Especialistas recomendam evitar a inalação em altas temperaturas e indicam a busca por apoio psicológico e médico.
A inalação de drogas como cocaína e crack provocam efeitos de gravidade variada no nariz, a depender da quantidade de droga consumida. As substâncias podem causar sangramento, vermelhidão, secreção e constrição dos vasos sanguíneos; e também podem tornar a região mais suscetível a infecções, necrose dos tecidos e perda de estruturas anatômicas como o septo nasal.
Por isso, o tratamento dos pacientes deve conciliar a melhora funcional e estética do nariz e, em simultâneo, abranger questões psicológicas que motivam o consumo de drogas. É o que recomenda a otorrinolaringologista Luthiana Frick Carpes. “A cocaína representa uma agressão à mucosa do órgão. Naturalmente, temos camadas protetoras e a substância agressiva destrói os cílios – que servem para filtrar germes, bactérias e partículas indesejáveis”, informa. A médica relembra um caso bastante delicado em sua carreira.
Em 2007, uma paciente de 34 anos foi internada em Porto Alegre (RS), com lesões gravíssimas no nariz. Ela foi atendida pela profissional devido à destruição do septo nasal e outras estruturas anatômicas que, inicialmente, não foram relacionadas ao uso de cocaína. “A paciente omitiu o uso da substância, então levou um tempo para o diagnóstico. Realizamos até exames complexos como a biópsia da lesão a fim de verificar se não havia doenças relacionadas”, relembra a médica.
Após a confirmação do uso da substância, a paciente foi encaminhada à equipe de cirurgia plástica do hospital para a realização de cirurgias reconstrutivas com a utilização de retalhos de cartilagem. Ela também recebeu apoio do serviço de psiquiatria para orientá-la sobre a adição. “A cocaína diminui o aporte de sangue nos vasos sanguíneos e, quando isso acontece, os tecidos que estão sendo alimentados pelo vaso são prejudicados, e podem até morrer”, explica a otorrinolaringologista.
O caso documentado pela médica é considerado resultado de uso abusivo de droga, mas ela recomenda que a inalação em qualquer quantidade seja relatada aos profissionais de saúde, especialmente quando a queixa envolve a saúde do nariz. “O ideal é procurar um profissional da sua confiança. Também é importante lembrar do sigilo médico”, orienta.
Cocaína, crack e redução de danos
O psicólogo Bruno Logan trabalhou com usuários de drogas na região conhecida como Cracolândia, em São Paulo, por três anos. A partir dessa experiência, o profissional começou a criar conteúdo nas redes sociais sobre estratégias de redução de danos para orientar cidadãos e outros profissionais de saúde mental a lidar com o tema. Ele define redução de danos como “uma ética de cuidado, ou seja, uma forma de olhar para a questão das drogas colocando o sujeito como protagonista do próprio cuidado”.
O Ministério da Saúde adota a Política de Redução de Danos na Saúde Pública há mais de 30 anos. O marco inicial ocorreu pelo programa de substituição das seringas utilizadas por usuários de drogas injetáveis, em Santos (SP), a fim de evitar contaminação por HIV e outros patógenos. A instituição estima que 23% dos usuários atendidos por programas de redução de danos procuram tratamento para a dependência química.
“A primeira coisa que a gente precisa fazer é informar essas pessoas sobre seus direitos, mostrar que elas não perderam a cidadania e explicar os riscos e os danos associados a essas drogas”, aconselha Logan. O psicólogo reforça que também existem múltiplas consciências a respeito da situação: alguns usuários interrompem o uso de drogas porque desejam, outros não conseguem parar e há aqueles que ainda não querem.
De qualquer forma, é importante lembrar as estratégias de consumo. O Ministério da Saúde recomenda propostas de redução de danos, como beber bastante água, usar equipamento próprio para cheirar ou injetar, fracionar as doses e lavar a mão. O psicólogo Logan reforça a importância do fracionamento para evitar a overdose.
A dra. Carpes também chama a atenção para o recipiente que contém as substâncias e recomenda evitar o uso em temperaturas altas, visto que a anestesia da região, causada pela droga, inibe a sensação de eventuais lesões provocadas pelo calor. Ela também orienta evitar o consumo em latas de tintas que podem ter produtos químicos perigosos.
“Não existe um medicamento para diminuir a agressão ao nariz. A doença é a adição, os danos ao nariz são consequências”, finaliza.
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Sobre o autor: Jhonatan Dias é jornalista independente e colabora com o Portal Drauzio Varella. Escreve principalmente sobre pesquisas em saúde, tecnologias e bem-estar.