Moda para quem tem Síndrome de Down

A moda para quem tem Síndrome de Down é diferenciada, respeitando as características do corpo dos portadores. Saiba mais.

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A moda para quem tem Síndrome de Down é diferenciada, respeitando as características do corpo dos portadores da condição.

 

Você já sentiu que alguma peça de roupa ficou desconfortável? Provavelmente, sim. Isso ocorre porque, a menos que seja uma encomenda, cada peça não é feita especificamente para você. Os fabricantes utilizam um padrão de tamanhos que pode ser inadequado para muitas pessoas, o que acontece com frequência com quem tem Síndrome de Down.

Quando estava no segundo semestre da Faculdade Paulista de Artes, a designer de moda Jakeline Góis participou de uma palestra sobre o Concurso de Moda Inclusiva, realizado pelo Governo de São Paulo, o que a deu uma ideia para seu trabalho de conclusão de curso.“Eu queria fazer algo que não morresse ali, mas que tivesse continuidade ou que ajudasse alguém”, conta Jakeline, formada em 2016. Pouco tempo depois, viu uma matéria na internet que contava sobre a primeira modelo com Síndrome de Down a desfilar na Fashion Week de Nova York. “Comecei a pesquisar se existia um público para isso, pois se aquela modelo estava desfilando, era para mostrar que é possível.”

Foto: Vanessa Araújo.

Em sua pesquisa, Jakeline descobriu uma marca alemã que faz roupas para pessoas com Síndrome de Down. “Fui olhar o site e vi que eles tinham peças muito básicas, somente camisetas e calças jeans. Não tinha nenhum tipo de informação de moda, de tendências. Se tem isso para todo mundo, por que para pessoas com Down não tem? Decidi fazer algo nesse sentido.”

A Síndrome de Down é uma alteração genética caracterizada pela formação irregular do cromossomo 21. Ao invés do dois cromossomos, são encontrados três (por isso a síndrome também é chamada de “trissomia do cromossomo 21”). O comprometimento intelectual e da fala são algumas das características da síndrome, que ainda é vista com preconceito. O segundo vídeo do nosso quadro cabine foi com instrutor de equitação Claudio Aleoni Miranda, que contou um pouco sobre as dificuldades que enfrenta no seu dia a dia.

 

Veja também: Cabine: Ser Síndrome de Down é comum

 

A primeira etapa que Jakeline enfrentou para executar esse trabalho foi exatamente o preconceito que faz parte do cotidiano de quem tem a síndrome. “Apresentei a proposta para o professor e ele questionou qual seria o público. Coloquei de 16 a 21 anos. Ele disse que essa faixa etária não iria funcionar porque, segundo ele, pessoas com Down morrem jovens e têm muitas complicações médicas. Como assim, gente?”, relata a jovem. Claudio tem 31 anos e segue sua vida normalmente.

Por conta das especificidades da constituição física, como a baixa estatura, alguns ajustes são necessários. Dr. Zan Mustacchi, geneticista e pediatra, Diretor Clínico do Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo (CEPEC-SP), explica que o encurtamento dos membros (fêmur e úmero) e a tendência a engordar é uma característica comum de pessoas com Down. Jakeline atentou para isso ao confeccionar as roupas. “Todas as peças têm elástico no cós. Deixei as articulações livres, e algumas peças também têm alças removíveis, para o caso de, quando não servirem mais, ainda poderem ser utilizadas como colete. São detalhes que seriam muito bons até para pessoas que não têm Down. As roupas comuns são padronizadas por tamanho, mas para quem é essa padronização?”, questiona.

Dr. Zan explica que a tendência a engordar é devida à absorção excessiva de calorias. “Enquanto o corpo de uma pessoa sem Down absorve 70% das calorias, quem tem a síndrome absorve 90%”, explica o médico. Outro fator é a hipotonia muscular, caracterizada pela musculatura menos eficaz, o que ocasiona menor gasto de energia como um todo.

 

Representatividade

 

A representatividade e a identificação foram dois pontos importantes para o desenrolar do trabalho. “Não adiantaria eu fazer um croqui com uma modelo padrão. A pessoa não vai se ver naquela imagem. Ela não vai conseguir imaginar como vai ficar no corpo dela. Não adianta eu falar, a pessoa tem que enxergar. Peguei uma foto de uma pessoa com Down e fiz um desenho original”, conta a estilista. Por indicação de uma amiga, a então estudante chegou à ONG Down Brasil. Lá, ela conheceu Mayra Lee Citti, uma jovem de 20 anos que tem a síndrome. “A Mayra participou de todo processo. Levei os desenhos para ela aprovar. Queria que ela sentisse o que ela gostava ou não, para a gente construir juntas, colocando a personalidade dela na roupa.”

 

Croqui: Jakeline Gois.

 

Luzdalma Parreira de Souza é mãe da Mayra, e conta que ficou muito feliz com o trabalho da Jakeline. “Tudo o que acontece e envolve pessoas com Síndrome de Down é importante, porque os leva para o mundo, acaba ‘divulgando'”, afirma.

O tema central do ensaio foi a artista Marilyn Monroe. “A Mayra ainda não conhecia a Marilyn. Expliquei quem era, mostrei fotos, falei o que ela fazia. Não sei se ela chegou a ver com a mãe algo a mais sobre isso, mas ela entendeu tão bem que na sessão de fotos encarnou de fato a atriz. Fazia poses que lembravam muito”, conta Jakeline. Além de vivenciar a primeira experiência como modelo, Mayra ficou com as roupas. “Ela me ajudou muito, foi o meu trabalho inteiro! Foi tudo feito sob medida para ela, então nada mais justo ficar para ela!”, disse emocionada. Além do ensaio fotográfico, o trabalho contava com um desfile para a banca julgadora. Mayra diz que adorou desfilar, tanto quanto posar. “Gostei muito das roupas, principalmente da rosa e do vestido. Fiquei com vergonha de desfilar. Não muito, só um pouquinho”, conta sorrindo. Ela afirma que deseja seguir a carreira de modelo.

 

Foto: Vanessa Araújo.

 

Luzdalma, mãe de Mayra, conta que a escolha do tema foi importante para tirar a visão que a sociedade tem de as pessoas com Down serem “eternas crianças”. “A gente tem que proporcionar para eles o que a gente teve na nossa vida. Eu penso ‘o que eu fazia com a idade dela?’, e acho justo a Mayra fazer, também, se partir dela esse desejo. Existe uma dependência, claro! De levar, buscar, apoiar, mas temos que incentivar!”

Jakeline tem a intenção de continuar o projeto e criar uma marca para pessoas com Síndrome de Down, mas carece de investidores. Ela reforça que o legado mais importante foi a mudança na forma de enxergar a moda, e defende que para se fazer algo por alguma causa não é necessário que ela esteja diretamente ligada a você. “As pessoas não procuram saber, não se importam, então elas não sabem das necessidades e dificuldades de cada pessoa. Não conhecia ninguém nem tive contato com pessoas com deficiência. As pessoas precisam pensar além das suas necessidades e do seu espaço.”

 

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