Permitir que fumantes dispersem partículas tóxicas no ar que outros indivíduos respiram, tornando-os fumantes passivos, é próprio de países que desprezam a vida humana.
Fumar em espaços fechados é um atentado à saúde de quem está por perto. Permitir que fumantes dispersem partículas tóxicas no ar que outras pessoas respiram é próprio de países que desprezam a vida humana.
Antes que você, leitor, diga que sou moralista e preconceituoso, apresso-me em confessar que fui dependente de nicotina por 19 malfadados anos, durante os quais fumei em ambientes com mulheres grávidas, crianças e senhoras de idade.
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Se remorso matasse, não estaria aqui este que vos escreve.
A meu favor, posso alegar apenas a ignorância em que éramos mantidos naquele tempo: não sabíamos quanto o cigarro nos prejudicava nem fazíamos ideia dos malefícios causados a terceiros.
Existiam indícios, é fato, mas os fabricantes investiam fortunas em propaganda para desqualificá-los. Essa gente praticou (e continua praticando) o crime mais repugnante da história do capitalismo.
Nos últimos 20 anos, entretanto, as evidências científicas se tornaram tão contundentes que ficou impossível negar o óbvio: fumantes passivos são pessoas que fumam. Logo, estão sujeitas às mesmas doenças que encurtam a vida dos dependentes de nicotina.
Acaba de ser publicado no “The New England Journal of Medicine“, a revista médica de maior circulação, um estudo escocês que ilustra o impacto da proibição do cigarro em ambientes fechados.
Em 2005, foi decretado na Escócia o “The Smoking, Health and Social Care Act” (ato para cuidar da saúde de fumantes), que baniu o cigarro de todos os espaços públicos e locais de trabalho, a partir de março de 2006.
Dez meses antes de a lei entrar em vigor, pesquisadores da Universidade de Glasgow passaram a coletar dados sobre o número de pessoas internadas com doença coronária aguda, em nove hospitais, responsáveis pelo atendimento de 63% dos casos existentes no país. Os resultados foram comparados com aqueles obtidos nos dez meses seguintes ao início da proibição.
Por meio de entrevistas, os pacientes foram divididos em três grupos: fumantes, ex-fumantes e não fumantes. Para confirmar, todos foram submetidos a um exame para determinar a presença de cotinina (um dos metabólicos da nicotina) na circulação.
Nos dez meses que antecederam a vigência da lei, foram internados 3.235 pacientes com quadros coronarianos agudos. Nos dez meses seguintes à proibição, esse número caiu para 2.684. Ou seja, 551 casos a menos; redução de 17%.
Houve queda em todos os grupos: 14% nos fumantes, 19% nos ex-fumantes e 21% nos não fumantes, a diminuição mais acentuada.
Os autores compararam esses dados com aqueles obtidos na Inglaterra, antes da lei que introduziu proibição semelhante, 17 meses mais tarde (julho de 2007).
No mesmo período em que os escoceses experimentaram os 17% de redução nas internações por doença coronariana aguda, na Inglaterra a queda foi de somente 4%. Duas semanas depois da vigência da lei, o número de fumantes passivos nos bares escoceses caiu 86%. As concentrações de cotinina na população adulta do país diminuíram 42%, resultado próximo dos 47% obtidos em Nova York, depois da entrada em vigor de lei semelhante.
Embora o estudo escocês tenha sido o mais completo até hoje publicado, está longe de ser a primeira demonstração dos benefícios da proibição do fumo em espaços comuns.
Em 2004, entre os 68 mil habitantes da cidade norte-americana de Helena, o número de internações por infarto do miocárdio diminuiu 40%. Entre os 148 mil habitantes de Pueblo, no Colorado, a queda foi de 15%. Nos 220 mil de Saskatoon, no Canadá, 13%. Em Roma, cidade com 2,7 milhões de habitantes, o número de casos caiu 8% naqueles com mais de 65 anos, e 11% na população abaixo dessa idade.
Todos os estudos demonstram que legislações restritivas ao fumo em espaços públicos não só reduzem o número de fumantes passivos como fazem cair os níveis de cotinina no sangue dos próprios fumantes.
Embora por ignorância, má-fé ou ganância exista quem se oponha a elas, não há mais dúvida de que leis desse tipo beneficiam indistintamente crianças e adultos, jovens e velhos, quem fuma e quem não o faz.
Se o Brasil adotasse leis como as dos países norte-americanos e europeus, quanto sofrimento nós evitaríamos? Até quando faremos parte do grupo de países atrasados, que dá ao dependente de nicotina o direito de jogar a fumaça de seu cigarro para dentro dos pulmões dos outros?