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Tagarelice feminina | Artigo

Publicado em 19/04/2011
Revisado em 22/10/2021

Os homens, convencidos de que o sexo oposto faz uso abusivo da palavra, precisam admitir que podem estar enganados. Não existe base científica para afirmar que existe “tagarelice” feminina.

 

O povo diz que mulher fala demais. E que nós acabamos fazendo o que elas querem, só para ficarmos livres do falatório. De fato, diante de um grupo de amigas na mesa do bar ou no salão de cabeleireiro, ficamos com a impressão de que calar não é o forte delas.

A partir dessas e de outras observações empíricas, a suposta tagarelice feminina tem sido admitida como característica comprovada cientificamente. Há teorias que a atribuem à existência de centros coordenadores da linguagem tanto no hemisfério cerebral esquerdo quanto no direito, nas mulheres, enquanto no homem as áreas da fala e da linguagem se acham restritas ao hemisfério esquerdo.

 

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A existência desses centros em ambos hemisférios explicaria por que as meninas aprendem a falar antes. Explica também por que, nos casos de derrame cerebral, a fala é comprometida com mais frequência no sexo feminino e por que elas recuperam mais rapidamente a capacidade de articular as palavras do que os homens depois dos derrames.

Essas variações anatômicas, no entanto, não justificam a fama verborrágica que o assim chamado sexo frágil carrega. No livro “O cérebro feminino” a neuropsiquiatra L. Brizendine afirmou: “A mulher usa cerca de 20 mil palavras por dia, enquanto o homem usa apenas sete mil”. Desde então, esses números têm sido citados como se fossem verdades indiscutíveis.

Na realidade, porém, nenhum estudo abordou essa questão sob a ótica do método científico, por meio de gravações sistemáticas das vozes de grande número de pessoas, por períodos de tempo prolongados.

Considerando um estudo conduzido na Inglaterra, no qual 153 participantes gravavam suas conversas diárias num gravador manual, M. Liberman observou que as mulheres falavam em média 8.805 palavras por dia, enquanto os homens não passavam de 6.073. No entanto, o próprio autor levantou suspeita de que a contagem pudesse estar sujeita a erros, uma vez que o momento de ligar e de desligar o gravador ficava por conta dos participantes.

Nos últimos oito anos, um grupo de psicólogos americanos desenvolveu um método para que tal contagem fosse realizada com mais precisão, através do uso de gravadores ativados eletronicamente.

Por meio da tecnologia digital, o dispositivo era ativado periodicamente para gravar o som ambiente e as conversações rotineiras durante vários dias consecutivos. O aparelho foi programado para gravar por períodos de 30 segundos, a cada 12,5 minutos, durante as horas de vigília. As mulheres e os homens observados não tinham meios de saber quando o sistema estava ligado.

Entre 1998 e 2004, foram estudadas 396 pessoas: 210 mulheres e 186 homens. Os participantes pertenciam a seis grupos de universitários de 17 a 29 anos de idade. Os resultados revelaram que, durante um período de observação médio, que variou de dois a dez dias, no decorrer de 17 horas de vigília diárias, as mulheres pronunciaram em média 16.215 palavras por dia, e os homens, 15.669. Realmente, as mulheres foram mais prolixas. Mas, ganharam por apenas 7%, diferença que não alcançou significância estatística.

Apesar do maior rigor metodológico, graças ao emprego de tecnologia digital que impossibilita o participante de identificar os períodos em que a conversa está sendo gravada, o estudo sofre de imperfeições. A mais importante é a de que todos os participantes são estudantes universitários. Uma amostra que abrangesse indivíduos com características étnicas e sociodemográficas mais diversificadas, poderia obter informações mais relevantes.

Por outro lado, caso a propalada verborragia feminina tivesse bases neuropsiquiátricas ou adaptativas sólidas, não haveria razão para que nos seis grupos de universitários elas se comportassem de forma diversa do restante da população.

Os homens convencidos de que o sexo oposto faz uso abusivo da palavra, precisam admitir que podem estar enganados. Não existe base científica para essa afirmação.

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