Fumar saiu de moda: no Brasil já fumamos menos do que em vários países da Europa e nos Estados Unidos. O aumento da taxação e a redução da publicidade são fatores responsáveis pelos baixos índices de fumantes.
Minha geração está sendo dizimada pelo cigarro.
Há 50 anos, fumar era considerado uma espécie de rito de passagem para a vida adulta. A indústria do fumo criou esse mito por meio de investimentos milionários numa publicidade criminosa, onipresente no rádio, na televisão, nos jornais, nas revistas e nos outdoors espalhados por todas as cidades.
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Dirigidos às crianças e aos adolescentes, os comerciais apresentavam homens bonitos cercados de mulheres maravilhosas, machões que cavalgavam pelas montanhas, surfistas em ondas gigantescas e pilotos de corrida que, no final, acendiam um cigarro da marca do fabricante.
Nos anos 1960, a indústria percebeu que poderia duplicar as dimensões do mercado consumidor caso as mulheres também se tornassem dependentes de nicotina.
Lançaram, então, os cigarros de “baixos teores“, mais perniciosos até, porém mais palatáveis ao gosto feminino. Vieram apoiados por um bombardeio publicitário que associava o fumo ao charme e à liberdade que as meninas começavam a adquirir, graças ao acesso à universidade, à pílula anticoncepcional e à possibilidade de viver numa sociedade menos machista.
Nos anos 1990, comecei a tratar casos de câncer em amigos da adolescência. Quase todos eram homens e fumavam havia 20 ou 30 anos. Na virada do século, chegou a vez das mulheres.
No Brasil de hoje, fumamos menos do que em todos os países da Europa. Alemanha, Inglaterra, Áustria, Noruega, Dinamarca, Itália e outros países com níveis de escolaridade, renda per capita e organização social bem superiores aos nossos, fumam mais do que nós.
Perdi a conta de quantas amigas e amigos morreram de câncer, ataques cardíacos, derrames cerebrais, doenças pulmonares – e dos que ainda estão vivos, mas limitados por enfermidades respiratórias que lhes tiram o fôlego e a liberdade para andar até a esquina.
Caso pertença ao sexo masculino, o fumante vive 12 anos menos. Dez anos menos, se for mulher. Se jogar fora dez dias de vida é desperdício inaceitável, o que dizer de partir desta para o nada uma década mais cedo do que deveria?
Mais brasileiros morrem por causa do fumo do que pela somatória das doenças infecciosas. São 200 mil óbitos por ano.
O último levantamento do Ministério da Saúde, no entanto, traz esperança de que essa realidade mudará: nos últimos dez anos, um em cada três brasileiros deixou de fumar.
Cerca de 25% dos homens e 17% das mulheres se declaram ex-fumantes, indicação de que elas têm mais dificuldade de parar, como vários estudos epidemiológicos demonstram.
A consciência de que adultos e crianças expostos à fumaça do cigarro alheio também são fumantes está mais clara. De 2008 a 2013, o número de não fumantes expostos ao fumo passivo em suas residências caiu 61%.
De acordo com o Ministério, o aumento dos impostos cobrados sobre cada maço colaborou para a queda do número de fumantes, fenômeno comprovado em todos os países. Segundo pesquisa do Inca (Instituto Nacional do Câncer), 62% dos fumantes pensaram em largar o cigarro por causa dos preços no Brasil.
Em contrapartida, o consumo de cigarros contrabandeados cresceu. Cerca de um quarto dos fumantes compra seus maços abaixo do preço mínimo legal.
O nível de escolaridade da população tem impacto discutível na disseminação da epidemia: nas capitais do Norte e do Nordeste, a prevalência é mais baixa do que nas do Sul e do Sudeste. Em São Luís, há 5,5% de fumantes, contra 14,1% em São Paulo e 16,4% em Porto Alegre.
O dado mais importante da pesquisa é o da queda expressiva e continuada do número de fumantes. Nos anos 1960, pelo menos 60% dos maiores de 15 anos fumavam; hoje, são 10,8%.
Apesar dos bilhões de dólares investidos pelos Estados Unidos em campanhas contra o cigarro, cerca de 18% dos americanos ainda fumam.
No Brasil de hoje, fumamos menos do que em todos os países da Europa. Alemanha, Inglaterra, Áustria, Noruega, Dinamarca, Itália e outros países com níveis de escolaridade, renda per capita e organização social bem superiores aos nossos, fumam mais do que nós.
Como explicar?
Aumento da taxação, proibição da publicidade, as figuras horríveis impressas nos maços, o combate ao fumo passivo em ambientes públicos, combinados aos programas educativos nas escolas e às advertências médicas, foram medidas implantadas nos países desenvolvidos muito antes e de forma muito mais abrangente do que no Brasil.
Talvez o que nos diferencie seja o impacto das campanhas contra o cigarro levadas, pela televisão, aos quatro cantos do país.