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Coração e futebol | Artigo

homem idoso torcendo no sofá de casa, enquanto segura bola de futebol
Publicado em 19/04/2011
Revisado em 11/08/2020

Coração e futebol podem estar relacionados: em dias de jogos emocionantes, aumenta o número de torcedores que apresentam eventos cardíacos

 

Emoções fortes abalam corações sensíveis, reza a sabedoria popular. Expressões como “morri de medo” ou “meu coração saltou pela boca”, ilustram essa relação de causa e efeito.

Todos nós já ouvimos relatos de pessoas que caíram fulminadas ao receber uma notícia trágica. Embora a medicina reconheça que o estresse é uma das causas de infarto do miocárdio, arritmia cardíaca e derrame cerebral, o mecanismo envolvido na gênese desses processos é mal conhecido.

Faço essa introdução, para comentar dois trabalhos recém-publicados sobre o tema.

O primeiro foi realizado por cardiologistas americanos, com 19 pessoas que apresentaram sintomas muito sugestivos de infarto do miocárdio, após viver experiências traumatizantes ou de receber a notícia da morte inesperada de um ente querido.

 

Veja também: As emoções e o coração

 

O segundo foi conduzido por médicos alemães durante a última Copa do Mundo, para verificar se o número de ataques cardíacos na região de Munique aumentava nos dias de jogos da seleção da Alemanha. No estudo americano, todos os pacientes haviam chegado ao pronto-socorro com dores no peito, falta de ar e alterações circulatórias sugestivas de ataque cardíaco. No entanto, ao avaliá-los por meio de imagens, os cardiologistas não encontraram sinais de obstrução das coronárias.

Os exames laboratoriais mostraram que os níveis sanguíneos de catecolaminas (mediadores com ação semelhante à da adrenalina, liberados durante o estresse) atingiam valores 7 a 34 vezes acima do normal. E, mais importante, eram pelo menos duas a três vezes maiores do que os dos pacientes com obstrução das coronárias, que haviam realmente sofrido infarto. Tratados apenas com medidas de suporte, todos os doentes tiveram recuperação completa, no período de sete a dez dias.

O mecanismo aventado é de que o estresse mental libere catecolaminas que causam contrações dos ramos mais calibrosos das artérias coronárias – mesmo na ausência de placas obstrutivas de colesterol – provocam espasmo dos ramos mais finos e agridem diretamente as células musculares cardíacas.

Agora, voltemos à Copa da Alemanha, disputada no período de 9 de junho a 9 de julho de 2006.

Os autores consultaram os serviços de emergência da área de Munique e adjacências, para saber quantas pessoas haviam sido atendidas com os seguintes diagnósticos: infarto do miocárdio, angina (dor precordial) de forte intensidade, arritmia ou parada cardíaca.

O número de ocorrências diárias durante a Copa de 2006 foi comparado com as que aconteceram nos mesmos meses de 2003 e de 2005, no mês que antecedeu e no que sucedeu a realização da Copa (períodos-controle).

No decorrer da Copa, 4279 pacientes foram admitidos nos serviços de emergência, com as queixas acima. Nos dias em que os jogos foram disputados entre equipes estrangeiras, sem a participação alemã, o número de atendimentos dos prontos-socorros foi igual ao ocorrido nos períodos-controle. Já, nos oito dias em que o time alemão atuou, as internações por emergência cardiovasculares aumentaram em média 2,66 vezes. Provavelmente, como reflexo da preferência masculina pelo futebol, o aumento entre os homens foi mais elevado: 3,26 vezes; contra 1,82 nas mulheres.

No primeiro jogo, Alemanha x Costa Rica o número de eventos cardiovasculares duplicou, em relação ao dos períodos-controle. Na partida seguinte, contra a Polônia, em que os alemães marcaram o gol da vitória no último minuto, o efeito foi ainda mais pronunciado: aumento de 2,5 vezes. Na terceira, contra o Equador, com a Alemanha já classificada, o número de atendimentos praticamente retornou ao dos anos anteriores. Nas partidas que se seguiram, nas quais o perdedor seria sumariamente eliminado, o número de  atendimentos nas unidades de emergência cresceu significativamente. Na quarta de final, contra a Argentina, que terminou com vitória da Alemanha nos pênaltis, os eventos cardiovasculares triplicaram em relação aos períodos-controle. Na semifinal, que terminou com derrota diante da Itália, idem.

Já na partida contra Portugal, em disputa pelo modesto terceiro lugar, os atendimentos voltaram à normalidade e assim se mantiveram nos meses subsequentes.

Se os alemães reagem com essa paixão, imagine como será no Brasil? Por isso, leitor, se você tem problemas cardíacos, e fica uma pilha de nervos quando as coisas vão mal para o seu time, aceite um conselho: na hora do jogo, vá para o cinema.

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