Permanecem obscuros os detalhes da interação entre genética e ambiente que provoca a doença celíaca, caracterizada pela intolerância ao glúten.
Permanecem obscuros os detalhes da interação entre genética e ambiente que provoca a doença celíaca.
Diarreia crônica, distensão abdominal, fadiga, lesões de pele e emagrecimento, os sinais e sintomas sugestivos da doença celíaca, foram reconhecidos pela Medicina há séculos. Em 1880, o pediatra inglês Samuel Gee suspeitou haver alguma propensão hereditária, embora não conseguisse identificar algum tipo de “fraqueza constitucional” associada à doença, naquele tempo conhecida como “infantilismo intestinal”.
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Gee supôs que o quadro fosse consequência de um erro na dieta, hipótese em consonância com o pensamento em voga. E perguntou: “Por que entre vários filhos dos mesmos pais, criados da mesma forma, apenas um apresenta a doença?” “O que coloca em risco uma das crianças e não as outras?” Por décadas essa questão provocaria especulações sobre a etiologia da doença celíaca.
Quando a bacteriologia iluminou os espíritos no início do século 20, a presença de um microrganismo oculto serviu de explicação para qualquer patologia. Em 1908, Christian Archibald, em Nova York, defendeu que a causa da doença celíaca estaria ligada à colonização dos intestinos por alguma bactéria ainda desconhecida.
Em 1940, o pediatra holandês Willem Dicke observou a associação entre a ingestão de proteínas do trigo e as manifestações clínicas. A diminuição da mortalidade por doença celíaca durante a epidemia de fome que devastou a Holanda em 1944, fortaleceu a suspeita. Foi em 1952 que a inglesa Charlotte Anderson demonstrou que o glúten, existente no trigo, na cevada e no centeio, era o causador das lesões histológicas encontradas na mucosa intestinal dos doentes.
Nossos conhecimentos sobre a resposta imunológica, o papel dos genes e os mecanismos moleculares avançaram muito nos últimos anos, mas os detalhes das interações entre hereditariedade, desenvolvimento e o ambiente em que vivemos ainda permanecem obscuros.
Nessa época, diversos autores buscavam etiologias pouco ortodoxas para explicar enfermidades como o lúpus eritematoso disseminado, artrite reumatoide, esclerose múltipla e anemia hemolítica, entre outras. As suspeitas recaíram sobre a possibilidade de existirem reações aberrantes do sistema imunológico, em afronta ao dogma de que a imunidade serviria apenas para nos defender das agressões externas.
Nos anos 1960, vários estudos demonstraram mecanismos imunopatológicos envolvidos na gênese e na progressão da doença celíaca, mas foram necessários mais 20 anos para que fossem aceitos sem reservas pela comunidade científica. Mais tarde ficou evidente que determinadas proteínas que regem a compatibilidade genética entre os indivíduos (antígenos de histocompatibilidade – HLA) indicavam predisposição para diversas enfermidades autoimunes, entre elas a doença celíaca.
Uma epidemia da enfermidade em crianças suecas nascidas entre 1984 e 1996 gerou indagações sobre o papel da hereditariedade e dos padrões dietéticos. Quanto mais curto o período de amamentação e mais precoce a introdução do glúten na dieta, maior o risco em crianças geneticamente predispostas.
Nossos conhecimentos sobre a resposta imunológica, o papel dos genes e os mecanismos moleculares avançaram muito nos últimos anos, mas os detalhes das interações entre hereditariedade, desenvolvimento e o ambiente em que vivemos ainda permanecem obscuros.