a atenção é o do TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), cujos sintomas podem ser agravados pelo consumo de energéticos.
“Os pacientes com TDAH têm uma alteração nos neurotransmissores cerebrais, principalmente da dopamina e da noradrenalina. E existem alguns mecanismos que estão sendo estudados de que a cafeína e os outros estimulantes presentes nos energéticos poderiam predispor a química cerebral de forma semelhante ao de pacientes com TDAH”, explica a endocrinologista.
Isso quer dizer que a bebida levaria a uma diminuição da atenção e ao aumento da impulsividade. Esses efeitos, no entanto, seriam intensificados em quem já tem predisposição ao TDAH, ou seja, já possuem a química cerebral alterada geneticamente.
“Se essa pessoa consome energéticos, isso potencializa as alterações dos neurotransmissores e pode aumentar a chance de desenvolver o transtorno”, detalha a especialista.
Veja também: O que está por trás da “explosão” de casos de TDAH no Brasil e no mundo?
Energético e outras drogas
A revisão sistemática avaliou ainda que o consumo de energético está relacionado a uma maior propensão a comportamentos nocivos, como tabagismo, excesso de bebida alcoólica e uso de outras substâncias. Estima-se que adolescentes que tomam bebidas energéticas estão duas ou três vezes mais propensos a relatar outros tipos de uso de drogas em comparação com aqueles que não tomam.
O dado faz sentido: muitos jovens misturam o energético com bebidas alcóolicas para mascarar o gosto ruim e conseguir beber mais.
Acontece que, com o tempo, o consumo de energético vai se tornando uma busca por recompensa imediata. Por mais que ele não cause dependência, a bebida vira um hábito, que ativa circuitos do cérebro responsáveis pela sensação de energia e bem-estar. É semelhante à vontade de comer chocolate quando se está na TPM.
“O energético também faz isso, levando o jovem a querer cada vez mais viver essa sensação. É uma dependência comportamental”, afirma a dra. Tassiane.
Nessa busca por prazer e recompensa, existe o risco do adolescente desenvolver o uso simultâneo de substâncias, como o álcool, o cigarro, a maconha, entre outros.
Existe uma forma saudável de consumir energéticos?
O consumo recomendado de cafeína para um adulto é de, no máximo, 400mg por dia — contando todos os alimentos que contenham a substância, como chocolates, refrigerantes, chás e outros. No entanto, o energético não possui apenas cafeína em sua composição.
“Não existe uma quantidade segura estabelecida para o consumo de energéticos. Se o jovem gosta mesmo do efeito da cafeína, que seja através do café, um alimento que não é tão industrializado nem possui tantas substâncias que alteram a química cerebral”, diz a endocrinologista.
O ideal é buscar inserir bebidas saudáveis no seu dia a dia, como água com gás, água saborizada, sucos, entre outras. É importante também criar uma rotina do sono e encontrar as melhores formas para si mesmo de manejo do estresse, seja através de exercício físico ou de outra atividade de sua preferência.
“O jovem precisa procurar algo que seja prazeroso e que leve à produção cerebral dos neurotransmissores, mas de uma forma natural e positiva”, finaliza a dra. Tassiane.
Veja também: Quanto de cafeína podemos consumir com segurança?