Publicado em 25/04/2011
Revisado em 22/10/2021

A estratégia sinistra da indústria de inventar os cigarros de “baixos teores” e criar a imagem de que seriam seguros já não se sustenta mais. Nos Estados Unidos, os fabricantes de “cigarros light” ou com “baixos teores de alcatrão” poderão ser processados por propaganda enganosa. 

 

Finalmente, os fabricantes de “cigarros light” ou com “baixos teores de alcatrão” poderão ser processados por propaganda enganosa. Nos Estados Unidos, prezado leitor, aqui ninguém se atreve a mexer com eles.

O caso foi levado à Suprema Corte americana graças a uma ação movida por três fumantes das assim chamadas versões “light” das marcas Marlboro e Cambridge, que se julgaram prejudicados pela propaganda de que esse tipo de cigarro não faria mal à saúde.

 

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A decisão dos juízes permitirá que qualquer fumante americano processe as grandes companhias.

Os cigarros “light”, “ultralight” ou de “baixos teores” foram lançados nos anos 1960, quando não havia mais como negar a relação entre fumo, câncer, doenças cardiovasculares, pulmonares e muitas outras.

A estratégia da indústria foi inventar os cigarros de “baixos teores” e criar a imagem de que seriam seguros. Para o consumidor, a lógica pareceu razoável: se o alcatrão provoca câncer, quanto menos alcatrão mais saudável.

Para completar a trama, adicionaram ao fumo um mundo de compostos químicos  destinados a disfarçar o paladar aversivo da nicotina e do alcatrão. O objetivo era um só: viciar as crianças em idade mais precoce e conquistar o público feminino.

Deu certo: os adolescentes começaram a fumar cada vez mais cedo e milhões de mulheres aderiram às marcas “light”.

Essa estratégia sinistra foi apoiada por campanhas publicitárias incessantes pela TV, rádios, jornais, “outdors” e revistas, com o objetivo de associar o fumo às práticas esportivas, à saúde e aos anseios de liberdade dos jovens que acabavam de ter acesso à pílula anticoncepcional.

Os países com governantes mais preparados do que os nossos perceberam as dimensões da tragédia social e dos custos da epidemia de fumo para o sistema de saúde, e proibiram a propaganda por rádio e TV, a partir dos anos 1970. Nós só o fizemos em 2000, por iniciativa do então Ministro da Saúde, José Serra.

Quer dizer, assistimos impassíveis ao crime continuado que as companhias internacionais praticaram durante décadas: viciar crianças e adolescentes com uma droga que provoca a dependência química mais avassaladora que a medicina conhece.

Você aceitaria, leitor, que quadrilhas internacionais fizessem propaganda pela TV de uma versão “light” de cocaína ou crack? Admitiria que eles utilizassem as técnicas publicitárias mais avançadas, para convencer sua filha de quinze anos que a tal droga melhora a performance esportiva, confere charme às usuárias, além de trazer liberdade sem prejudicar a saúde? Gostaria que, a peso de ouro, esses crápulas pressionassem sistematicamente os meios de comunicação para impedir a divulgação de qualquer opinião ou estudo que provasse o contrário?

Hoje sabemos que os cigarros de “baixos teores” são muito piores do que os mais fortes.

A nicotina age em receptores localizados nos neurônios cerebrais. Quando a droga é excretada, esses receptores ficam vazios e o fumante entra em crise de abstinência. Para aplacá-la, é preciso acender o próximo cigarro, para que a nicotina caia na circulação sanguínea através dos pulmões, e chegue aos neurônios em quantidade suficiente para ocupar todos os receptores disponíveis.

Quem controla a quantidade de nicotina a ser administrada em cada tragada é o cérebro do fumante. Se o cigarro é forte, poucas tragadas fornecem a nicotina necessária. Quando é fraco, elas se tornam mais profundas, demoradas, e o intervalo entre uma e outra encurta. Como consequência, a fuligem e os 6 mil compostos químicos resultantes da combustão entram em contato mais íntimo e destruidor com os brônquios e alvéolos pulmonares.

Os fabricantes sabiam disso?

Não os menospreze, leitor, estamos falando de organizações criminosas chefiadas por malfeitores profissionais.

Não apenas sabiam, como contrataram especialistas para ludibriar as máquinas em que são feitos os testes de controle das marcas de cigarros.

Em documentação interna datada de 1983, tornada pública por ordem judicial, executivos da British American Tobacco (controladora da Souza Cruz, no Brasil) recomendavam a seus subalternos: “O ideal é que os cigarros de baixos teores não pareçam diferentes dos normais.

Eles devem ser capazes de liberar 100% mais nicotina do que o fazem nas máquinas de fumar”.

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