Apesar da condição, indivíduos com a trissomia do 21 vivem como qualquer outra pessoa. Entenda a síndrome de Down.
Até o início do século 20, a expectativa de vida de uma pessoa com síndrome de Down era de cerca de 10 anos. Hoje, os indivíduos com a condição, causada por uma alteração genética no cromossomo 21, vivem, em média, 60 anos, segundo estudos e organizações nacionais e internacionais. A expectativa de vida no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 77 anos.
Um dos motivos para o aumento da esperança de vida do homem e da mulher com a trissomia do 21 (termo usado para se referir à presença de um cromossomo extra), segundo a professora dra. Rosane Lowenthal, vice-diretora do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), é a evolução da ciência e dos tratamentos disponíveis.
“Praticamente 50% das crianças com síndrome Down, em especial os meninos, nascem com cardiopatias congênitas (conjunto de malformações na estrutura ou na função do coração). Mas hoje, nós temos diagnósticos e tratamentos precoces que vêm dando resultados”, disse ela.
Além do avanço da medicina, falou a dra. Rosane, outro motivo foi a inclusão. “Antes, as pessoas com síndrome de Down ficavam afastadas da sociedade, mas isso mudou. Estamos tendo a primeira geração de adultos incluídos na sociedade desde muito cedo, que frequentam escolas regulares, trabalham, são independentes, namoram, têm momentos de felicidade e, por que não, também passam por tristezas.”
É o caso de Bruna Teresa Santos, 40 anos, de Sorocaba (SP), diagnosticada com a trissomia do 21 ao nascer. Ela frequentou escola regular, fez diversos cursos e sempre trabalhou. Desde o final de 2021, Bruna é funcionária em uma grande rede de farmácias, onde organiza prateleiras, guarda produtos na geladeira e abre saquinhos. Antes, foi colaboradora de uma empresa de fast food, de um centro de medicina diagnóstica e até de uma indústria. Só de carteira assinada, contou ela, são quase 24 anos.
Mas a vida de Bruna não é só trabalhar. Ela tem uma vida com qualquer outra pessoa, e também sofre com os dramas da existência. Recentemente, ela passou por uma situação vivenciada por muita gente no Brasil, país conhecido por ter o maior número de infiéis na América Latina, segundo pesquisa de um aplicativo de namoro.
“Meu antigo namorado (também com síndrome de Down), com quem fiquei cerca de cinco anos, me traiu com minha melhor amiga. Sofri muito”, contou ela para a reportagem, agora rindo da situação.
A “bad” já passou – o tempo, como diz o ditado popular, cura tudo. Além disso, hoje Bruna tem outro namorado (é o terceiro, contando o traidor), com quem vai ao cinema, passeia no shopping, sai para comer em pizzarias e faz outros programas de casal.
Os pais de Bruna – Tomás André Santos, 67 anos, e Célia Regina Santos, 65 anos – disseram que sempre procuraram criar um ambiente propício para a autonomia dela. Por causa disso, ela sabe se comunicar bem, fez curso básico de inglês, faz hoje aulas de violão – “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, é sua música preferida -, escolhe sua própria roupa e vai ao salão de beleza sozinha.
“Uma pessoa com síndrome de Down não é doente, ela tem apenas um cromossomo a mais, uma genética específica. Às vezes um Down é infantilizado, e as pessoas acham que é por causa da trissomia, mas não é. Ele é infantilizado porque a família e o meio o tratam assim”, disse Santos.
“O ex-namorado da Bruna colocou ‘chifre’ nela, e ela sofreu, mas isso aí todo ser humano passa, e eles também têm o direito de passar. Mas muitos pais não querem (e é compreensível, pois querem protegê-los), só que aí eles não evoluem emocionalmente, e ficam crianças a vida inteira, porque não têm experiências reais de vida para poder amadurecer e crescer”, completou ele.
Há 17 anos, Santos e Célia tocam o Felicidade Down, uma comunidade que busca a inclusão e a socialização de pessoas com a condição. Por meio do grupo, eles promovem projetos culturais, como teatro e dança, encontros entre indivíduos com a síndrome, dão orientações a familiares, entre outras atividades. “Não há limites para eles”, disse Célia.
Casamento Down
E a Célia está certa. No Brasil e no mundo, há diversos exemplos de pessoas com a condição se destacando. Um deles é o escritor e palestrante Vinicius Ergang Streda, 35 anos. A síndrome de Down não impediu o morador do pequeno município de Santo Cristo (RS) de ter uma oratória e um português afiados. Ele viaja o Brasil todo dando palestras sobre inclusão.
Em 2010, ele e sua prima, a psicopedagoga Carina Streda, lançaram até um livro, chamado “Nunca deixe de sonhar”. Na obra, Streda fala sobre suas experiências. Assim como Bruna, ele frequentou escola regular e também tem um histórico profissional em empresas – antes de embarcar na vida das letras e dos palcos, trabalhou no mercado de seus pais e em uma agroindústria.
“Tive todo acesso às condições de igualdade, em toda sociedade, e isso é muito importante para gente. E hoje, tenho um dia a dia normal como qualquer outra pessoa. Trabalho, faço atividades físicas, vou ao banco, pago contas, às vezes tenho dívidas, e convivo com minha esposa, a Tathi, por quem sou apaixonado”, disse ele para a reportagem, feliz da vida.
No dia 11 de março deste ano, Streda oficializou o matrimônio com a atriz, empresária, escritora e influencer Tathi Piancastelli, 38 anos. A união foi transmitida ao vivo no YouTube e a notícia até saiu em uma badalada revista de entretenimento e de celebridades. Os dois decidiram morar juntos, sozinhos, em Campinas (SP), onde ela vive.
“Vamos continuar trabalhando muito com questões de inclusão social, eu como escritor e palestrante, levando a mensagem de autonomia e independência das pessoas com síndrome de Down, e ela com os espetáculos ‘Oi, eu estou aqui’ e ‘Menina dos Meus Olhos’”. As duas peças também abordam o tema aceitação social e inclusão.
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Cuidados com a saúde
Apesar da possibilidade de terem uma vida igual a de qualquer outra pessoa, indivíduos com síndrome de Down precisam tomar alguns cuidados extras com a saúde. Isso porque, de acordo com documentos do Ministério da Saúde e vários estudos, eles têm maior risco de desenvolver doenças do envelhecimento, como o Alzheimer, e excesso de peso.
No caso do Alzheimer, conforme o Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) e diversas pesquisas, um dos motivos é a presença de um gene (segmento do DNA com instruções para produção de moléculas do corpo) que fabrica a proteína beta-amilóide. O acúmulo dessa proteína é uma das características da doença.
Já o excesso de peso está relacionado a alterações hormonais. De acordo com uma cartilha da ONG brasileira Movimento Down, entre 4% e 18% da população com a trissomia no cromossomo 21 podem ter disfunções da tireoide (glândula que produz os hormônios responsáveis por diversos controles no organismo).
A Bruna, de Sorocaba, está dentro dessa estatística, e teve que mudar de rotina. Ela acabou ficando com umas gordurinhas a mais, em parte por causa de alterações hormonais. “Comecei a fazer caminhadas regulares no quintal de casa, às vezes de uma hora e meia. Também tenho uma cesta de basquete. Perdi 28 quilos”, disse ela.
Para a professora Rosane, da FCMSCSP, praticar alguma atividade é essencial. “É muito importante fazer exercícios físicos e manter uma alimentação equilibrada. O adulto que tem vida saudável, faz esporte, trabalha e é ativo, normalmente tem mais qualidade de vida”, disse ela, que também é mãe de um adulto com síndrome de Down.
Bruna também mudou a alimentação. Por recomendação médica, ela começou a fazer um regime à base de proteína, e procura não consumir carboidrato, açúcar e refrigerantes. Santos e Célia também aderiram à mudança. “Na verdade, nós mudamos a dieta para todos na casa. É algo saudável para ela e para a gente também”, disse Santos.
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