Estilo de vida e doenças cardíacas | Entrevista

O estilo de vida está intimamente ligado às doenças cardiovasculares. Saiba como evitá-las.

Dr. Protásio Lemos da Luz é medico cardiologista, pesquisador, professor livre-docente e dirige a Unidade de Aterosclerose do INCOR, o Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo. Dr. Orsine Valente é médico, professor-adjunto da disciplina de Medicina de Urgência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e de Endocrinologia na Faculdade de Medicina do ABC (SP). postou em Entrevistas

prato de salada, peso e fita métrica sobre a mesa, indicando estilo de vida saudável

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Publicado em: 28 de setembro de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Vários estudos afirmam que o estilo de vida está relacionado a doenças cardíacas. Veja como uma rotina saudável influencia na saúde do coração.

 

Durante muito tempo acreditou-se que a mulher estivesse mais protegida do que o homem contra as doenças do coração. De fato ela está até entrar na menopausa. Daí em diante, o risco é igual nos dois sexos. As doenças cardiovasculares – infartos do miocárdio, derrames cerebrais – acometem indistintamente homens e mulheres, não respeitam classe social, poder econômico ou localização geográfica das residências, e são responsáveis por mais ou menos um terço de todas as mortes.

 

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Já está provado que fatores de risco para o desenvolvimento dessas doenças, tais como tabagismo, sobrepeso, sedentarismo, colesterol elevado, hipertensão, estão diretamente ligados ao estilo de vida. Infelizmente, a vida moderna favorece a formação de maus hábitos e as pessoas resistem em adotar novos comportamentos, mesmo sabendo dos muitos benefícios que trariam para sua saúde.

Um velho aforismo da Medicina diz que doença boa de tratar é doença que dói. Se o colesterol está lá em cima, a pressão arterial em níveis elevados e a obesidade só incomoda na hora em que a roupa não serve mais, mas o paciente não sente nada, por que procurar um médico e seguir suas recomendações?  E mesmo que o tenha procurado, por insistência de alguém da família ou exigência profissional, fica difícil incorporar um estilo de vida diferente.  Por isso, é importante explicar para o doente, em linguagem acessível, quais são os riscos de determinadas doenças e ajudá-lo a provar que mudanças no estilo de vida realmente fazem efeito.

Outra medida indispensável é educar a população e informá-la sobre a importância de incorporar novos hábitos e comportamentos no dia a dia. Só um trabalho conjunto tornará possível demonstrar o alcance do tratamento não farmacológico para o controle da pressão arterial e prevenção das doenças cardiovasculares.

 

INCIDÊNCIA UNIVERSAL

 

Drauzio – No mundo ocidental, há a crença de que as doenças cardiovasculares eram o preço que pagávamos pela industrialização. Isso é verdade?

Protásio Lemos da Luz – Em parte é verdade, apenas em parte. Estive recentemente na China, representando o Brasil na reunião das academias de ciência do mundo, precisamente para analisar as causas de morte nos países de baixa e média renda. A hipótese anterior era considerar a industrialização responsável pela maior incidência de doenças cardiovasculares. O que se constatou, porém, é que essas doenças são igualmente predominantes nos países de baixa renda da América Latina, da Ásia e da África, ou seja, 29% da mortalidade em todas essas regiões do mundo ocorrem por causa das doenças cardiovasculares.

Outra constatação significativa foi que alguns dos fatores de risco para essas doenças estão muito ligados ao estilo de vida, entre eles, tabagismo, incidência de diabetes, colesterol aumentado, inatividade física, sobrepeso e dietas inadequadas.

É preciso destacar que cada vez mais o excesso de peso tem-se mostrado um problema frequente, mesmo nos países de baixa renda e, que assim como a inatividade física e as dietas inadequadas, é fator de risco ligado ao estilo de vida.

Portanto, estudos mais recentes deixam claro que os grandes fatores de risco para as doenças cardiovasculares são ainda os clássicos e muito têm a ver com o estilo de vida.

 

Drauzio Portanto, são modificáveis.

Protásio Lemos da Luz– São modificáveis. Um estudo chamado Interheart realizado pelo dr. Salim Usup, no Canadá, considerando 52 países do mundo inteiro, incluindo o Brasil e outros países da América Latina, em relação aos fatores associados ao infarto do miocárdio, especificamente, mostrou que alguns níveis de lípides, o tabagismo, a hipertensão, a obesidade, o aumento da circunferência abdominal e fatores psicossociais são responsáveis por 90% dos casos de infarto.

A primeira grande lição disso tudo é que os países de baixa e média renda, bem como os países desenvolvidos, têm a doença cardiovascular como a causa mais importante de mortalidade. A segunda é que os fatores de risco clássicos, muitos deles, estão associados ao estilo de vida. Essa concepção se cristalizou na reunião que tivemos na China. É isso que os médicos devem saber para orientar os pacientes e que os próprios pacientes precisam saber.

 

INTERVENÇÕES NÃO FARMACOLÓGICAS

 

Drauzio Muitas pessoas acham que pressão alta não é doença. Quando o médico levanta a história do paciente, é comum ouvir que ele não tem nenhum problema de saúde, embora esteja tomando remédio para controlar a pressão arterial. Como o estilo de vida pode interferir no tratamento da hipertensão?

Orsine Valente – Hoje se sabe que as medidas não farmacológicas são de fundamental importância para tratamento da hipertensão arterial, uma doença provocada pela associação de fatores genéticos e ambientais. Talvez, uma das mais importantes seja a redução do peso. Atualmente, a obesidade é considerada uma doença. Não deve ser mais motivo de orgulho o filhinho rechonchudo, cheio de dobrinhas. Criança obesa na infância certamente será um adulto obeso, com as comorbidades associadas, por exemplo, diabetes, hipertensão, dislipidemia e aceleração do processo aterosclerótico.

Toda pessoa com excesso de peso, se não for portadora de diabetes ainda, tem glicemia elevada e a elevação dos níveis de insulina aumenta a reabsorção de sal, ativa a adrenalina na circulação e promove a hipertensão arterial.

 

Drauzio – Houve época em que o sal era considerado um veneno para os hipertensos. Esse conceito ainda prevalece?

Orsine Valente – Não, porque existem pessoas que têm hipersensibilidade vascular ao sal e pessoas que não têm. As que não apresentam predisposição genética para desenvolver hipertensão, se ingerirem um pouco mais de sal no churrasquinho de domingo, por exemplo, acionarão mecanismos para liberar determinadas substâncias no sangue que se encarregarão de eliminar o excesso pela urina e a pressão arterial voltará rapidamente aos níveis normais.

No entanto, outras são hipersensíveis ao sal. Por exemplo, os negros. A probabilidade de um negro desenvolver hipertensão é 20% maior do que à de um branco. A explicação é simples. No continente africano, sobreviveram às altas temperaturas de 40º, 45º, os indivíduos capazes de reter sal no organismo. Por isso, a primeira droga que se indica para eles no tratamento da hipertensão é o diurético que ajuda a eliminar o sal.

Concluindo: nem todos que adotam dieta hipersódica vão desenvolver hipertensão. O brasileiro come de 10 gr a 12 gr de sal por dia. O ideal para o indivíduo hipertenso é ingerir 100 meq/dia, isto é, 6 gr de sal. Para ser mais exato, 5,8 gr, ou seja, o equivalente a duas colheres rasas de café com sal.

As estatísticas demonstram que somente um terço dos hipertensos segue o tratamento e mantém a pressão arterial em níveis normais. A grande maioria deixa de tomar a medicação, abandona a dieta com pouco sal e volta a engordar.

Drauzio – Em outras palavras, o hipertenso pode consumir não mais do que a metade da quantidade de sal permitida para os não hipertensos.

Orsine Valente – Apenas metade. É importante dizer que 80% do sal que ingerimos não estão contidos nos alimento, mas são adicionados na hora da refeição. Por isso, o hipertenso tem de ficar longe do saleiro.

É importante destacar que a dieta hipossódica traz benefícios para o controle da pressão arterial. Evita também a hipertrofia do ventrículo esquerdo a longo prazo e ajuda a diminuir a quantidade de cálcio eliminada pela urina, o que reduz a formação de cálculos renais e retarda a evolução da osteoporose. Alguns trabalhos mostram, porém, que dieta muito hipossódica pode induzir certa fadiga e problemas com o sono. Por isso, o consenso atual é não abolir completamente a ingesta de sal.

 

Drauzio – Que outras medidas não farmacológicas são importantes no tratamento da hipertensão?

Orsine Valente –Está comprovado que fazer caminhadas por 30 minutos, de 5 a 7 vezes por semana, por doze semanas consecutivas, aumenta a produção de óxido nítrico com consequente vasodilatação endotelial, o que faz a pressão arterial cair de 5 mmHg a 10 mmHg.

Dr. Protásio chamou a atenção para circunferência da cintura abdominal. O tecido gorduroso que se acumula no abdômen é completamente diferente daquele que se forma noutros locais. Essas células adiposas são hipersensíveis aos receptores cortisol e adrenalina de tal maneira que provocam aumento da gordura no sangue e resistência à insulina.

Por isso, a recomendação é que o emagrecimento ocorra como consequência de uma dieta adequada, fracionada ao longo do dia e sem pular refeições.
É importante também conhecer as propriedades dos alimentos. Um indivíduo com níveis altos de colesterol bem informado sobre o assunto não vai a uma churrascaria e pede 10 coraçõezinhos de frango de entrada.

 

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ESTILO DE VIDA x LONGEVIDADE

 

Drauzio – No Brasil, existe uma cidade no interior do Rio Grande do Sul chamada Veranópolis, cujos habitantes vivem mais do que a média do País. Há outros exemplos de longevidade em certos lugares do mundo. O que faz essas mulheres e homens viver mais tempo?

Protásio Lemos da Luz – O tema de nossa conversa é a associação entre os fatores de risco e a ocorrência de doenças cardiovasculares. A pergunta que cabe, então, é o que acontece se essa realidade for modificada. Três estudos (Rail, Sêneca e Fine) realizados no norte da Europa sobre os resultados da adoção de dieta adequada, consumo moderado de álcool, prática de atividade física e o fato de não fumar, considerando 2.300 pessoas entre 70 e 90 anos de idade, durante 12 anos, mostraram que cada uma dessas intervenções – dieta adequada, consumo discreto de álcool, exercício físico, não fumar, repito – reduzia em mais ou menos 30% o risco de mortalidade por doenças cardiovasculares, risco que caía para 65%, quando as pessoas adotavam as quatro medidas ao mesmo tempo.

É importante lembrar que as grandes pesquisas sobre a prevenção das doenças cardiovasculares realizadas com estatinas, drogas para baixar os níveis de colesterol, que apresentam mais de 20 outros efeitos, indicaram uma diminuição do risco ao redor de 30%. Nunca existiu uma intervenção que o deixasse 65% menor. Portanto, os estudos do norte da Europa mostram que adotar procedimentos de estilo de vida adequado é fundamental para restringir os fatores de risco. Embora isso não custe praticamente nada e não tenha efeito colateral nenhum, não é fácil porque pressupõe mudança comportamental.

Em relação especificamente à sua pergunta, um documentário veiculado pela National Geographic a respeito das populações que vivem mais no mundo mostrou que elas estão concentradas na ilha de Okinawa (Japão), em Loma Linda (Califórnia), na Sardenha (Itália) e, no Brasil, em Veranópolis, cidade do Rio Grande do Sul na zona da colônia italiana.

As características que essas quatro populações têm em comum é que todas elas não fumam e todas mantêm atividade física regular. Não é que sejam atletas. São pessoas que trabalham no campo o dia inteiro. Além disso, todas são ligadas à família e têm atividade social, seja religiosa, seja comunitária, participativa e intensa. Quanto à dieta, basicamente se alimentam com frutas, vegetais e grãos. Veja bem, nessas regiões não há referência nem ao uso elevado de estatinas, betabloqueadores e aspirina, nem a realização  de angioplastia e cirurgias cardíacas.

 

Drauzio – Em outras palavras, nessas populações praticamente inexistem intervenções médicas, cirúrgicas e medicamentosas que justifiquem a longevidade.

Protásio Lemos da Luz – Por isso digo que é preciso prestar atenção nessa experiência da natureza que não se pode atribuir a fatores genéticos. Ao contrário, no Rio Grande do Sul, em sua maioria, os imigrantes são portadores de uma variação genética que até facilita a ocorrência de aterosclerose.

Esses casos de longevidade demonstram a importância do estilo de vida adequado na prevenção do risco para as doenças cardiovasculares. É para seus benefícios que chamamos a atenção da comunidade médica e dos leigos em geral. Está certo que para a pessoa viver mais deve valer-se de tudo que tem à disposição: diagnóstico precoce, ressonância magnética, tomografia, medicamentos e intervenções cirúrgicas. No entanto, se puser na balança os benefícios trazidos por mudanças no estilo de vida, verá que ainda há a vantagem de ele ser mais barato e não ter efeitos colaterais.

 

ADERÊNCIA AO TRATAMENTO

 

Drauzio – Como explicar a resistência de uma pessoa hipertensa e obesa para adotar medidas simples, um estilo de vida diferente, mesmo sabendo que o risco de doenças cardiovasculares aumenta com a idade?

Orsine Valente – Sempre explicamos para as pessoas que nos procuram quais são as consequências dos hábitos errados que têm. Acontece que elas seguem as recomendações por um tempo, apenas. As estatísticas demonstram que somente um terço dos hipertensos segue o tratamento e mantém a pressão arterial em níveis normais. A grande maioria deixa de tomar a medicação, abandona a dieta com pouco sal e volta a engordar. Por isso, o trabalho tem de ser continuado. É preciso reforçar sempre que essas medidas simples, como dr. Protásio chamou atenção, não custam nada e não têm efeito colateral nenhum.

O problema é que a aderência ao tratamento, especialmente ao tratamento não  farmacológico, é difícil. Veja um exemplo. Todo o mundo sabe que o cigarro aumenta a pressão arterial, acelera o processo aterosclerótico, tem repercussões deletérias no pulmão, nas coronárias e em outros vasos. Em fumantes acima de 50 anos portadores de aterosclerose, a pressão arterial chega a subir de 10 mmHg a 20 mmHg, principalmente após o primeiro cigarro do dia. Todo o mundo sabe, mas apenas uma minoria abandona o cigarro, apesar dos esforços do médico para convencer o paciente de que a nicotina é um veneno. Minha impressão é que campanhas frequentes de elucidação sobre as vantagens do tratamento não farmacológico talvez ajudem a melhorar o percentual de aderência ao tratamento.

 

Drauzio – Que mensagem cada um dos senhores deixaria para quem quer reduzir o risco de doenças cardiovasculares e, consequentemente, viver mais?

Orsine Valente – Diria que procure levar uma vida saudável e pare de fumar. Não adianta tentar diminuir o número de cigarros diários. É preciso parar de vez com essa autodestruição. Se for uma pessoa obesa, aconselho que adote uma alimentação equilibrada, caminhe bastante, faça exercícios. Alimentação adequada não significa fechar a boca. Significa comer com inteligência, fracionando as refeições no decorrer do dia. A experiência mostra que pular refeições é contraproducente, porque a pessoa acaba comendo muito mais em algum momento e engorda. Hipertensos não devem abusar do sal nem do açúcar. Essa recomendação vale também para os não hipertensos.

 

Protásio Lemos da Luz – Concordo com todas as recomendações do dr. Orsine. Acrescentaria somente que a pessoa deve fazer check-up com alguma frequência para saber se está na faixa de risco para a doença cardiovascular e deve informar-se a respeito das características dessas doenças. Acho fundamental ter um conhecimento básico para entender e seguir as recomendações médicas. Na minha opinião, elas não seguem o tratamento, porque grande parte dessas doenças são assintomáticas nas fases iniciais. Se a pessoa não sente nada, por que se preocupar? Além disso, mudar o estilo de vida não é fácil, mas é de extrema importância para controlar os fatores de risco clássicos das doenças cardiovasculares.

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