Vinho, câncer e a perda de apetite | Artigo

Num estudo conduzido pelo North Central Cancer Treatment Group, dos Estados Unidos, que envolveu portadores de câncer de intestino e de pulmão, a incapacidade de alimentar-se estava claramente associada a doenças mais agressivas, mais avançadas e sobrevidas mais curtas.

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Publicado em: 18 de abril de 2011

Revisado em: 9 de agosto de 2021

A falta de vontade de comer é uma das cinco queixas mais frequentes nas fases mais avançadas do câncer. A perda do apetite nos estágios finais de evolução da doença tem implicações importantes no prognóstico e na qualidade de vida. 

 

Num estudo conduzido pelo North Central Cancer Treatment Group, dos Estados Unidos, que envolveu 1.115 portadores de câncer de intestino e de pulmão, a incapacidade de alimentar-se estava claramente associada a doenças mais agressivas, mais avançadas e sobrevidas mais curtas.

Além de constituir fator prognóstico relevante, a perda do apetite é fonte permanente de tensão familiar. Quando o doente se nega a comer e a família inconformada insiste que ele o faça, instala-se um conflito que não tem solução.

 

Veja também: Estilo de vida e câncer

 

Nessas situações, surge uma infinidade de sugestões e de receitas infalíveis para resolver o impasse. A prescrição de vitaminas é de longe a mais adotada. No mercado, há inúmeros complexos vitamínicos das mais variadas composições, nacionais ou importados, para atender a todos os gostos.

Embora a diversidade dessas preparações seja imensa, em matéria de estimulação do apetite, todas têm algo em comum: são inúteis! Nunca houve estudo científico digno desse nome capaz de demonstrar que as vitaminas tenham a propriedade de aumentar o apetite e a massa corpórea de quem quer que seja.

Na cancerologia, há apenas duas estratégias que demonstraram alguma eficácia nessa área: o uso de derivados da cortisona e do hormônio progesterona. Ainda assim, ambas apresentam resultados bem modestos.

Dada a precariedade de soluções que a medicina pode oferecer, as principais associações médicas da área costumam recomendar: “Desde que seu médico não veja contraindicação, você pode tomar um copo de vinho antes das refeições”.

Teoricamente, a recomendação parece ter sentido: o costume de um aperitivo antes das refeições é milenar. Além disso, o consumo regular de álcool está associado a aumento do peso corpóreo, fato que sugeriria um efeito positivo em relação ao apetite.

Cynthia Ma e Aminah Jatoi, da Mayo Clinic, fizeram uma revisão bibliográfica exaustiva para avaliar se existem evidências científicas de que o vinho possa aumentar a vontade de comer, em portadores de câncer avançado. Para analisar a relação entre ganho de peso e uso de bebidas alcoólicas, os autores começaram com uma revisão dos grandes estudos epidemiológicos mundiais, como o Health Professionals Follow Up Study, que acompanha 138.031 homens, o Nurses’ Health Study II, que inclui 49.324 mulheres, além de outros.

Esses estudos, que envolvem mais de 360 mil participantes acompanhados durante vários anos, revelaram existir uma associação direta entre consumo de álcool, ingestão de maior número de calorias e aumento de peso.

Curiosamente, a análise mostrou que entre os bebedores de vinho, o ganho de peso não pode ser explicado apenas pelas calorias nele existentes. Esse fenômeno é consequência do fato de que não há redução na quantidade de calorias ingeridas na refeição, para compensar aquelas do vinho, isto é, as pessoas comem o que comeriam caso não bebessem, e acrescentam as calorias extras provenientes da bebida.

E no caso dos pacientes com câncer dominados pela anorexia? Existem dados científicos rigorosos que nos permitam recomendar o tal copo de vinho antes das refeições? Os pesquisadores da Mayo Clinic não encontraram um único ensaio clínico que tentasse provar se o vinho é útil ou ineficaz no combate à anorexia associada ao câncer.

Na falta de dados científicos, o que o médico deve dizer aos doentes quando perguntam se um aperitivo antes das refeições pode ajudá-los?

Acho que devem responder com sinceridade:
– Não sei, não há estudos que provem. Mas, nenhum que afirme o contrário.

 

Referência

Journal of Clinical Oncology
JCO 25: 1285- 87, 2007

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