Ler faz bem para o cérebro e funciona até mesmo como um fator protetor contra as demências, que atualmente atingem cerca de 57 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). O hábito promove benefícios em todas as fases da vida, sem contraindicações.
Segundo Raphael Ribeiro Spera, neurologista e membro do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), a leitura ativa diversas redes e regiões cerebrais, como as regiões temporoparietais e a região frontal inferior, que são áreas ligadas à linguagem; e as regiões occipitais, que são responsáveis pelo processamento visual.
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“E também [existem] alguns estudos demonstrando ativação de uma rede neuronal que é a rede de modo padrão (ou default mode network). Essa rede é muito importante nas atividades intelectuais, de introspecção, quando você está lembrando alguma coisa que aconteceu na sua vida, quando você está divagando, prospectando cenários para o futuro, pensando sobre questões filosóficas. A gente chama isso de atividades relacionadas à teoria da mente”, explica.
Basicamente, a atividade literária é considerada completa do ponto de vista de ativação de estruturas do sistema nervoso central, conforme destaca o especialista. “Isso é muito importante. A gente sabe que a leitura ainda pode promover neuroplasticidade, reorganização funcional, estrutural de redes cerebrais e também tem efeitos cognitivos.”
Efeitos da leitura no cérebro
A leitura estimula a linguagem (ampliando o vocabulário e o conhecimento semântico, por exemplo); desenvolve a memória de trabalho (de curto prazo, usada para realizar tarefas cognitivas); e a memória semântica (de longo prazo, que engloba conhecimentos gerais sobre o mundo).
“A leitura também é uma atividade que trabalha a parte de teoria da mente, [que está ligada à] empatia. Então, quando você está lendo sobre um personagem, você se coloca no lugar dele, pensa sobre os processos mentais desse indivíduo, tenta entender por que ele está realizando determinada ação”, explica o dr. Raphael.
E, claro, a leitura também depende de atenção. Por isso, ler estimula a capacidade de foco. “E quanto mais repertório literário você tem — quanto mais obras você lê, estilos diferentes, autores diferentes — você ganha uma bagagem que, obviamente, vai aumentar a sua criatividade”, completa.
O papel da leitura na prevenção de demências
“A gente sabe que, no mundo, 45% das demências são preveníveis. Quando você joga esse dado para os países em desenvolvimento, tem um estudo brasileiro desse ano que mostra que até 60% das demências são preveníveis. Então, o impacto ainda é maior quando você cuida da sua saúde”, destaca o médico.
Nesse cenário, a escolaridade tem um peso muito grande. O especialista explica que o fator escolaridade não se refere somente ao ensino formal da escola, mas também às atividades culturais e intelectuais — como ler, frequentar exposições, ir ao teatro, assistir a filmes, entre outros. Tudo isso aumenta a chamada reserva cognitiva.
“O que é reserva cognitiva? Quando você tem um repertório muito grande de sinapses e conexões [cerebrais], e quando você tiver uma agressão ao cérebro, seja uma doença neurodegenerativa, um AVC ou qualquer doença que afete o cérebro, você vai ter uma maior capacidade de lidar com esse tipo de fator agressor”, esclarece.
Por isso, a leitura, junto de outras atividades intelectuais, atua na prevenção de quadros de demência. “Assim como, por exemplo, aprendizado de línguas, tocar um instrumento musical, jogar xadrez e jogos de raciocínio lógico.”
Tipo de livro faz diferença?
Ler é sempre bem-vindo. Mas o estilo de livro que você escolhe também pode promover diferentes benefícios para a saúde cerebral.
“Os estudos demonstram que romance e ficção científica podem trabalhar mais, por exemplo, a questão de teoria da mente, empatia, questões sociológicas; essa atividade que você se coloca no lugar do personagem, tenta entender o que está acontecendo com ele, com a sociedade. É uma coisa muito rica”, diz o dr. Raphael.
Por outro lado, se você opta por um livro técnico, por exemplo, estará adquirindo conhecimento e fazendo raciocínios lógicos — o que também é bom, claro, mas o cérebro estará trabalhando outras demandas cognitivas, diferente das que se têm em uma literatura clássica.
Em relação ao tempo de leitura, o neurologista afirma que não há uma recomendação específica, mas, no geral, 20 minutos por dia já trazem benefícios. “Mas se você puder fazer mais, melhor. O que a gente diz é que é uma atividade que você pode fazer uso sem moderação, você só tem a ganhar”, conclui.
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