Reeducação alimentar é a principal forma de tratar o comer compulsivo

Dietas restritivas não são o caminho mais indicado para tratar esse transtorno, que pode levar à obesidade e seus malefícios.

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Compulsão por comida precisa de ajuda profissional para evitar prejuízos a saúde. Reeducação alimentar é a principal solução.

 

O ato de comer está diretamente ligado à sensação de prazer e, por isso, em muitas situações, acabamos comendo muito mais que somente o necessário para suprir o organismo com nutrientes. É comum exagerar em ocasiões como um churrasco com amigos, uma pizza no sábado à noite ou mesmo diante daquele prato delicioso feito pela avó. Situações como essas, porém, são pontuais.

Por outro lado, existem pessoas que perdem o controle quando começam a comer e, assim, conseguem ingerir até 6 mil calorias em uma única refeição (mais que o dobro do recomendado para um dia inteiro). São casos de compulsão, que precisam de ajuda profissional para evitar prejuízos à saúde.

A principal consequência desse transtorno é a obesidade, já que o nível do metabolismo se ajusta para uma ingestão de calorias extremamente alta que, geralmente, acontece em um período de dias. 

 

Compulsão ou simples exagero?

 

Segundo o psiquiatra Alexandre Azevedo, membro do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulim) do Hospital das Clínicas, a diferença entre exagerar de vez em quando e o comer compulsivo está na frequência. Para que o ato seja caracterizado como uma doença, é preciso que ocorra pelo menos duas vezes por semana. “O comer compulsivo é um padrão recorrente, ou seja, acontece com frequência e está associado à perda de controle. Quando pensamos em compulsão alimentar, estamos nos referindo à pessoa que come grande quantidade de alimentos rapidamente, perde o controle e não consegue interromper a refeição mesmo quando se sente estufada ou plenamente saciada”, explica.

Nos casos em que o fator psicológico causa a compulsão, é preciso trabalhar o sentimento de frustração, a autocrítica e a autoavaliação como forma de prevenir o comportamento compulsivo.

Isso significa que, se uma pessoa está com muita vontade de comer feijoada, por exemplo, e acaba comendo três pratos no almoço, e sente prazer durante a refeição, mas está consciente de seu exagero, não se caracteriza uma compulsão. O médico esclarece que pacientes com esse transtorno repetem várias vezes porque não conseguem parar de comer. Mesmo com a sensação de saciedade e estufamento, muitos continuam comendo até vomitar, já que em determinado momento o estômago não suporta a quantidade de alimento ingerido.

 

Pacientes relatam dependência

 

Assim como o conceito de alcoolismo envolve a perda de controle diante da bebida, a compulsão envolve a perda de controle durante as refeições. “No sentido da perda de controle, alcoolismo e comer compulsivo são doenças semelhantes. No entanto, a orientação de evitar sempre o primeiro gole dada para os alcoólicos não pode ser seguida pelos comedores compulsivos, pois não há como evitar a primeira refeição”, diz o dr. Alexandre.

Ele conta que muitos profissionais questionam se de fato o comer compulsivo não seria uma forma de dependência, como uma dependência de carboidratos ou de açúcar, por exemplo. “Os próprios pacientes costumam dizer: ‘Doutor, sou dependente de açúcar’ ou ‘Sou dependente de carboidratos. Não posso comer de jeito nenhum, senão perco o controle’. Mesmo que isso seja possível, ao contrário das dependências químicas, como álcool e drogas, a pessoa precisa aprender não a evitar, mas a relacionar-se bem com todos os tipos de alimento.”

Apesar de ser comum associar o transtorno ao consumo de açúcar, não existe essa relação. “Embora muitos tenham compulsão por doces e pães, existem pacientes que perdem o controle diante de alimentos salgados, nas refeições principais ou fora delas e, por exemplo, no meio da tarde repetem o arroz, o feijão e a carne que comeram no almoço”, afirma o psiquiatra.

 

Veja também: O vício de comer

Bulimia nervosa e compulsão

 

Pessoas que comem compulsivamente e logo depois se forçam a vomitar ou tomam laxativos em doses altas para eliminar rapidamente o que comeram não são consideradas comedores compulsivos, mas sim pacientes com bulimia nervosa, doença com características e tratamento diferentes e que geralmente tem consequências mais graves. “Do ponto de vista médico e científico, só é considerado comedor compulsivo aqueles que têm episódios de compulsão alimentar e não utilizam nenhum método consciente de compensação. Contudo, do ponto de vista social, muitas vezes bulímicos e comedores compulsivos são enquadrados na mesma categoria”, afirma o psiquiatra.

 

Tratamento

 

O tratamento começa sempre pela reeducação alimentar. Não se recomenda a prescrição de dietas de baixo valor calórico, mesmo para aqueles com sobrepeso ou obesidade. Na reeducação, o foco não é a redução de calorias, mas sim a adequação de alimentos e horários de refeição corretos. “Também é importante comer algo nos intervalos entre as três refeições principais. Isso permite que o corpo se sinta sempre alimentado, mesmo que o valor calórico seja baixo. Assim, a pessoa percebe que pode controlar os episódios de compulsão e atingir um nível satisfatório de saciedade.”

Se a orientação nutricional não funcionar, o próximo passo é identificar os fatores psicológicos que podem estar causando os episódios de compulsão. O tratamento psicoterápico cognitivo-comportamental ajuda a desenvolver comportamentos que previnem o desencadeamento desses episódios. “Nos casos em que o fator psicológico causa a compulsão, é preciso trabalhar o sentimento de frustração, a autocrítica e a autoavaliação como forma de prevenir o comportamento compulsivo. O terapeuta pode auxiliar o paciente a elaborar uma lista de soluções viáveis para enfrentar os momentos de compulsão. Existem algumas técnicas que ajudam: ler um livro, ouvir música, sair de casa, andar de bicicleta. Uma vez posta em prática uma delas, 30 ou 40 minutos depois terá desaparecido a vontade de comer. Isso se ele não estiver realmente com fome e já tiver corrigido os maus hábitos alimentares”, explica o dr. Alexandre.

 

Como prevenir?

 

A principal maneira de prevenir o transtorno é a boa alimentação. Por isso, de acordo com o médico, é importante seguir uma reeducação alimentar desde a adolescência, mas com certa flexibilidade, pois é muito difícil se manter em um padrão de dieta muito restrita. Para isso, é preciso observar os horários e os alimentos adequados para cada refeição do dia. Não é tarefa simples, portanto é recomendado consultar um profissional.

Outra dica importante é alimentar-se antes que a sensação de fome se instale, para que assim se evite dar início ao ato compulsivo.

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