Funções do fígado | Entrevista

Da filtragem de micro-organismos à desintoxicação do corpo, são múltiplas as funções do fígado. Saiba mais sobre esse órgão na entrevista com especialista.

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Publicado em: 18 de fevereiro de 2012

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Da filtragem de microorganismos à desintoxicação do corpo, são múltiplas as funções do fígado.

 

O fígado leva a culpa de todos os exageros que cometemos pela vida afora. A ressaca ou a dificuldade de digestão, comuns quando se come ou bebe demais, em geral, são atribuídas ao mau funcionamento do fígado e não aos excessos praticados.

Talvez isso explique a existência, no mercado, de uma quantidade enorme de produtos farmacêuticos que explora certas crendices populares a respeito do fígado. Trata-se de drogas que nunca demonstraram os efeitos hepatoprotetores que seus fabricantes apregoam. Na verdade, não há um único medicamento capaz de “proteger” o fígado. Quando ele dá sinais de sofrimento, na maior parte das vezes, já foi seriamente agredido pela repetição de alguns maus hábitos de vida.

 

FUNÇÕES HEPÁTICAS

 

Drauzio — Para que serve o fígado além de levar a culpa quando se come ou bebe demais?

Luís Caetano da Silva – O fígado, que se localiza do lado direito do abdômen, é a maior glândula do organismo. Pesa em torno de um mil e trezentos a um mil e quinhentos gramas no homem e um pouco menos (aproximadamente duzentos gramas menos) nas mulheres.

Ele é constituído por milhões de células, como se fossem milhões de tijolinhos agrupados. Cada célula representa uma micro-indústria e desempenha uma função específica, essencial para o equilíbrio do organismo.

 

Drauzio – Quais as principais funções do fígado?

Luís Caetano da Silva – O fígado é um órgão de funções múltiplas e fundamentais para o funcionamento do organismo. Entre elas, destacam-se:

a) Secretar a bile

A bile é produzida pelo fígado em grande quantidade, de 600ml a 900ml por dia. Num primeiro momento, ela se concentra na vesícula e depois é enviada para o intestino, onde funciona como detergente e auxilia na dissolução e aproveitamento das gorduras. Por isso, quando os canais da bile entopem, o metabolismo das gorduras fica prejudicado;

b) Armazenar glicose

A glicose extraída do bolo alimentar é armazenada no fígado sob a forma de glicogênio, que será posto à disposição do organismo conforme seja necessário. Nesse caso, as células hepáticas funcionam como um reservatório de combustível. Quando o cérebro, o músculo do coração, os músculos esqueléticos ou qualquer outra parte do corpo precisam de energia, a glicose é enviada para a circulação. Se não houvesse esse sistema de estocagem, teríamos de comer o tempo todo para garantir o suprimento de energia. Doenças hepáticas em fase avançada provocam a perda dessa capacidade e prejudicam o fornecimento de glicose;

c) Produzir proteínas nobres

Entre elas, destaca-se a albumina, uma substância muito importante para o organismo, porque mantém a água dentro da circulação. É a propriedade osmótica ou oncótica.  Quando a produção de albumina diminui, a água escapa das veias, extravasa para os tecidos que estão debaixo da pele e produz inchaço, ou seja, edemas nas pernas, barriga d’água (ascite), etc. Além dessa, a albumina tem outra função curiosa. Serve de meio de transporte, na corrente sanguínea, para outras substâncias, como hormônios, pigmentos e drogas.

A falta de albumina não é a única explicação para o inchaço característico dos alcoólicos. Na cirrose, por exemplo, doença comum nos usuários de álcool, os rins retêm água e sódio o que também ajuda a produzir inchaço.

É importante, ainda, mencionar as proteínas ligadas ao processo de coagulação do sangue. Se o fígado não está trabalhando bem, o nível dessas substâncias baixa e aumenta a probabilidade de sangramentos abundantes, que podem ser provocados por ferimentos ou ocorrer espontaneamente pelo nariz (epistaxe), pelas gengivas, pela urina ou em menstruações exageradas;

d) Desintoxicar o organismo

O fígado tem a capacidade de transformar hormônios ou drogas em substâncias não ativas para que o organismo possa excretá-los;

e) Sintetizar o colesterol

No fígado, o colesterol é metabolizado e excretado pela bile;

f) Filtrar microorganismos

Há uma extensa rede de defesa imunológica no fígado. Além das células hepáticas, existem inúmeros “tijolinhos” responsáveis por segurar bactérias ou outros micro-organismos que transmitem infecções. Algumas doenças hepáticas, a cirrose, por exemplo, interferem nesse processo e tornam os indivíduos mais vulneráveis a infecções;

g) Transformar amônia em ureia

O fígado é um órgão privilegiado. Tem uma artéria e uma veia de entrada e uma veia de saída. A veia de entrada recebe o nome curioso de “veia porta” e é responsável por 75% do sangue que chega ao fígado, levando consigo substâncias importantes, como as vitaminas e as proteínas. No entanto, por ela chega também a amônia produzida no intestino e derivada especialmente de proteínas animais para ser transformada em ureia. Se o órgão estiver lesado, a amônia passará direto para a circulação e alcançará o cérebro, provocando, no início, alterações neuropsíquicas (mudanças de comportamento, esquecimento, insônia, sonolência) e, depois, pré-coma ou coma.

 

Drauzio – Por que o fígado sangra muito?

Luís Caetano da Silva — O fígado é um órgão embebido em sangue. Por ele passam um litro e duzentos ou um litro e meio de sangue por minuto. Esse sangue sai pelas veias supra-hepáticas e vai para o coração. Se o coração, que é nossa bomba, estiver com problemas, o sangue será retido no fígado que aumentará de tamanho. Os sintomas que surgem, então, aparentemente ligados à insuficiência hepática, referem-se aos problemas cardíacos instalados.

 

CAPACIDADE REGENERATIVA DO FÍGADO

 

Drauzio – O fígado é um órgão de intensa capacidade de regeneração. Gostaria que você se detivesse um pouco nessa maravilha que ele representa para o corpo humano.

Luís Caetano da Silva – Se retirarmos metade do fígado, em poucos meses, ele voltará ao tamanho normal. Isso é extremamente importante. porque justifica os transplantes intervivos feitos atualmente. O pai ou a mãe podem doar parte de seu fígado para o filho contando com o crescimento posterior desse órgão no doador e no receptor.

Essa capacidade regenerativa pode ser comprometida por certas doenças.  Na cirrose, por exemplo, algumas células morrem, enquanto outras, que se mantêm vivas, regeneram-se e tentam compensar as perdas sofridas. Infelizmente, essa regeneração é bloqueada pelas cicatrizes fibrosas que se formaram no fígado, tornando-o menor e mais rígido. Nessa tentativa frustrada de recuperação, as células formam nódulos que devem ser observados constantemente.

 

Drauzio – Quais são as consequências dessa transformação patológica?

Luís Caetano da Silva – O fígado fica rígido como uma malha grossa o que dificulta a penetração e a circulação do sangue. Como consequência, ocorre a hipertensão portal, isto é, aumenta a pressão na veia porta. Esse aumento de pressão se reflete nas veias do estômago e do esôfago, produzindo varizes internas que podem sangrar no futuro. O baço, localizado à esquerda do abdômen, também se altera. Uma de suas funções é destruir glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas. Se a hipertensão portal provocar o crescimento do baço, seu funcionamento se intensificará e serão destruídas mais células do que seria desejável. Por isso, não é raro encontrarmos pacientes cujo exame de sangue revela um número baixo de plaquetas, indicativo de cirrose hepática absolutamente assintomática.

 

ÓRGÃO SILENCIOSO E RESISTENTE

 

Drauzio – Fale um pouco sobre a enervação do fígado. O fígado pode doer?  

Luís Caetano da Silva – Dentro do fígado não há nervos. Portanto, ele não dói. Entretanto, a cápsula que o envolve é bastante enervada. Por isso, quando nele se introduz uma agulha para retirar material para biópsia, é preciso anestesiar não só a pele e o músculo entre as costelas, mas também a cápsula. Quando o órgão aumentou muito de volume ou está comprometido por abscesso ou tumoração que comprimem essa cápsula, é ela a responsável pela dor que a pessoa sente .

 

Drauzio – O fígado é um dos órgãos mais importantes do organismo e, ao contrário da maioria, trabalha sem estardalhaço. O coração bate o tempo inteiro. Se você corre ou fica nervoso, parece que ele quer saltar pela boca. O pulmão, você sente funcionar sempre. As vísceras responsáveis pela digestão dão sinal quando sobrecarregadas por excessos na alimentação ou na bebida. O fígado sofre calado. Que males esse silêncio pode esconder?

Luís Caetano da Silva – O grande problema do fígado é que as patologias hepáticas são silenciosas. Muitos pacientes que nos procuram estão com cirrose sem terem notado sintoma algum da doença. No entanto, ele produz sinais sugestivos. A icterícia, por exemplo. Esse amarelo que tinge os olhos é um sinal importante, que não deve ser confundido com o amarelo isolado da pele, quando se come muita cenoura e mamão, alimentos ricos em caroteno. Importante também é o aparecimento sob a pele de sinais semelhantes a pequenas aranhas formadas pelo cruzamento dos vasos sanguíneos, que recebem o nome sugestivo de spider, e que permitem fechar, com grande margem de segurança, o diagnóstico de cirrose hepática.

 

Drauzio – Parece que a evolução da espécie humana, durante milhões e milhões de anos, veio selecionando essa glândula para ser extremamente resistente aos efeitos deletérios das substâncias nocivas ao organismo. Quando os sinais dos maus tratos aparecem o problema pode ser antigo. Em geral, o indivíduo descobre que tem cirrose depois de ter bebido muito, ou de ter sido infectado pelo vírus B ou C, há bastante tempo.

Luís Caetano da Silva — É verdade. O fígado é muito resistente. Inclusive resistente a alimentos. É comum os pacientes com cirrose ou hepatite crônica estranharem que o médico não lhes prescreva uma dieta alimentar, mas ela é absolutamente desnecessária. Na verdade, não é o fígado, mas o estômago, o esôfago, o duodeno ou o intestino que reagem mal à ingestão de alimentos gordurosos ou muito apimentados. O fígado, porém, não tolera álcool nem certas drogas.

 

Drauzio — Os remédios usados para proteger o fígado são eficazes?

Luís Caetano da Silva — A intenção é boa, mas os remédios não são eficazes. O fígado é como uma indústria que precisa trabalhar. Estaremos ajudando muito se não prejudicarmos sua atividade com drogas, bebidas alcoólicas e evitando adquirir alguns vírus que possam minar sua resistência.

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