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Drauzio

Proteína C-reativa e acidentes cardiovasculares | Artigo

As concentrações de proteína C-reativa no sangue são coerentes com os demais fatores de risco para doenças cardiovasculares.
Publicado em 31/03/2011
Revisado em 30/03/2021

As concentrações de proteína C-reativa no sangue são coerentes com os demais fatores de risco para doenças cardiovasculares.

 

Aprendi na faculdade que ataques cardíacos aconteciam quando as coronárias eram entupidas por placas de colesterol. A arteriosclerose seria consequência mecânica da deposição de placas de gordura no interior das artérias, processo irreversível e contínuo que se iniciava a partir da adolescência. Pela teoria, quanto mais gordura no sangue, mais rápida a velocidade de formação da placa, maior a probabilidade de obstrução.

Naquele final dos anos 1960, começava a adquirir popularidade a determinação das concentrações das frações HDL e LDL do colesterol no sangue e passava-se a atribuir a elas valor prognóstico: o HDL seria a fração protetora,ou o “bom” colesterol, e o LDL, o “mau”. Quanto mais alto o LDL, maior o risco de infarto do miocárdio (ataque cardíaco), derrame cerebral e complicações vasculares.

 

Veja também:Leia um artigo do dr. Drauzio sobre regeneração cardíaca

 

Esse conceito foi aceito pelos médicos apesar de evidentes contradições:

  1. Há pessoas que nunca infartam apesar de apresentarem placas extensas, que lhes obstruem significativamente a luz das coronárias. Outras, portadoras de placas insignificantes, com pequeno grau de obstrução, podem sofrer infartos extensos;
  2. Níveis altos de colesterol explicam apenas 50% dos episódios de infarto; a outra metade dos eventos ocorre em pessoas com colesterol normal;
  3. As estatinas, drogas que reduzem as concentrações de colesterol no sangue, administradas a pessoas com LDL elevado, diminuem a probabilidade de ataques cardíacos e derrames cerebrais. Mesmo indivíduos com níveis normais de LDL, no entanto, podem beneficiar-se do uso desses medicamentos.

No início dos anos 1990, surgiu uma linha de pesquisa nos laboratórios da Universidade de Harvard, que apresentaria explicação racional para as contradições acima e, em poucos anos, revolucionará o campo da prevenção e do tratamento da arteriosclerose.

Das pesquisas iniciadas por esse grupo, emergiu o conceito de que a arteriosclerose é um processo inflamatório. Entendê-la e tratá-la como resultado do acúmulo passivo de colesterol nas artérias é uma visão simplista, que deve ser abandonada. A formação da placa é um processo ativo, consequência de uma inflamação que se estabelece no local.

As partículas de LDL em excesso que se acumulam junto às paredes internas de uma artéria sofrem alterações químicas que induzem as células do revestimento interno do vaso a produzir certos mediadores, que atraem glóbulos brancos com a finalidade de digerir essas partículas alteradas. Inicia-se, no local, uma cadeia de reações imunológicas que resultará na deposição de uma camada formada por gordura e glóbulos brancos. Como defesa, na superfície dessa placa gordurosa, forma-se uma cápsula protetora, densa, de tecido fibroso, com o intuito de isolá-la e mantê-la íntegra, emparedada na superfície do vaso, sem interferir significativamente no fluxo sanguíneo (embora estreite a luz do vaso).

O infarto acontece não porque a placa necessariamente ocluiu a artéria afetada, mas quando substâncias resultantes das reações inflamatórias que ocorrem no interior da placa digerem a cápsula protetora e provocam a formação de coágulos, que se desprendem e são levados pela corrente sanguínea.

A caracterização da arteriosclerose como processo inflamatório tem implicações práticas da maior importância: as mesmas células e moléculas envolvidas nas inflamações, resposta a agentes infecciosos e ao trauma, estão intimamente ligadas à gênese do processo arteriosclerótico.

Uma dessas moléculas é a proteína C-reativa, substância presente em pequenas quantidades no sangue de pessoas normais, mas cuja concentração pode aumentar cem ou mil vezes na vigência de processos inflamatórios.

Como a molécula dessa proteína permanece estável por décadas no sangue estocado, nos últimos anos surgiu uma avalanche de estudos que estabeleceram relações bem definidas entre os níveis de proteína C-reativa e o risco de acidentes cardiovasculares. Deles, emergiram explicações mais claras para as contradições ligadas ao colesterol:

1) Níveis elevados de proteína C-reativa estão associados a ataques cardíacos e a derrames cerebrais mesmo em indivíduos com LDL baixo;

2) Níveis elevados de proteína C-reativa guardam relação linear com o número de acidentes cardiovasculares, isto é, quanto mais altos os níveis, maior a probabilidade de acidentes;

3) Pessoas com níveis baixos de LDL e de proteína C-reativa são as que menor risco de doença cardiovascular apresentam. Ao contrário, as que possuem LDL e proteína C-reativa elevados apresentam risco de seis a nove vezes maior;

4) Indivíduos com LDL baixo, que mesmo assim se beneficiam com o uso de estatinas, são justamente aqueles portadores de níveis altos de proteína C-reativa, sugerindo uma ação anti-inflamatória para essa classe de drogas.

As concentrações de proteína C-reativa no sangue são coerentes com os demais fatores de risco para doenças cardiovasculares. Seus níveis se elevam com o fumo, com o aumento de peso, com o diabetes, com a hipertensão arterial e com o passar dos anos. O álcool exerce efeito aparentemente paradoxal: os abstêmios apresentam níveis mais altos da proteína, que caem nas pessoas que tomam um ou dois drinques por dia e sobem significativamente nos que exageram na bebida (distribuição que acompanha exatamente o risco de infarto).

Além do colesterol, é claro, é preciso controlar os níveis de proteína C-reativa em seus exames de rotina.

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