Depressão e a teoria da queda de serotonina

Revisão sistemática refuta a teoria do desequilíbrio químico cerebral como causa da depressão. No entanto, o uso de antidepressivos ainda é indicado para tratar certos quadros depressivos. Leia na coluna de Mariana Varella.

homem sentado com o rosto apoiado nas mãos, em sinal de depressão

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Publicado em: 28 de julho de 2022

Revisado em: 27 de julho de 2022

Revisão sistemática refuta a ideia de que a depressão é causada por queda de serotonina. Veja na coluna de Mariana Varella.

 

Uma revisão sistemática realizada por pesquisadores da University College London e publicada este mês no periódico “Molecular Psychiatry” gerou um rebuliço na comunidade científica e na mídia do mundo todo.

Os autores da revisão refutam a explicação de que a depressão seja resultado de uma queda nos níveis da serotonina. Embora a teoria do desequilíbrio químico já não seja aceita por muitos psiquiatras há algum tempo, ela predominou durante décadas no meio médico e ainda é utilizada por muitos para explicar os mecanismos da depressão.

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Essa teoria afirma que a doença é provocada por um desequilíbrio bioquímico das principais monoaminas cerebrais, como serotonina, dopamina e norepinefrina. Essas substâncias atuam como neurotransmissores, espécie de “mensageiros” que realizam conexões entre dois ou mais neurônios.

Assim, para tratar a depressão bastaria equilibrar os níveis de neurotransmissores por meio de antidepressivos que inibissem a recaptação dessas monoaminas.

Em entrevista ao jornal inglês “The Guardian”, a dra. Joanna Moncrieff, psiquiatra e primeira autora da revisão, afirmou que não há evidência convincente de que a depressão seja causada por níveis baixos ou reduzidos de serotonina. Os autores da revisão, inclusive, analisaram estudos em que centenas de participantes sofreram uma diminuição artificial dos níveis de serotonina e não desenvolveram depressão. Outros estudos avaliados mostraram a influência de eventos externos no desenvolvimento de quadros depressivos.

Não à toa, a dra. Moncrieff é uma crítica ferrenha da indústria farmacêutica. Para a médica, a indústria lucra ao difundir a falsa ideia de que há uma cura química para a depressão.

“Ainda não foi possível determinar com exatidão qual é o mecanismo fisiológico que causa a depressão”, afirma Luís Fernando Tófoli, professor de psiquiatria da Unicamp.

O médico explica que há uma série de fatores de risco com características biológicas, psicológicas e sociais que podem precipitar ou agravar uma depressão, como passar por uma perda importante, ter familiares de primeiro grau com depressão, vivenciar privação socioeconômica ou abusos na infância, entre outros.

“O cérebro é um órgão de relação, portanto há uma influência direta do ambiente externo na maneira como reagimos às situações”, acrescenta o psiquiatra José Gallucci Neto, diretor do serviço de eletroconvulsoterapia do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.

Isso não significa dizer que não possa haver algum desequilíbrio químico no cérebro que contribua para o surgimento da depressão, mas não é correto afirmar que essa seja a única causa ou a origem de todos os casos.

“Não temos evidência suficiente para dizer que o desequilíbrio químico simplesmente não exista. Pode haver, por exemplo, alguma química cerebral ainda desconhecida. O que podemos negar com um grande grau de certeza é que toda e qualquer depressão seria causada por um desequilíbrio da serotonina ou mesmo outros neurotransmissores que são afetados pelos antidepressivos”, diz o dr. Tófoli.

Isso quer dizer que, como em quase todos os transtornos mentais, não há uma resposta simplista que explique a causa da depressão, como se acreditou há alguns anos.

Nesse sentido, a revisão inglesa ajuda a trazer luz para um fato que vem sendo pesquisado e observado na clínica médica: parte considerável dos pacientes com depressão não responde ao tratamento com antidepressivos com ação monoaminérgica, que buscam “equilibrar” os neurotransmissores monoaminas.

“Do ponto de vista de quem estuda a serio a psicofarmacologia, que é a ciência que se dedica ao uso de medicamentos em psiquiatria, não há novidade alguma [na revisão]. Entretanto, muitos colegas médicos, entre eles alguns psiquiatras, infelizmente usam a metáfora da ‘falta de neurotransmissores’ para justificar, de forma equivocada, o uso dos medicamentos para o tratamento da depressão”, explica o dr. Tófoli.

 

Uso de antidepressivos

 

Nem por isso é possível afirmar, por outro lado, que os antidepressivos sejam inúteis no tratamento da doença. Para o dr. Gallucci, essas medicações melhoram os sintomas mesmo que o desbalanço bioquímico não explique a depressão.

O dr. Tófoli concorda: “Os medicamentos que tratam a depressão – assim como outras ações não farmacológicas com evidências de melhorar sintomas depressivos, como certas psicoterapias, meditação de atenção plena e atividade física aeróbica – funcionam como moduladores da resposta emocional e da nossa relação com o mundo. E sabemos quais as propriedades dos medicamentos que fazem isso, assim já temos várias opções para utilizar”, conclui.

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“Quando analisamos um paciente com depressão, fazemos uma espécie de formulação causal para ele, em que buscamos fatores de dimensões individuais, que podem ser biológicos ou psicológicos, e sistêmicos, como problemas familiares ou sociais para entender os fatores de vulnerabilidade para adoecer daquele paciente específico”, conta o dr. Gallucci.

A psiquiatria moderna, por meio de novas evidências científicas surgidas nos últimos anos, cada vez mais entende a depressão e outros transtornos mentais como algo multifatorial, que exige diagnóstico e tratamentos individualizados que levem em conta os fatores de vulnerabilidade de cada paciente.

Como se vê, não há uma pílula mágica que cure um problema tão complexo como a depressão, não importa que nos tentem vendê-la.

 

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