Cada vez mais as redes sociais têm facilitado a banalização de alguns diagnósticos, entre eles o de déficit de atenção, por isso precisamos de conscientização sobre o diagnóstico de TDAH.
O transtorno de déficit de atenção, com ou sem hiperatividade, é um transtorno do neurodesenvolvimento em que os sintomas mais conhecidos são: desatenção, impulsividade, hiperatividade, agitação motora ou de pensamento e desorganização.
Mas um sintoma isolado não caracteriza TDAH, por isso, é muito importante que o indivíduo que apresente essas características busque ajuda profissional e seja submetido a uma avaliação neuropsicológica para rastreio de diagnóstico.
Além disso, em geral quem tem TDAH apresenta sintomas que precisam ser tratados durante toda a vida. Nos casos de diagnóstico tardio, a equipe multidisciplinar coleta, através de uma extensa anamnese, o histórico da infância e da adolescência, além de investigar o nível de comprometimento em áreas sociais, acadêmicas e profissionais.
O que caracteriza um transtorno?
Um transtorno é um conjunto de sintomas e características que, de fato, trazem sofrimento, incômodo e prejudicam diretamente a qualidade de vida de uma pessoa.
Devido às oscilações de humor, raciocínio e comportamento, esses sinais no neurodesenvolvimento, quando combinados, afetam também a autonomia, independência e o estado de saúde físico, psicológico e emocional.
E como o TDAH interfere na vida do indivíduo?
São diversos os prejuízos apresentados por pessoas que têm TDAH, e eles comprometem várias fases da vida: escolar, social, profissional, familiar e relacionamentos amorosos. Muitas pessoas também podem desenvolver comorbidades associadas, como ansiedade e depressão.
A dificuldade de concentração, de controlar os impulsos e de manter a organização mental e espacial faz com que os sintomas do paciente interfiram diretamente nos momentos em que são necessários manter uma conversa mais longa, participar de atividades em grupos, prestar atenção em aulas e seguir regras sociais. Assim, quem tem TDAH pode ser visto como ‘mal educado’, desinteressado e com baixa tolerância à frustração.
Quando falamos de crianças, os sintomas não são muito diferentes, mas se manifestam de outras formas e trazem prejuízos em áreas específicas, como na aprendizagem, trocas entre coleguinhas da mesma idade e participação de atividades e jogos (ou a criança é muito boa nas propostas ou apresenta dificuldade na execução), o que acaba impactando também o desenvolvimento da autoestima. Por isso, os cuidados nessa fase devem ser redobrados.
Ainda assim, como nem todo sinal que aparece durante a infância pode ser suficiente para o diagnóstico de TDAH, faz-se necessário acompanhamento multidisciplinar. “Uma criança que é muito agitada não pode automaticamente ser ‘rotulada’ com TDAH, pois deve-se levar em consideração o primeiro fator de que ela é uma criança em desenvolvimento, e como toda criança, tem energia e precisa de regras e orientações para ambientes controlados, como escola e salas de aulas”, explica a profª. drª Marina Zotesso, psicóloga comportamental com mestrado e doutorado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisadora na área do autismo e transtornos de aprendizagem e desenvolvimento.
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Critérios de diagnóstico de TDAH
Além dos sintomas citados acima, a psicóloga explica que o diagnóstico de TDAH pode se basear em manuais de saúde como CID-11 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) e DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).
”Vale ressaltar que o TDAH é um dos transtornos mais banalizados na atualidade, ou seja, diagnósticos são feitos erroneamente, seja por profissionais ou até mesmo por conta do autodiagnóstico. A condição a qual engloba-se o TDAH é extremamente séria, e não deve ser confundida com preguiça, desânimo momentâneo ou distração em função de estímulos concorrentes”, completa Marina.
É por conta disso que a avaliação neuropsicológica aplicada a esses casos é tão intensa, e conta com testes clínicos, atividades e entrevistas que avaliam: aptidões e funções executivas, memória, coordenação motora, comunicação verbal, atenção, raciocínio, velocidade de processamento, resolução de problemas, aspectos emocionais relacionados à ansiedade e depressão, entre outros.
“O diagnóstico é clínico [não é feito com base em exames de imagens ou laboratoriais], realizado por meio de avaliações médicas, educacionais e psicológicas. Um conjunto de sintomas característicos do TDAH deve ser identificado no indivíduo em questão, porém pelo período maior de seis meses de permanência”, conclui Marina Zotesso.
Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade não tem cura, mas tem tratamento
Por não se tratar de uma doença e sim de um transtorno relacionado ao funcionamento do cérebro, o déficit de atenção não tem cura, mas tem tratamento que precisa de seriedade e constância.
Essas intervenções podem ser clínicas (através de terapias comportamentais ou acompanhamento com equipe multidisciplinar, a depender do caso – somando psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos), químicas (com medicamentos que ajudam a inibir sintomas como desatenção e impulsividade que impactam na qualidade de vida do paciente) ou combinadas (terapias aliadas aos medicamentos).
Mas, atenção, cada pessoa é única, mesmo que compartilhe características, por isso é importante que o acompanhamento profissional seja individualizado. “O diagnóstico não deve ser feito de forma leviana, mas analisando caso a caso, com cautela, a fim de que as pessoas não sejam diagnosticadas e medicadas erroneamente, afinal cada indivíduo é único e deve-se levar em consideração tais variações de comportamento, e não querer padronizar todos dentro de um mesmo modelo tido como ideal”, enfatiza Zotesso.
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Jovens e o TDAH na era do Twitter e TikTok
Infelizmente, sabemos que nem tudo que existe na internet faz bem para a saúde mental e para o nosso autoconhecimento. Em um mundo cada vez mais tecnológico, em que influenciadores digitais se fazem presente mostrando suas rotinas e que a cada dia aparece uma tendência diferente entre os jovens nas redes sociais, é preciso cautela, respeito e conscientização nos conteúdos.
Nos últimos meses, diversos memes e vídeos viralizaram em aplicativos como Twitter e TikTok com assuntos relacionados ao TDAH, banalizando os sintomas e expondo as características em tom de piadas.
Usar os sintomas de um transtorno para brincadeiras que confundem, ofendem e banalizam quem realmente vive com aquela condição não é a forma ideal de usarmos a internet para disseminar informações que realmente podem fazer a diferença na vida de alguém.
Só quem tem problemas e enfrenta desafios diários relacionados ao TDAH sabe que ser ridicularizado é uma questão muito séria, que envolve também a saúde mental.
“As pessoas confundem muito o fato de estarem cansadas e tristes com depressão. E o mesmo vale para o TDAH. Não é porque uma pessoa está desfocada, desatenta ou mais ativa em determinado momento que ela tenha o transtorno. A internet virou um lugar onde a gente se expõe muito, mas nem tudo que a gente expõe deve ser analisado dessa forma, e por isso, não devemos banalizar ou fazer um autodiagnóstico sem levar em conta a seriedade dos transtorno mentais e de neurodesenvolvimento, e também o papel dos profissionais de psicologia”, alerta Marina.
Precisamos incluir e não sermos capacitistas
Capacitismo é o termo usado para a discriminação de pessoas com deficiência ou transtorno relacionados ao neurodesenvolvimento. Somos capacitistas quando julgamos essas pessoas como menos capazes e até mesmo inferiores.
Um diagnóstico, seja ele qual for, não torna a pessoa incapaz de ter autonomia e independência. Apesar de existirem limitações específicas relacionadas às condições de cada indivíduo, ter TDAH não inferioriza o indivíduo, seja ele adulto ou criança.
É por isso que falar de conscientização e inclusão na atualidade é cada vez mais necessário, pois quando compreendemos as complexidades existentes, é possível elaborar estratégias de adaptação para as atividades que precisam ser executadas no dia a dia.
Por exemplo, no caso de crianças e adolescentes em processo de aprendizagem, em vez de insistir no material que não traz compreensão e absorção daquele conhecimento, familiares, professores e equipe multidisciplinar podem elaborar outros recursos que facilitem os estudos.
“É de extrema importância que as pessoas com TDAH ou pais e responsáveis por crianças nessa condição encontrem a melhor forma e modelo de estudos/leituras, pois adaptações devem ser feitas e podem favorecer imensamente o aprendizado”, conclui Marina Zotesso.
Essa dica também vale para empresas que, ao saberem quais adaptações são necessárias para um melhor rendimento daquele colaborador, prestam auxílio e oferecem os recursos necessários para o desenvolvimento profissional e o bem-estar do funcionário.
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Sobre a autora: Gabriella Zavarizzi é jornalista especializada em conteúdos digitais. Tem interesse em assuntos relacionados a neurociências, saúde mental, autismo, TDAH e primeira infância.