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Neurologia

Sono ruim pode piorar a sensibilidade à dor. Entenda a relação

mulher deitada na cama, perto de despertador, sem conseguir dormir. veja relação entre sono e dor
Publicado em 02/08/2023
Revisado em 03/08/2023

A privação de sono pode piorar a sensação de dor, ao mesmo tempo que a dor crônica pode prejudicar o sono. Especialista fala sobre como interromper esse círculo. 

 

Dormir mal traz uma série de prejuízos à saúde de maneira geral, e isso não é novidade. Mas você sabia que um sono ruim também pode fazer você sentir mais dor? 

Evidências científicas têm mostrado que existe uma importante interação entre sono e dor. Um estudo realizado na Universidade de Aalborg, na Dinamarca, investigou o impacto de três noites consecutivas de sono interrompido no mecanismo central de dor de 30 pessoas saudáveis. Os participantes responderam questionários sobre sono, atividade física e dor e usaram um dispositivo chamado de algômetro que aplica pressão sobre a pele e quantifica o grau de dor. Depois do experimento, eles voltaram a responder às questões e usar o aparelho. A conclusão foi que as três noites de sono interrompido induziram uma hipersensibilidade à dor em pessoas saudáveis. 

Outra pesquisa apontou que a insônia pode exacerbar o risco da dor de cabeça em pessoas que sofrem de cefaleia e enxaqueca. Além disso, mais de 50% das pessoas com dor crônica (que dura mais de três meses) relataram dificuldades para dormir.

Segundo Priscila Morelhão, pesquisadora do Instituto do Sono, fisioterapeuta e pós-doutora em biologia e medicina do sono pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), existem alguns mecanismos que explicam o aumento da sensibilização à dor após uma noite de privação de sono. “Umas das hipóteses sugere que a privação de sono aumenta a quantidade de prostaglandinas (compostos lipídicos com efeito semelhante aos hormônios) que atuam regulando a hiperalgesia (uma resposta aumentada à dor a partir de um estímulo doloroso) no nosso organismo. O aumento na concentração desses compostos modula a via nociceptiva que atua na percepção de estímulos nocivos. Além da relação do aumento da prostaglandina em relação à dor, é importante ressaltar que ela também está envolvida na homeostase do sono, podendo contribuir para um círculo vicioso de privação de sono e dor. Indivíduos privados de sono comumente apresentam aumento da quantidade de interleucina 6 (IL-6) e células inflamatórias, processo que sensibiliza o sistema nervoso, gerando hiperalgesia”, explica. 

Ela destaca que em um estudo de 2019 foi observado que a privação de sono amplifica a reatividade à dor dentro do córtex somatossensorial primário humano, diminuindo o limiar de dor. “Isso significa que a falta de sono faz com que uma dor leve seja processada e percebida pelo sistema nervoso central como uma dor ‘aumentada’.”

        Veja também: Dor crônica: o que faz um médico algologista

 

Círculo vicioso

Ao mesmo tempo em que o sono inadequado pode aumentar a sensibilidade à dor, a dor crônica também pode prejudicar o sono. “Atualmente, sabe-se que a associação entre sono e dor é bidirecional, ou seja, uma noite de sono ruim seguida por um dia mais intenso de dor, consequentemente, é seguida por outra noite de sono não restaurador”, afirma a pesquisadora. 

A relação bidirecional entre a qualidade do sono e a dor lombar crônica foi tema de um estudo coordenado por Priscila e publicado na revista “Archives of Physical Medicine and Rehabilitation”. Os pesquisadores acompanharam 215 idosos com dores lombares com o objetivo de avaliar se a má qualidade do sono seria capaz de predizer com precisão a intensidade da dor lombar a longo prazo. “Nossos resultados mostraram que a qualidade de sono na avaliação inicial prediz o aumento da intensidade da dor após seis meses”, conta Priscila.

Segundo a especialista, existem ainda alguns fatores de risco que podem estar relacionados a esse círculo vicioso, como ansiedade, sintomas depressivos, catastrofização da dor (padrão de pensamento negativo e exagerado em relação à dor experimentada por uma pessoa) e baixo nível de atividade física.

“Uma maneira de romper com esse círculo é tornar o sono um alvo terapêutico para o controle da dor dentro e fora da clínica. Melhorar a qualidade de sono, realizar uma boa higiene de sono, e [buscar] uma educação associada com exercícios terapêuticos são boas estratégias para tentar quebrar esse ciclo”, completa.

        Veja também: Por que os idosos dormem menos?

 

Tratamento do sono e da dor

A recomendação para pessoas com dor crônica e problemas de sono é tratar as duas questões simultaneamente. O aumento da sensibilidade à dor pode ser um dos efeitos das noites mal dormidas, mas existem muitos outros, como alterações de humor, desequilíbrio hormonal, enfraquecimento do sistema imunológico, piora da memória e risco aumentado de problemas cardiovasculares. 

“Nós vivemos em uma sociedade conhecida como 24/7, isso é, estar em alerta 24 horas por dia nos sete dias da semana. Nesse sentido, observa-se que os indivíduos substituem as horas de sono por outras atividades, como lazer ou trabalho. Como efeito dessa substituição do sono por outras atividades, surgem sinais e comportamentos inadequados, como a presença de sonolência excessiva durante o dia e o excesso no consumo de estimulantes para se manter acordado. Os primeiros sinais são o cansaço extremo e a sonolência excessiva diurna, podendo haver, ainda, prejuízos na memória e cognição, erros de julgamento e aumento do estresse, suscetibilidade a doenças e infecções. Esses sinais podem se apresentar em diferentes níveis e precisam ser acompanhados por um profissional para orientações e implementações de medidas protetivas associadas ao sono. O aumento nas queixas relacionadas ao sono é um alerta de que há necessidade de se buscar ajuda profissional especializada”, explica Priscila. 

A especialista lista algumas dicas para dormir melhor: 

  • Tenha uma rotina: defina horários para dormir e acordar, fazer suas refeições, trabalhar e se dedicar ao lazer;
  • Evite estimulantes: não tome bebidas com cafeína (chá preto, branco, verde e café) e bebidas alcoólicas após às 15 horas;
  • Fique longe das telas: evite o uso de aparelhos eletrônicos uma hora antes de dormir. A luz emitida por eles sinaliza ao cérebro que ainda é dia;
  • Não leve problemas para a cama: se tiver uma série de atividades para o dia seguinte, escreva uma lista com todas elas – a ideia é organizar as ideias e deixar as preocupações “do lado de fora” do quarto;
  • Evite exercício físico logo antes de dormir: faça atividades físicas até duas horas antes de ir para a cama, a fim de não atrapalhar o sono;
  • Prefira refeições leves à noite: evite comidas pesadas no jantar para facilitar a digestão e o sono.

        Veja também: Melatonina ajuda a regular o sono, mas não trata insônia

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