Insegurança alimentar

O Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de alimentos. Entre nós, insegurança alimentar e fome existem sem que haja medidas políticas responsáveis para reverter esse quadro vergonhoso. Leia no artigo do dr. Drauzio.

mãos, colher e prato com pedaço de pão sobre a mesa, em sinal de insegurança alimentar

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Publicado em: 4 de dezembro de 2023

Revisado em: 4 de dezembro de 2023

No mundo, 220 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar. Mais do que escassez de recursos, a fome é fruto de decisões políticas. Leia no artigo do dr. Drauzio.

 

A ONU estima que 220 milhões de pessoas vivam com insegurança alimentar.

No United Nations Summit de 2015, os líderes mundiais reunidos em Nova York assinaram um documento no qual assumiram o compromisso de acabar com a desnutrição e a fome até 2030. Esse documento fez parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Veja também: Insegurança alimentar: quase 3 mil bebês são internados em 2022 com sintomas de desnutrição

Dados do World Food Programme e da FAO mostram com clareza a relação existente entre dificuldade de acesso à alimentação e a violência em suas várias formas: sexual, racial, religiosa, urbana, política ou de gênero.

A história da humanidade é repleta de exemplos de que os conflitos armados são causas primárias de desnutrição e epidemias de fome. É o que acontece, neste momento, em países como Etiópia, Sudão, Afeganistão, Mali ou Síria.

A comunidade internacional ainda não se convenceu de que é preciso implementar políticas imediatas para agir contra a escassez de víveres, assim que as guerras eclodem. Os últimos acontecimentos na Faixa de Gaza nos mostram como a fome se dissemina aos olhos do mundo, sem que medidas eficazes sejam adotadas para combatê-la.

As guerras agravam a insegurança alimentar, não apenas pelas plantações e os estoques de provisões que são destruídos ou desapropriados, mas pelas sanções financeiras internacionais usadas como arma para punir um dos lados e forçá-lo aceitar negociações de paz.

O relatório apresentado às Nações Unidas também analisou os efeitos das crises econômicas mundiais no consumo de alimentos. O impacto é muito desigual, como revelaram estudos do Banco Mundial que avaliaram os efeitos da inflação de preços dos alimentos, em abril de 2023.

Enquanto nos países da OCDE houve queda média de 12% nos preços pagos pelos consumidores, no Líbano, Egito e Zimbábue ocorreram aumentos de 81%, 27% e 30%, respectivamente.

Essa desproporcionalidade foi agravada por dois fatores principais: a pandemia de covid-19 e a guerra da Ucrânia. Antes da deflagração do conflito, Rússia e Ucrânia eram responsáveis por cerca de um terço da produção mundial de trigo.

O aumento dos preços dos combustíveis tem impacto negativo no acesso dos mais pobres aos alimentos. No caso do gás de cozinha, a relação é direta: quanto mais caro, menos famílias conseguem cozinhar em casa. A consequência é que passam a depender do consumo de industrializados.

Ao perceber que a população não encontra alternativas por causa do custo do gás, a indústria alimentícia aumenta os preços e a inflação cresce ainda mais. Cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI) revelaram que o lucro das corporações foi responsável por mais de 40% da inflação, apenas na área do euro.

No livro “Poverty and Famine”, publicado em 1981, o economista e filósofo Amartya Sen, professor da Universidade Harvard, escreveu: “A fome não é necessariamente o resultado da falta de alimentos, mas é criada pela ação e as escolhas da sociedade”.

Somos um dos maiores exportadores mundiais de alimentos. Apesar dos avanços na incorporação de tecnologia nessa área, nos últimos anos voltamos a conviver com a fome, que hoje aflige cerca de 33 milhões de brasileiros.

Esse número deixa evidente o aspecto mais cruel da sociedade em que vivemos: a insensibilidade diante do sofrimento alheio. Aceitamos que tantas crianças e adultos passem fome, como se nada pudesse ser feito para dar fim a essa tragédia.

O combate à fome tem de ser prioridade nacional. Não é possível que um país rico e desenvolvido como o nosso deixe sem comer milhões de habitantes. O custo para alimentar uma pessoa com os nutrientes mínimos para cumprir as necessidades energéticas do organismo é insignificante, comparado ao dos gastos que os governos e as pessoas esbanjam com o desperdício irresponsável e o luxo nababesco.

A falta de recursos financeiros é desculpa esfarrapada construída para aliviar nossas consciências: mesmo multiplicando o preço das três refeições diárias por 33 milhões, a conta ainda representa uma ninharia para a décima economia do mundo.

A insegurança alimentar e a fome, entre nós, não são fatalidades inevitáveis, mas escolhas políticas.

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