tomate, fita métrica e canetas de Ozempic sobre a mesa. Medicamento não evita o efeito sanfona
Publicado em 08/01/2024
Revisado em 08/01/2024

Os medicamentos análogos GLP-1, como o Ozempic, podem funcionar muito bem para perdas temporárias de peso, mas descontinuar seu uso não evita o efeito sanfona. Assim, eles estão longe de resolver o problema da obesidade. Leia no artigo do dr. Drauzio.

 

A medicina pouco tinha a oferecer às pessoas que precisavam perder peso. A orientação que dávamos a elas ficava restrita ao óbvio: aumente a atividade física e reduza o número de calorias ingeridas. Para receber um conselho desses, valia a pena ir ao médico? Não seria o mesmo que dizer “beba moderadamente” para um paciente com alcoolismo?

Para enfrentar a epidemia de obesidade que se disseminou por diversos países a partir dos anos 1990, os recursos medicamentosos foram pífios até surgirem os chamados análogos do receptor GLP-1, dos quais a semaglutida (conhecida como Ozempic) é um exemplo. Em ensaios clínicos, essa classe demonstrou ser capaz de induzir perdas de 15% a 20% do peso corpóreo num número significativo de pessoas.

Veja também: Como o Ozempic age no corpo

O sucesso comercial foi instantâneo. O valor das ações da Novo Nordisk, empresa dinamarquesa proprietária das marcas Ozempic e Wegovy, duplicou nos últimos dois anos. Apenas no terceiro trimestre deste ano (2023), o faturamento da companhia cresceu 38%, correspondentes a 8,3 bilhões de dólares, de acordo com a Bloomberg.

A Novo Nordisk deixou para trás a Nestlé e a empresa controladora da Louis Vuitton e se tornou a companhia mais valorizada da Europa. Hoje, seu valor de mercado é de 431 bilhões de dólares, enquanto o PIB do país que lhe deu origem, a Dinamarca, é de 395 bilhões de dólares.

É evidente que lucros dessa ordem despertaram enorme interesse na indústria farmacêutica: há pelo menos 40 companhias envolvidas em pesquisas de novos produtos. É possível que a primeira geração dessa classe de medicamentos seja substituída por drogas mais eficazes ainda e com menos efeitos indesejáveis.

A obesidade, no entanto, é um problema crônico sujeito a recaídas que aumentam o risco de doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e problemas osteoarticulares, entre outros. Perder peso para recuperá-lo em seguida (efeito sanfona) tem pouco ou nenhum impacto na redução do risco dessas complicações. Estudos conduzidos nos anos 1990 sugerem que esses riscos podem até aumentar.

Um dos análogos GLP-1, a tirzepatida, foi testada no Estudo Surmount-4, com a finalidade de avaliar o efeito do tratamento contínuo em comparação com o tratamento descontinuado, na manutenção do emagrecimento. Os resultados foram publicados no início deste mês na revista científica “JAMA”.

O Surmount-4 é um estudo fase 3 conduzido em 70 centros, distribuídos em quatro países. Envolveu 783 participantes com IMC maior ou igual a 30 ou IMC maior ou igual a 27, porém com complicações clínicas que não fosse o diabetes – podia ser hipertensão, doença cardiovascular etc. A média de peso corpóreo era de 107,3 kg.

Nas primeiras 36 semanas, todos receberam uma injeção subcutânea semanal de tirzepatida. A partir de então, os participantes foram divididos ao acaso em dois grupos de 335: o primeiro continuou com as injeções semanais por mais 52 semanas; o segundo passou a receber uma injeção subcutânea semanal de placebo, pelas mesmas 52 semanas. A duração total do estudo foi de 88 semanas.

O peso corpóreo foi medido antes de iniciar o tratamento e nas semanas 36 e 88. A média de perda de peso dos participantes na semana 36, antes da separação dos grupos, foi de 20,9%.

Na semana 88, quando o estudo foi encerrado, aqueles que tinham continuado a receber tirzepatida semanal haviam emagrecido um pouco mais: em média 5,5%. Já os que trocaram tirzepatida por placebo recuperaram 14% do peso que haviam perdido até a semana 36.

Em resumo, nas 88 semanas de duração os participantes tratados continuamente perderam ao redor de 25% do peso, enquanto nos que descontinuaram a droga a perda foi significativamente mais modesta: cerca de 10%.

Tiram-se daí duas conclusões. Uma é que, pela primeira vez, a medicina dispõe de medicamentos que provocam redução significativa do peso. A outra é de que, como demonstram esta e outras pesquisas, o efeito persiste enquanto a administração é mantida com regularidade, mas vai se perdendo a partir do momento em que é suspensa.

São medicamentos muito caros, fora do alcance até mesmo da classe média brasileira. Por quanto tempo as famílias serão capazes de pagar por eles? Quais serão os efeitos indesejáveis do uso por anos consecutivos?

Está claro que os análogos GLP-1 podem funcionar muito bem para perdas temporárias de peso, mas estão longe de resolver problema da obesidade.

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