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Cirurgia das coronárias | Entrevista

Paciente sendo operado na sala de cirurgia. Cirurgia bariátrica não é solução definitiva para obesidade
Publicado em 01/04/2013
Revisado em 11/08/2020

A cirurgia das coronárias consiste na implantação de um enxerto retirado da ponte de safena ou da artéria mamária. Conheça o procedimento.

 

O coração é um músculo que contrai e dilata para bombear o sangue venoso rico em gás carbônico com a finalidade de empurrá-lo para os pulmões para ser oxigenado. Transformado em sangue arterial, ele volta para o coração (pequena circulação), que funciona como uma bomba hidráulica do sistema cardiovascular, e é distribuído por todo o organismo (grande circulação).

O coração está situado no mediastino, em contato íntimo com todos os órgãos que existem nessa região do tórax entre os dois pulmões. Ele é coberto por uma membrana resistente chamada pericárdio, que protege o miocárdio constituído por uma camada de fibras musculares especiais e o endocárdio, a parte interna.

Para funcionar, o músculo cardíaco precisa do oxigênio trazido pelo sangue através das artérias coronárias que saem da aorta e vão se dividindo em ramos cada vez menores à medida que penetram a musculatura cardíaca. Quando uma dessas artérias é obstruída por uma placa de ateroma ou coágulo, a parte do músculo que depende dela pode sofrer isquemia, se a obstrução for parcial, ou necrose, se a circulação sanguínea for completamente interrompida.

Esses episódios provocam sintomas. Quando o fluxo sanguíneo é insuficiente para atender à necessidade do músculo submetido à solicitação mais intensa, em geral, a pessoa sente uma dor no peito conhecida como angina. Já no infarto do miocárdio, a oclusão brusca da artéria causa sofrimento rápido e extenso na musculatura cardíaca e a dor em aperto no peito pode irradiar-se para o queixo, braço esquerdo ou para os dois braços.

Nos quadros de obstrução num ramo terminal da artéria coronária, os sintomas são discretos e, às vezes, até passam despercebidos. O problema está quando ela ocorre em um ou mais ramos da artéria.

O tratamento da obstrução das coronárias pode ser clínico, o que pressupõe uso de medicação e controle da dieta, ou depender da colocação de stents para comprimir a placa contra a parede da artéria comprometida e restabelecer o fluxo sanguíneo. Em certos casos, só a cirurgia resolve o problema com a implantação de um enxerto retirado da veia safena ou da artéria mamária.

 

DIAGNÓSTICOS

 

a) Exames não invasivos: eletrocardiograma, teste ergométrico, cintilografia.

 

Drauzio  Como você orienta o doente que se queixa de opressão no peito e falta de ar quando se submete a esforços mais intensos?   

Noedir A. Groppo Stolf – O quadro típico de lesões nas coronárias é dor em aperto na parte central do peito, às vezes dor em queimação, que pode irradiar-se para o queixo, para o braço esquerdo ou para os dois braços. Na angina, ela aparece quando o indivíduo faz um esforço de qualquer natureza. No infarto, é uma dor prolongada, com ou sem fator desencadeante, que habitualmente leva à internação na UTI.

Quando os sintomas estão bem delineados, o quadro clínico e o eletrocardiograma mostram alterações suficientes para levantar a suspeita de problema nas coronárias, o doente deve ser encaminhado para estudo mais invasivo, a fim de detectar a presença ou não de estreitamentos ou de obstrução nas coronárias.

Já os quadros que não são típicos de doença coronariana permitem começar a avaliação por exames menos invasivos, como o teste ergométrico, um eletrocardiograma de esforço na bicicleta ou na esteira. Nos pacientes que não podem submeter-se a esforço físico maior, utiliza-se uma droga que estimula o sistema cardiocirculatório.

Outro exame importante para diagnóstico das lesões coronarianas é a cintilografia do miocárdio.

 

Drauzio – Como é feito esse exame?

Noedir A. Groppo Stolf – Injeta-se uma substância radioativa que se distribui pelo músculo cardíaco, enquanto o paciente faz o teste de esforço. A radiação é captada por um equipamento especial que registra o local em que está deficitária. Como essa capacitação é medida em várias etapas, logo após os exercícios e em repouso, é possível determinar se alguma área sofreu um infarto prévio, ou se, apesar da lesão, o sangue continua fluindo de alguma maneira.

 

Drauzio – Qual a sensibilidade desses exames para detectar lesões nas coronárias?

Noedir A. Gropp Stolf – Oscila entre 85% e 90% a sensibilidade desses dois exames – eletrocardiograma de esforço e cintilografia do miocárdio com substâncias radioativas – para detectar ou afastar a presença de lesão coronária significativa.

 

b) Exame invasivo: cateterismo

 

Drauzio – Quando esses exames mostram alguma alteração, qual é o procedimento?

Noedir A. Groppo Stolf – Pede-se que o paciente faça o cateterismo cardíaco para realizar um estudo angiocardiográfico e, especificamente, uma coronariografia. O cateterismo é classificado como exame padrão-ouro para diagnóstico de lesões nas coronárias.

 

Drauzio  Como é feito o cateterismo?

Noedir A. Groppo Stolf – Por uma pequena incisão na prega interna do cotovelo ou na virilha, introduz-se um cateter no sistema arterial que é impactado no ósteo da coronária e chega ao coração. É por esse cateter que se injeta um contraste radiológico com iodo opaco aos raios-X. A seguir, são feitas filmagens em várias posições que permitem identificar estreitamentos ou obstruções nas coronárias.

 

Drauzio – O doente é anestesiado?

Noedir A. Groppo Stolf – O doente fica acordado e nem mesmo sedação se faz de rotina, porque o exame é praticamente indolor. Na verdade, a dor é menor do que a da anestesia do dentista. Entretanto, por causa das injeções de contraste, ele pode sentir um pouco de desconforto, que será maior se a pessoa estiver tensa e ansiosa.

 

Drauzio – Provavelmente, no futuro, existirão métodos de diagnóstico menos invasivos do que o cateterismo, mas hoje ele ainda é um exame definitivo para o diagnóstico de cardiopatias?

Noedir A. Groppo Stolf – É um exame definitivo. Gostaria de mencionar, porém, que já estão disponíveis, no Brasil e particularmente em São Paulo, as tomografias chamadas de multi-slices ou multidetectores.  São os tomógrafos de 64 detectores de última geração, que permitem obter imagens de ótima qualidade num tempo mínimo, pois o software reconstrói tridimensionalmente todas as artérias coronárias da mesma maneira que a coronariografia o faz. A questão é que ainda estamos comparando as imagens da coronariografia padrão-ouro com as da tomografia dos multidetectores. O consenso é que, se não houver suspeita forte de doença cardíaca e se as imagens da tomografia não mostrarem nenhuma alteração, nenhum artefato – digo artefato, porque a presença de cálcio, por exemplo, pode deixar dúvidas quanto à avaliação do quadro –, essa técnica poderia dispensar a cinecoronariografia por cateterismo. No entanto, ainda há obstáculos para implementá-la como o alto custo e a pouca disponibilidade de aparelhos.

 

Veja também: Angiografia

 

AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS

 

Drauzio – Qual a conduta nos casos em que o cateterismo mostrou obstrução numa artéria e sofrimento em determinada área da musculatura cardíaca por causa da circulação sanguínea deficiente? 

Noedir A. Groppo Stolf – O primeiro passo é determinar o grau da obstrução. Se for inferior a 50% da luz do vaso, não causará diminuição maior do fluxo; entre 50% e 70% o risco de isquemia é pequeno, mas acima de 70%, aumenta a possibilidade de ocluir o vaso e diminuir muito o fluxo na região da isquemia.

O segundo ponto é determinar a localização e o número de obstruções nas artérias coronárias, que se originam na aorta. A coronária direita é uma artéria isolada e a coronária esquerda se divide precocemente em dois ramos: descendente anterior e circunflexa. Por isso, consideram-se três troncos principais para a avaliação do quadro e a indicação da cirurgia.  Se a lesão estiver na parte mais alta da artéria coronária esquerda, a conduta é sistematicamente cirúrgica, porque mais de 90% dos doentes morrerão se o tronco for ocluído.

Outras situações em que a conduta é encaminhar o paciente para a cirurgia é a presença de obstrução em dois ou três ramos arteriais, com graus internos de isquemia. Nos casos de lesão numa única artéria, o recurso terapêutico é o cateterismo intervencionista, isto é, a angioplastia, que consiste na dilatação da artéria seguida do implante de um stent na área obstruída pela placa.

 

ANGIOPLASTIA

 

Drauzio – O que é e como é colocado o stent?

Noedir A. Groppo Stolf – Stent é uma estrutura metálica introduzida fechada na artéria e expandida no local onde está a placa de aterosclerose que provoca o entupimento. Ao ser comprimido, o conteúdo fibrótico da placa é esmagado contra as paredes da artéria e o stent ali colocado garante a passagem do sangue.
Esse procedimento é realizado por cateterismo intervencionista, ou seja, utilizando um cateter com visor na extremidade que ajuda a localizar o ponto exato em que está a obstrução.

A primeira geração de stents promoveu um grau bastante alto de recidivas. Já os de segunda geração são impregnados com substâncias que melhoram as condições locais para evitar a volta das lesões, pois diminuem o crescimento de tecido em volta deles. Entre elas destacam-se os quimioterápicos usados no tratamento do câncer para diminuir a proliferação tecidual e as drogas imunossupressoras indicadas para suprimir a rejeição dos órgãos nos transplantes.

 

Drauzio – O que acontece se o stent for implantado numa artéria com 80% de obstrução? 

Noedir A. Groppo Stolf – O grau de estreitamento pode ser abolido totalmente ou pode restar uma pequena obstrução que diminui o calibre da artéria em 20% ou 30%. O controle do procedimento é feito assim que foi realizada a angioplastia e o doente precisa receber drogas para evitar trombose na área manipulada durante a intervenção.

 

Drauzio – É sempre possível colocar um stent?

Noedir A. Groppo Stolf – Não é. Além do número e da localização das lesões, a extensão da placa, a presença de cálcio na placa e de diabetes são elementos que pesam mais a favor da cirurgia. No caso específico dos diabéticos, estudos estão começando a sugerir que talvez o implante de stents melhore o resultado do tratamento nesses pacientes.

 

Drauzio – Qual é a proporção de doentes com obstrução nas coronárias que podem implantar stents?

Noedir A. Groppo Stolf – Essa pergunta não tem resposta precisa. Vai depender do ajuizamento do clínico que acompanha o doente, do cirurgião e do hemodinamicista a quem cabe realizar o procedimento de colocação de stents. Nos Estados Unidos, os hemodinamicistas são muito agressivos. No Brasil, são menos. Digamos que, se o critério não for muito intervencionista, em média, 30% dos doentes com obstrução das coronárias podem receber o stent e 70% são encaminhados para a cirurgia.

 

Drauzio – Que cuidados requer o paciente depois da angioplastia?

Noedir A. Groppo Stolf – Depois da angioplastia, ele recebe uma associação de drogas que atuam nas plaquetas (componentes do sangue importantes na coagulação). A aspirina, por exemplo, é um excelente inibidor da agregação das plaquetas e da trombose. Atualmente, já existem outras drogas potentes para inibir a agregação plaquetária.

A grande vantagem do cateterismo intervencionista é que o procedimento pode ser ambulatorial, isto é, o doente não precisa ficar internado no hospital. Ele pode chegar de manhã e ir embora à noite, ou chegar à tarde e ir embora na manhã seguinte.

 

Drauzio  Quando esses doentes podem retornar à vida normal?

Noedir A. Groppo Stolf – Tanto o doente operado quanto o submetido à angioplastia com stent podem voltar imediatamente à atividade. É óbvio que ambos devem fazer controles clínicos periódicos e exames específicos para detectar isquemias, seja o teste ergométrico, seja o mapeamento das coronárias com radioisótopos.

 

Drauzio – Qual é o índice de recidivas com os stents de última geração?

Noedir A. Groppo Stolf – O índice de volta das lesões gira em torno de 10% mesmo que os stents usados sejam de última geração. Isso nos permite dizer que os resultados da cirurgia são mais eficientes para afastar o problema.

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