MMS: a perigosa solução que promete a cura de doenças

Vendedores divulgam o MMS com a promessa de curar doenças como autismo, malária e câncer. Apesar de proibida, venda é feita com facilidade pela internet.

Copo com substância incolor representando o MMS.

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Publicado em: 27 de maio de 2019

Revisado em: 24 de maio de 2023

Com a promessa de curar várias doenças, vendedores de MMS enganam pais e familiares de crianças com autismo.

 

Pais de crianças com transtorno do espectro autista têm sido assediados em grupos de WhatsApp por vendedores de uma solução que teria a capacidade de curar autismo: o MMS. A sigla vem de Mineral Miracle Solution (solução mineral milagrosa, em tradução livre), substância vendida como medicamento, mas que é muito parecida com a água sanitária usada como alvejante.

A solução é composta por clorito de sódio 28% e um ativador, em geral ácido clorídrico 4%. Juntos, eles formam o dióxido de cloro, muito usado pela indústria de celulose para descolorir a polpa da madeira para fazer papel.

 

Veja também: Leia entrevista com especialista sobre autismo

 

Criado pelo americano Jim Humble, ex-membro da Cientologia e fundador de uma igreja, o produto já é conhecido desde o fim da década de 1990. O americano alega ter curado amigos garimpeiros que pegaram malária e a partir daí, utilizado a solução para tratar diferentes tipos de câncer, aids, hepatite, trombose, autismo, entre outras doenças.

 

Vídeo: Dr. Drauzio alerta para o perigo do MMS

 

Apesar de prometer a cura de várias enfermidades, foi entre os familiares de crianças que têm transtornos do espectro autista que os propagadores do MMS encontraram seu público principal. “A realidade da saúde no Brasil é muito difícil. O diagnóstico de autismo costuma ser demorado na rede pública. E, quando feito, não há acesso a terapias de qualidade e intensidade necessárias. Isso deixa as famílias muito vulneráveis a charlatães”, explica Andréa Werner, jornalista, escritora e ativista, mãe de um filho com autismo.

 

MMS tem venda proibida

 

Apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter proibido a comercialização online do produto, não é difícil encontrá-lo. A situação fez a agência lançar um ofício de alerta a todas as vigilâncias sanitárias estaduais para comunicar a proibição da venda do produto.

Mesmo assim, pais denunciam a venda em farmácias de manipulação e sites da internet. De fato, basta uma pesquisa rápida na internet para descobrir dezenas de sites que oferecem a solução, com a promessa de cura e até a posologia indicada. A reportagem entrou em contato com vendedores, pela internet e pelo telefone, e não teve dificuldade para obter informações sobre a venda do produto, que custa cerca de 60 reais.

Segundo esses sites, o suposto medicamento deve ser dado por via oral ou retal — por meio de enemas inseridos no intestino — quando as crianças não conseguirem tomar o produto, que tem forte cheiro de cloro.

Quando administrado por via retal, o composto pode causar descamação da mucosa do intestino. Defensores do MMS costumam mostrar fotos de fragmentos do órgão expelidos pelas crianças, para eles, um sinal de limpeza do organismo e prova da eficácia do produto.

Médicos alertam para o perigo do uso dessa substância. Além das lesões no intestino, o produto químico pode causar enjoo, vômito, diarreia, desidratação, insuficiência renal, anemia, entre outros problemas de saúde graves.

 

Pais são enganados via WhatsApp

 

Luísa* foi abordada em um grupo de WhatsApp de mães de crianças nças autistas. Com um filho que tem transtorno grave, ouviu as histórias de um rapaz que dizia ter se curado de câncer com MMS e que poderia colocá-la em contato com uma mulher cujo filho autista havia melhorado muito.

Quando telefonou para a suposta mãe, Luísa a ouviu contar maravilhas sobre o MMS. “Comprei a solução e passei a usá-la também. Meu filho não se comunica e eu queria ver se não fazia mal.” Em alguns dias, começou a ter fortes dores de cabeça. “O vendedor disse que meu organismo estava expulsando as toxinas, por isso eu sentia dor.”

Alguns meses depois, o filho de Luísa começou a ficar letárgico, com pouca disposição, e a chorar muito. “A gente reconhece o choro do filho, eu sabia que havia alguma coisa errada com ele”, conta. Assustada, levou o menino ao hospital, onde descobriu que a criança estava doente. Luísa não revelou aos médicos que usava MMS, mas resolveu parar com a substância. “Logo ele começou a melhorar”, afirma.

Histórias como a de Luísa não param de surgir. Andréa tem lutado para reuni-las e conseguir tomar alguma providência para que os vídeos com instruções de uso e promessas de cura por meio do MMS sejam retirados de sites e redes sociais. “Precisamos chegar a essas pessoas antes dos vendedores e informar, explicar que o autismo não tem cura e que não existe uma substância que cure tantas doenças e condições diferentes. Precisamos que as autoridades tomem as devidas providências contra quem vende ou recomenda o uso dessa substância. E que Facebook e YouTube se comprometam a remover conteúdos promovendo MMS de suas plataformas.”

A pediatra dra. Denise Katz alerta para o perigo das propagandas que promovam soluções não comprovadas pela ciência. “As pessoas precisam desconfiar de quem promete a cura do autismo com substâncias químicas que não podem ser usadas como medicamento e ainda fazem muito mal à saúde. Até hoje, não há evidências para a cura do autismo”, afirma a médica.

Durante a pesquisa para fazer esta matéria, o Portal Drauzio Varella teve contato com vários pais de crianças com autismo que foram abordados por vendedores de MMS. Alguns nos enviaram fotos da mucosa intestinal expelida por crianças que receberam o enema. Por sorte e acesso à informação correta, esses pais pararam de dar a substância aos filhos. Infelizmente, outros permanecerão nas mãos de pessoas inescrupulosas, que vendem um tratamento falso para famílias que já enfrentam enormes dificuldades.

 

*O nome foi alterado a pedido da entrevistada

Agradecimento: Andréa Werner

 

 

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