Hormônio é usado para tratamento de distúrbios do sono, mas alguns estudos levaram a interpretações de que o uso de melatonina emagrece. Contudo, ainda é cedo para relacioná-la a esse efeito.
A melatonina, também conhecida como “hormônio do sono”, ganhou popularidade mundial por ser uma suposta “alternativa natural” para os problemas de insônia.
A melatonina sintética chegou ao Brasil em 2017, e é encontrada em farmácias de manipulação, mediante apresentação de receita. Já nos EUA é vendida livremente nas prateleiras de farmácias e supermercados.
Entretanto, há algum tempo, o hormônio tem sido promovido não só como uma solução para quem sofre com distúrbios de sono, mas também para aqueles que desejam emagrecer. Segundo, uma reportagem da revista “Veja”, “o composto poderá fazer parte do arsenal de combate à obesidade” e “pode fazer emagrecer”.
Será que é verdade? A Drops investigou.
QUEM DISSE? Revista Veja
O QUE DISSE? “Acredite: a melatonina pode fazer emagrecer, revela estudo.”1
QUANDO DISSE? 15/07/2017
CHECAGEM: AINDA É CEDO PARA DIZER
Existem evidências pré-clínicas (ou seja, em animais e cultura de células) de que a melatonina pode contribuir para o controle do peso em certas situações. Porém, ainda não existem estudos clínicos que sustentem a suplementação com melatonina como terapia eficiente para o emagrecimento em seres humanos.
CONTEXTO
A melatonina é um hormônio naturalmente produzido no corpo humano2. A função da melatonina é sinalizar para o corpo o início do período noturno, auxiliando a regular o nosso ‘relógio biológico’. Nos seres humanos, o sono é um dos processos desencadeados pela presença do hormônio.
Grande parte da melatonina em circulação no nosso corpo é sintetizada na glândula pineal, que fica no cérebro3. Sua produção é estimulada a noite e reduzida durante o dia, sendo regulada por receptores nos olhos que detectam a presença e ausência de luz. Algumas situações podem desregular o ciclo da melatonina, como por exemplo o jet lag causado por longas viagens, empregos noturnos ou a exposição a luzes fortes no começo da noite.2
Existem evidências de que o tratamento com melatonina é eficaz para tratar alguns distúrbios específicos2 de sono e também melhora os efeitos do jet lag4. Entretanto, a melatonina não induz o sono6 diretamente e os resultados variam2,6 quando se trata do alívio da insônia em adultos.
Atualmente, a classificação desse hormônio como suplemento de venda livre em países como EUA2 e Canadá5 fez com que a melatonina ganhasse popularidade como “alternativa natural” aos remédios tradicionais (barbitúricos), e passou a ser usado como tratamento para qualquer problema relacionado ao sono. Na Europa7 e na Austrália8, o hormônio é classificado como medicamento e só pode ser adquirido com receita médica. No Brasil, a melatonina ainda não possui registro na Anvisa9 como medicamento, mas pode ser adquirida, com receita, em farmácias de manipulação desde 2017.
O QUE DIZ A CIÊNCIA
O metabolismo humano e animal está associado ao nosso ciclo diário de atividade e descanso e a melatonina é capaz regular certos aspectos deste metabolismo10. Estudos com animais (roedores) mostram que, em geral, o ciclo adequado de melatonina parece favorecer a perda ou controle de peso11. Entretanto, isso não significa que os seres humanos experimentarão os mesmos efeitos com a suplementação do hormônio.
A melatonina tem alguns efeitos diferentes para roedores e humanos. A chegada da noite significa descanso para os seres humanos, mas é o período no qual os ratos e camundongos aumentam sua atividade. Essa diferença cria certas limitações quando se trata de “transferir” para os seres humanos os resultados obtidos com estudos animais3. Ou seja, não se pode dizer que o efeito do hormônio visto nos animais também será observado nos homens.
O principal estudo11 referenciado pela reportagem da “Veja”1 foi feito com células em cultura (células cultivadas em laboratório) e mostrou que a adição de melatonina no meio de cultura de certas células poderia inibir sua transformação em novas células de gordura. Entretanto, estudos em culturas de células não têm a intenção nem a capacidade de avaliar processos como o emagrecimento, que afeta o organismo como um todo. Para saber se o efeito observado acontece de forma significativa no organismo seriam necessários outros experimentos, feitos com animais e seres humanos.
É importante ressaltar que, quando se trata de emagrecimento, estudos clínicos com seres humanos são especialmente importantes, já que pessoas têm rotinas, dietas e padrões comportamentais muito mais complexos do que os animais de laboratório.
Ao checar a matéria da revista “Veja”, a Drops não encontrou nenhum estudo clínico mostrando que a melatonina foi eficiente no controle do peso corporal em humanos. Sendo assim, AINDA É CEDO PARA DIZER que “a melatonina pode fazer emagrecer”1.
REFERÊNCIAS
Acesso em 05/04/2018:
¹ https://veja.abril.com.br/saude/acredite-a-melatonina-pode-fazer-emagrecer-revela-estudo/
² https://nccih.nih.gov/health/melatonin
⁴ http://www.cochrane.org/CD001520/DEPRESSN_melatonin-for-the-prevention-and-treatment-of-jet-lag
⁵ https://www.healthlinkbc.ca/health-topics/hw193915
⁶ https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1370957/
⁷ https://ec.europa.eu/health/scientific_committees/consumer_safety/docs/sccs_o_022.pdf
⁸ https://www.tga.gov.au/sites/default/files/auspar-circadin.pdf
¹⁰ https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/jpi.12137
¹¹ https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5454894/