Outras Histórias #33 | Maré

Dr. Drauzio descreve o que viu durante as suas visitas a Maré, no Rio de Janeiro: dos jovens sonhadores às casas de muitos andares. Ouça.

Convidado para participar da produção de um espetáculo de dança com jovens da Maré, dr. Drauzio conhece o conjunto de comunidades que abriga mais de 140 mil habitantes no Rio de Janeiro.

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Publicado em: 5 de outubro de 2021

Revisado em: 13 de outubro de 2021

Convidado para participar da produção de um espetáculo de dança com jovens da Maré, dr. Drauzio conhece o conjunto de comunidades que abriga mais de 140 mil habitantes no Rio de Janeiro.

 

 

 

A convite do coreógrafo Ivaldo Bertazzo, dr. Drauzio passou um tempo na Maré, no Rio de Janeiro, para escrever o roteiro de um espetáculo de dança realizado por meninos e meninas daquela periferia. Durante as visitas às 17 comunidades que integram o conjunto, ele conheceu a realidade dos moradores, a forma como as casas são construídas, as estratégias adotadas por quem vive no meio do fogo cruzado e os anseios dos adolescentes da Maré.

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Há anos atrás o coreógrafo Ivaldo Bertazzo fez um espetáculo de dança com meninas e meninos da favela da Maré, no Rio de Janeiro, e me convidou para escrever o texto. Eu disse a ele que para poder escrever um texto eu teria que conhecer a favela… andar por lá, conhecer essas meninas, esses meninos, saber o que eles pensavam da vida; e assim eu me engajei nesse trabalho.

Olá, eu sou Drauzio Varella e aqui você vai ouvir outras histórias.

A Favela da Maré é um lugar muito grande, acho que em número de habitantes, só perde para a Rocinha, no Rio de Janeiro; ela tem hoje perto de 140 mil habitantes. Fica ali, quando você vem do aeroporto Antônio Carlos Jobim — o Galeão, né —, pra cidade do Rio, você passa por ela e fica passando um tempão — ela é enorme. E na verdade, ela surgiu nos anos 1940, quando os primeiros habitantes viram que ali tinha… o mar chegava até lá, era o manguezal aquela região, mas tinha um morro — que era o chamado Morro do Timbau.

E ali eles construíram as primeiras casas, no Morro do Timbau, e aí isso foi crescendo e foram se formando outras comunidades em volta. Hoje, o cálculo é que existam na Favela da Maré 17 comunidades diferentes, onde vivem esses 140 mil habitantes.

E elas atendem pelos nomes, cada uma das comunidades, e o Morro do Timbau é uma delas, depois vem uma região baixa, que é chamada Baixa do Sapateiro; tem conjuntos ali que foram construídos, Conjunto Marcílio Dias, Parque da Maré, aí tem o Parque Roquette Pinto — porque tinha ali uma antena da Rádio Roquette Pinto —, o Parque Rubens Vaz, a Vila do João, Vila do Pinheiro…

Tem um lugar ali que o Conjunto Bento Ribeiro Dantas, que é conhecido por todos como “fogo cruzado”, porque ele tinha duas facções, uma de um lado do Conjunto e outra do outro lado, e os predinhos do Conjunto ficavam no meio das balas que passavam pra lá e pra cá.

É muito interessante a Maré; ela tem características próprias, e tem ali uma coisa que causa um problema terrível que são duas facções inimigas que lutam pelo controle uma da outra. Tem uma rua na Nova Holanda, que é um bairro da Maré, nessa rua todos os moradores puseram tijolos nas janelas que davam para a rua, porque ali é a linha divisória — eles chamam de faixa de Gaza; parece mesmo que você está num lugar onde está acontecendo uma guerra, porque as paredes são todas esburacadas de tiros nas disputas do tráfico.

Mas, essas comunidades da Maré, tirando essa confusão dos traficantes, as comunidades se organizaram ali, a Maré tem vários serviços, de várias associações que cuidam dos interesses dos habitantes, e é sobre isso que nós vamos falar, especialmente sobre esse trabalho. E esses podcasts vão tomar todo o mês de outubro.

Primeira coisa que eu fiz foi pensar — porque são meninos e meninas aí na adolescência  —, e eu pensei o seguinte na hora de escrever o texto: é que na passagem da infância para adolescência, morrem algumas coisas e nascem outras. E eu fiz uma reunião com os meninos e depois com as meninas, em separado, e pedi que eles dissessem o que nasce e o que morre.

Isso foi numa escola. Eu fui, eu passei um risco no quadro negro e pus aquilo: “o que nasce e o que morre?”, e aí quando eu pedi que eles dissessem o que eles acham que estavam morrendo no final da adolescência e o que devia nascer, ficou um silêncio. E aí uma menina de olhos grandes, no canto da sala, falou: “morre a inocência”.

E esse foi o primeiro de uma série de encontros que eu tive com o Corpo de Dança da Maré, que tá lá até hoje, e eu conversei sobre o tema com todos eles reunidos, em separado, e fui montando o texto a partir de cada um dos comentários que eles faziam. E aí também fiz questão de conhecer a favela por dentro, e aí acabei andando pela favela toda — e foram vários passeios pela favela, logicamente acompanhado de pessoas locais, que antes negociavam com os traficantes a minha passagem pela favela.

E ali é interessante, porque no Morro do Timbau e na Baixa do Sapateiro, que é a parte mais de baixo ali, você tem as casas enfileiradas em becos e vielas, parece uma cidade medieval. Fora dessas duas áreas, as casas têm mais semelhanças com a periferia de São Paulo e com a periferia de muitas cidades brasileiras, né, no Recife, Fortaleza, Salvador etc, né.

As casas são casas pequenas, são encostadas umas às outras, os terrenos tem uma frente bem pequena, né, em geral, e alguns metros não tem quintal. E não tendo como se expandir para os lados, eles expandem a casa pro alto em dois, três e até quatro andares, que vão levantando um por vez — à medida que a condição financeira vai permitindo ou o aumento da família impõem, não é?!

A construção inicial, que dá origem aos andares mais altos, é bem simples em geral. Eles começam fazendo dois cômodos, uma cozinha pequena e um banheirinho. As casas são todas com piso, tudo organizadinho, e aí já fazem uma escada que chega no teto, já esperando que quando eles tiverem uma condição um pouquinho melhor, dá para fazer o andar de cima. As fachadas são pintadas com as cores desbotadas ou então revestidas de azulejos baratos, ou deixadas, na maioria delas, com tijolos expostos com as juntas às vezes rebocadas, à espera do acabamento final.

A esquadria de alumínio das janelas, que é universal na favela, né, ela delimita uma janela pequena em geral, né, pequena pra ventilar e pra iluminar o ambiente interno. Por isso é muito comum, dentro das casas, a gente encontrar um ventilador — que pô, tamo no Rio de Janeiro, né, a temperatura no verão é insuportável —, mas tem luz acesa o dia inteiro, porque a iluminação é sempre precária.

E no teto, vem a laje de concreto, essa laje está presente em todos os lugares. Ela vem armada já forte, para resistir ao peso dos cômodos que virão. A laje das casas da Favela da Maré: esse vai ser o assunto do próximo podcast.

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