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Psiquiatria

Depressão em idosos: fatores de risco, sintomas e tratamento

O transtorno pode ter algumas características específicas nessa fase. Saiba como identificar os sinais e ajudar uma pessoa com a doença.
Publicado em 21/07/2022
Revisado em 27/07/2022

O transtorno pode ter algumas características específicas para quem está nessa faixa etária. Saiba como identificar os sinais e ajudar um idoso com a doença.

 

A depressão é um transtorno mental que pode ocorrer em qualquer faixa etária, inclusive na infância. Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 300 milhões de pessoas no mundo têm depressão.

Contudo, em pessoas acima dos 60 anos, podem existir algumas complicações. Para começar, são muitos os fatores de risco que favorecem um quadro depressivo. É nesta fase da vida que geralmente a pessoa mais enfrenta mudanças indesejadas, perdas e sentimento de luto. Além disso, o tratamento também pode ser mais difícil e demorado.

Em casos extremos, a depressão pode levar ao suicídio. Cerca de 11 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. E a população idosa é uma das mais afetadas: informações do último Boletim Epidemiológico sobre o tema mostram que a faixa etária acima dos 60 anos teve as maiores taxas de suicídio nas regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste do país em 2019.

O tratamento é fundamental para prevenir o agravamento da doença e desfechos trágicos. Os familiares também têm um papel muito importante nesse contexto, pois em muitos casos são eles que vão conscientizar o paciente sobre a doença, incentivá-lo a procurar ajuda e dar o suporte necessário no enfrentamento à depressão.

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Como identificar os sintomas

Enquanto nos adultos as queixas mais comuns são de humor deprimido, desinteresse e sentimentos de inutilidade e culpa, nos idosos é comum haver mais sofrimento e apatia, mas também é muito frequente a presença de queixas clínicas inespecíficas, como tontura, dores, falta de energia, cansaço frequente. E, quando a pessoa vai ao médico, essas queixas não fecham nenhum diagnóstico clínico.

“Alteração do sono também é muito frequente – mais insônia do que excesso de sono. Excesso de sono a gente encontra mais em jovens. Em relação ao apetite, o que a gente vê em idosos é muito mais inapetência (ausência de apetite). A gente não vê a pessoa ganhando peso; pelo contrário, ela em geral perde muito peso e fica mais fragilizada”, explica a dra. Rita Cecília Reis Ferreira, psiquiatra e coordenadora do grupo de arteterapia para idosos do Programa Terceira Idade (Proter) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq-HCFMUSP).

Já sintomas como ideação suicida, pensamentos e até planejamento de morte, segundo a médica, podem ocorrer em todas as idades.

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“As pessoas acham que velhinho não se mata. E infelizmente acontece. A gente tem que tomar cuidado. Quando a pessoa está perdendo o prazer, tendo desinteresse pelas coisas que se interessava antes, está sempre sem esperança, muitas vezes se sentindo desamparada, muito ansiosa, muito preocupada, às vezes pode acontecer uma lentificação psicomotora, pode ocorrer uma irritabilidade maior. Normalmente uma pessoa com depressão – e obviamente vai depender da gravidade – se descuida de si mesma”, explica.

Outra queixa comum em idosos com depressão é a falta de memória. “Hoje existem muitos trabalhos científicos investigando se existe uma ligação entre depressão e demência, porque muitas vezes a gente começa a tratar uma depressão, a gente faz as avaliações cognitivas periódicas e depois que a depressão melhora, a perda cognitiva está lá”, diz a médica.

Todos esses sintomas são sinais de alerta. O mais importante é identificar se eles estão associados a um sofrimento e ao prejuízo funcional da pessoa em seu dia a dia.

 

Fatores de risco

Os fatores que aumentam o risco da depressão na população idosa são os mais variados, e se dividem em dois grupos principais: os biológicos e os socioambientais. Os fatores de risco biológicos são redução de neurotransmissores em decorrência do processo de envelhecimento; doenças físicas (crônicas ou não); doenças incapacitantes; dor crônica; uso de medicamentos que causam sintomas depressivos; e problemas de sono.

Um tipo de depressão típica dessa fase e pouco conhecida é a chamada depressão vascular, que pode ocorrer junto a uma doença cerebrovascular (que atinge vasos sanguíneos do cérebro).

Já os fatores de risco socioambientais incluem aposentadoria, que muitas vezes acarreta em redução significativa de renda; saída dos filhos de casa; perdas de cônjuge, parentes próximos ou amigos; sentimentos de solidão; estresse causado pela maior vulnerabilidade nessa faixa etária (por exemplo, um idoso com a saúde frágil está mais suscetível a sofrer alguma negligência).

“Do ponto de vista social, existem diversas perdas nessa fase da vida, muitas mudanças, por exemplo, no ritmo de vida, na rotina. É quando essa pessoa se aposenta, ou quando os filhos saem de casa; podem surgir mais lutos de pessoas conhecidas, pode haver até uma perda de força física – e a pessoa sentir isso. Tudo isso pode levar a um quadro depressivo e esse quadro depressivo acabar sendo confundido com um sentimento de luto ou de perda mesmo devido a essas mudanças, essas alterações na vida”, afirma Juliana Emy Yokomizo, psicóloga voluntária do Proter/IPq.

“O problema é que a depressão nessa faixa etária acaba contribuindo com um maior isolamento da pessoa, redução da qualidade de vida, maior dependência para atividades do dia a dia, podendo até aumentar o risco de suicídio e maior mortalidade do idoso”, completa a psicóloga.

Na pandemia, esse cenário se tornou ainda mais grave, pois a população idosa é uma das mais vulneráveis a complicações da covid-19, o que fez do isolamento uma medida necessária, mas também muito dolorosa. “A gente teve um aumento grande de doença mental na população em geral, e na população idosa em particular nessa fase do isolamento”, completa a médica.

 

O que fazer para ajudar

É muito importante que os familiares ou pessoas próximas ofereçam ajuda ao perceber os sinais de depressão no idoso. É preciso estimular o paciente a procurar ajuda ou, em alguns casos, até mesmo levá-lo ao profissional de saúde.

“Pode ser que esse familiar ou amigo precise orientar [o paciente] sobre a possibilidade desse quadro, pode ser que ela tenha que acompanhar por um período mais de perto, e digo isso porque o idoso muitas vezes não compreende necessariamente o que está acontecendo. Pode ser que seja difícil para o idoso identificar que está deprimido, tanto por uma questão do acesso ao conhecimento sobre o que é essa condição clínica, quanto pela própria redução que a depressão pode trazer da percepção que a gente tem de si mesmo”, explica Juliana.

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Outro ponto é desmistificar o problema. “Doença mental é doença. Não é frescura. As pessoas acham que ter diabetes é normal, mas ter depressão, não. Eu acho que a família tem um papel importante nesse suporte, nesse apoio, no seguimento, até para verificar se a pessoa está mesmo se tratando, porque existe também o preconceito do próprio doente com a doença”, comenta a dra. Rita.

“Existe um preconceito em relação ao envelhecimento, e as pessoas acham que é natural você envelhecer e ficar ranzinza. Não é. Isso é um velho que está doente, provavelmente deprimido”, destaca a psiquiatra.

 

Assista: Como conversar com alguém que está com depressão

Como conversar com alguém que está com depressão | Animação #12

 

Preconceito e estigma com a saúde mental

A discussão sobre a saúde mental tem sido uma pauta cada vez mais frequente nos últimos anos. Provavelmente, nunca se falou desse tema mais do que agora. No entanto, ainda existe preconceito em relação aos transtornos mentais. Isso leva a pessoa a recusar o tratamento, o que aumenta muito o risco de agravar a doença.

É por isso que o papel da família é tão importante, como falamos anteriormente. Muitas vezes, são eles que vão conscientizar o paciente sobre a doença. “Às vezes, no consultório a gente tem até os netos levando os avós, é bem legal quando isso acontece”, conta a dra. Rita.

A psicóloga Juliana Yokomizo concorda que ainda existe estigma relacionado à saúde mental, mas acredita que isso não é mais acentuado nos idosos. Para ela, os mais jovens estão mais conscientes, mas a faixa etária dos adultos ainda tem medo de ser rotulada como alguém que tem um transtorno mental. “Eu acho que o idoso pode ter uma abertura talvez a partir da possibilidade de ser olhado, de ser valorizado, de ser reconhecido, e que muitas vezes é pela via da atenção à saúde”, afirma. “Tenho visto muitos idosos abertos a receber ajuda, a fazer o acompanhamento de saúde mental, talvez até porque eles acabam tendo que fazer um acompanhamento de saúde, muitas vezes com mais de um especialista. E, como já estão tratando outros quadros, a saúde mental entra como mais uma área a ser cuidada.”

 

Tratamento da depressão em pessoas idosas

De acordo com a dra. Rita, o tratamento da depressão em idosos pode unir três pilares principais. O primeiro é o acompanhamento com o médico, que vai dar a orientação sobre o quadro, prescrever os medicamentos e fazer alterações quando necessário.

A segunda parte diz respeito às mudanças no estilo de vida do paciente, que precisa adotar alguns hábitos. “Precisa começar, por exemplo, a fazer atividade física, a ter mais interação social, a ter uma alimentação mais saudável, a procurar novos interesses, pelo menos se dispor a isso”, explica a médica.

Por último, mas não menos importante, temos as terapias: a psicoterapia (individual ou em grupo) e as terapias complementares, como arteterapia, musicoterapia e dançaterapia. Outros recursos como meditação também podem ser benéficos.

        Veja também: Diagnóstico de depressão

“A terapia ajuda muito, mas a gente sabe que nem todo mundo tem acesso, infelizmente. O ideal seria que o paciente fosse ao médico, tomasse o remédio, mudasse o seu estilo de vida, fizesse terapia e ainda procurasse uma terapia complementar e alargasse os seus horizontes sociais. Isso seria 100%. Infelizmente, não é o que a gente vê com frequência. Aliás, é o que a gente quase nunca vê”, afirma a psiquiatra.

Além disso, segundo ela, a depressão nos idosos tem características importantes que costumam ser mais difíceis de tratar. “Quer dizer, mais difíceis de tratar no sentido de conseguir um resultado com alguma agilidade. Isso é outro fator importante que as pessoas têm que saber. Muitas vezes demora um pouco.”

Um ponto que ajudou na busca por tratamento foi a ampliação do teleatendimento durante a pandemia, porque os pacientes podem fazer o acompanhamento sem precisar sair de casa – o que muitas vezes era uma barreira. “É uma possibilidade que tem sido muito interessante. Acho que a gente ainda vai ter estudos conforme tiver mais tempo desse teleatendimento consolidado, mas da minha experiência eu vejo que é algo que favoreceu o aumento da procura e da adesão de idosos à psicoterapia”, completa.

 

Uso de medicamentos

O tratamento da depressão nem sempre vai incluir o uso de medicamentos. Isso vai depender do estágio da doença, se é um caso leve, moderado ou grave. “A gente sempre tenta o tratamento não medicamentoso quando é um quadro leve. Agora eu vou te confessar: o que a gente mais pede para as pessoas é que elas façam atividade física. É o que elas menos fazem. Tomar remédio é muito mais fácil do que fazer atividade física, infelizmente”, conta a dra. Rita.

“Existem casos em que só a psicoterapia pode ajudar, e aí cabe também a responsabilidade do psicoterapeuta avaliar quando esse tratamento por si só não está trazendo resposta suficiente ou quando esse paciente começa a apresentar algum risco maior, como uma depressão mais grave, com perda funcional, com prejuízos na vida ou ideação suicida. Aí começa a ficar importante avaliar a possibilidade, sim, do uso de medicação”, afirma Juliana.

        Veja também: Como os antidepressivos agem no cérebro?

Um cuidado importante a ser levado em conta é o de interação medicamentosa. O paciente idoso muitas vezes já faz uso de outros medicamentos para tratar doenças crônicas. Em geral, segundo a dra. Rita, são usados os antidepressivos mais modernos, como os inibidores de serotonina, mas a escolha do medicamento sempre vai ser feita com base na avaliação individual e nos sintomas predominantes.

“E nem sempre é o primeiro antidepressivo que vai ter o efeito esperado, às vezes é preciso trocar, reduzir ou aumentar a dose, fazer uma associação [com outro medicamento]”, destaca a médica. Jamais se automedique, e, mesmo que o remédio tenha sido receitado por um médico, o tratamento deve ser acompanhado pelo profissional, não basta apenas tomar os medicamentos em casa e não seguir com as outras orientações.

        Veja também: Antidepressivo não é pra todo mundo

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