Como a geração Z lida (ou não) com a frustração?

Os jovens da geração Z são vistos como pessoas constantemente insatisfeitas. Entenda quais são as raízes da frustração nessa faixa etária.

Não é só no mundo virtual que nem tudo é o que parece. Entenda como a frustração se tornou um sentimento constante entre os jovens da geração Z.

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Publicado em: 11 de outubro de 2023

Revisado em: 11 de outubro de 2023

Não é só no mundo virtual que nem tudo é o que parece. Entenda como a frustração se tornou um sentimento constante entre os jovens da geração Z.

 

Você está rolando a página principal do TikTok. Primeiro, um vídeo gringo sobre um assunto aleatório. Depois, um meme brasileiro de qualidade duvidosa. Em seguida, aparecem subcelebridades do momento em algum corte de podcast, amigos participando de trends populares… A plataforma, que é a cara da geração Z, oferece, quase que literalmente, uma infinidade de conteúdos. Mas ela também escancara uma característica única daqueles que nasceram entre 1995 e 2010: a baixa tolerância à frustração.

Todos esses vídeos têm um fator em comum: eles são selecionados minuciosamente por um algoritmo que conhece os seus gostos e preferências. A geração Z cresceu em um mundo de múltiplas oportunidades e formas de conexão, mas, ao mesmo tempo, encontrou também extremismo político, mudanças climáticas e desigualdade social. Permanecer na “bolha”, portanto, é uma forma de os jovens fugirem de tudo aquilo que pode frustrar o seu encantamento com a realidade — mas isso tem um preço.

 

A geração Z e a frustração

Se você pudesse descrever a geração Z em uma palavra, é quase certeza que ela teria alguma coisa a ver com tecnologia. Realmente, esses jovens são considerados os primeiros “nativos digitais” da sociedade. Ainda assim, é preciso ter em conta que a nomenclatura diz respeito apenas a uma parte da população, já que, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT), cerca de 2,7 bilhões de pessoas viviam sem acesso à internet no ano de 2022.

No entanto, considerando aqueles que já nasceram com os celulares e computadores em mãos, existe a hiperconsciência de tamanha desigualdade no mundo real, visto que a forte presença da tecnologia também leva ao bombardeamento constante de informações. Mas as bolhas do mundo virtual dificultam o contato com outros contextos sociais e, mesmo quando isso acontece, a preocupação principal é salvar a si mesmos em um mundo turbulento.

Talvez daí venha o individualismo, outra característica muito citada quando o assunto é geração Z. Caminha lado a lado com o pragmatismo: toda decisão busca, conscientemente ou não, a estabilidade que não se encontra nem no mundo real nem no virtual.

“É uma geração que tem uma expectativa por tudo instantâneo, especialmente pelo prazer. Tudo tem que ter uma gratificação rápida. Se eu estou com fome, aperto um aplicativo e a comida chega. Se eu quero assistir alguma coisa, ligo o aparelho e o entretenimento está ali”, exemplifica Andrey Albuquerque, professor de ética, antropologia digital e comportamento dos consumidores da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

É aí que entra a intolerância à frustração. Processos que antes eram mais longos e complexos, como mandar uma mensagem, hoje são resolvidos através de um clique. E quando isso não acontece (o wi-fi cai, a plataforma sai do ar, etc), vem a desilusão.

Maê Montagno, jornalista, tem 23 anos e não nega ser da geração Z, pois só consegue assistir a séries se estiver jogando variações do Candy Crush no celular ao mesmo tempo. Ela acredita fazer parte de uma geração que é vista constantemente como “insatisfeita com tudo” e que tanta frustração pode ser algo que vem de dentro para fora.

 

Stories do Instagram versus vida real

“Muitas coisas foram criadas para, de certa forma, facilitar a nossa vida. Mas são tantas oportunidades que parece que as pessoas se frustram por não conseguir suprir as expectativas. A gente carrega a responsabilidade de ser melhor que os nossos pais”, avalia a jovem.

De acordo com Renata Sinelli, psicóloga em São Paulo que atende majoritariamente crianças, adolescentes e adultos jovens, esse é um sentimento comum entre os integrantes da geração Z. Eles não querem ser julgados ou comparados às outras gerações a partir do que pensam, acreditam, falam ou fazem. Estão sempre muito focados na sua identidade e em ser autênticos. Por isso, muitas vezes, ficam suscetíveis a não tolerar a frustração diante de tudo o que lhes é apresentado.

Além disso, há uma exposição constante a imagens idealizadas, como o ideal do sucesso, do amor, da paixão, do sexo, da beleza, entre outros. Afinal, nos stories do Instagram, tudo é perfeito.

“A gente fica na internet se comparando com outras pessoas da nossa idade. Tudo que envolve as redes sociais pode ou não ser verdadeiro, mas a gente acaba projetando. Eu acho que o problema da nossa geração é que ninguém é 100% genuíno. As pessoas acabam mostrando muito mais do que os outros querem ver do que de fato quem elas são”, opina Maê.

E, mesmo se aquele story for verdadeiro, é impossível transferir a felicidade de uma pessoa para outra ou experimentar as mesmas sensações que ela vivencia. Dessa forma, a geração Z fica ansiosa para viver aquilo e frustrada por não conseguir, gerando ainda mais ansiedade e frustração, em um círculo vicioso como o feed das redes sociais.

Veja também: Pressão estética pode afetar a saúde mental

 

Quais as consequências da intolerância à frustração?

Os nascidos entre 1995 e 2010 também não gostam de que apontem seus defeitos — assim como todas as gerações que vieram antes deles. Mas a relação com a frustração é algo que deve ser aprimorada, pois a intolerância a esse sentimento pode provocar conflitos em diversas áreas.

 

No trabalho

Muitas empresas, por exemplo, já estão começando a evitar a contratação de jovens recém-formados por considerarem que falta paciência para aprender. A geração Z quer um trabalho que esteja alinhado aos seus valores pessoais e que também leve ao sucesso, mas tende a achar que já sabem de tudo devido à intimidade com a tecnologia.

“Há uma ansiedade por reconhecimento e por novos cargos. Acho que é uma desvalorização da aprendizagem e uma supervalorização daquela ideia de recompensa fácil. De que a partir de um clique ou com pouco esforço, tudo vai dar certo”, alerta Andrey.

Para Maê, o trabalho é, com certeza, a área em que se sente mais frustrada. Constantemente exposta aos posts de autorrealização no LinkedIn, ela se compara.

“Às vezes, as pessoas nem fazem o que eu faço, mas eu vejo que elas estão aparentemente se divertindo mais, sendo mais felizes no trabalho, sendo promovidas mais rápido, ganhando mais do que eu… Isso acaba me pegando muito”, afirma.

 

Nos relacionamentos

Acostumados com a comunicação digital, os jovens da geração Z também enfrentam problemas em interagir pessoalmente. Mesmo no mundo virtual, as consequências já começam a aparecer.

“Eles agem por impulsividade, opinando sobre assuntos ou se expondo em causas que, muitas vezes, não possuem conhecimento ou maturidade suficiente para tal”, destaca a psicóloga Renata.

Nesse sentido, o jovem se sente no dever de apoiar aqueles que pensam como ele, fortalecendo a própria bolha e podendo até desenvolver uma intolerância ao que é diferente — ou seja, ao que pode frustrar. A partir daí, surgem sentimentos como raiva, medo e desconfiança.

 

Na saúde mental

Para dar vazão a todos esses sentimentos, a geração Z recorre com muita frequência aos remédios. A hipermedicalização inclui, por exemplo, o uso sem prescrição de medicamentos para dormir ou para permanecer produtivo. “É a busca por soluções na indústria farmacêutica para problemas emocionais e psicológicos, em vez de buscar o enfrentamento da frustração e de si mesmo”, aponta Andrey.

Essa estratégia mascara os prejuízos para a saúde mental, como a vulnerabilidade a vidas idealizadas nas redes sociais e incomparáveis à realidade do indivíduo.

“Além disso, percebe-se a redução da capacidade de pensar e de se concentrar. Quando acontece, prevalecem os pensamentos negativos, inclusive as ideações suicidas”, pontua Renata.

Não por coincidência, a geração Z sofre mais cedo e por mais tempo com transtornos como depressão, ansiedade, síndrome do pânico, entre outros.

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Como lidar melhor com a frustração?

Se esse é um problema geracional, existe solução? A resposta está em cada indivíduo. 

Maê geralmente prefere “sair de órbita”. Ela assiste a algum filme, maratona uma série, coloca músicas para ouvir ou mexe nas redes sociais. “A maneira mais rápida de lidar com a frustração é escapar. Não que seja mais saudável, mas é mais rápido. Você dá um tempo para o seu corpo e a sua mente se acostumar com a ideia”, diz.

No entanto, quando a situação se torna mais complicada, ela busca amparo na terapia. Um dos pontos positivos da geração Z é justamente a preocupação com a saúde mental, uma procura que tem crescido nos dias atuais.

Por isso, ao perceber que está tendo dificuldade em tolerar a frustração — por exemplo, quando as pessoas ao seu redor apontam que você está sendo “pavio curto” —, é importante buscar ajuda profissional.

“Todo indivíduo é capaz de praticar a tolerância, a fim de não permitir que isso afete o seu humor ou cause sintomas fisiológicos. É possível usar a respiração profunda como uma aliada e atividades físicas que auxiliam no estresse, além do hábito de refutar pensamentos negativos, valorizar suas conquistas e se aproximar aos poucos de situações que habitualmente causariam frustração, de modo a encontrar estratégias mais saudáveis de lidar com os seus sentimentos”, recomenda Renata.

Para os pais que educam os jovens da geração Z, a dica é conversar sempre abertamente com os filhos, ensinando-os e não reprimindo-os, mostrando como avaliar e persistir frente a diferentes obstáculos. 

“A frustração deve ser enfrentada, porque ela faz parte da experiência humana. Ela nos humaniza, inclusive. Permite o erro em uma sociedade onde falhar virou algo pior do que o pecado”, finaliza Andrey.

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