Dieta anti-inflamatória existe ou é apenas um mito?

De acordo com especialistas, adotar qualquer tipo de dieta sem acompanhamento de um profissional pode ser perigoso para a saúde e para o bolso.


Equipe do Portal Drauzio Varella postou em Alimentação

alimentos saudáveis sobre a mesa. veja os mitos a respeito da chamada dieta anti-inflamatória

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Publicado em: 20 de dezembro de 2023

Revisado em: 27 de dezembro de 2023

De acordo com especialistas, adotar qualquer tipo de dieta sem acompanhamento de um profissional pode ser perigoso para a saúde e para o bolso. Entenda os mitos sobre a dieta anti-inflamatória.

 

Faça um teste: digite “dieta anti-inflamatória” em algum buscador ou rede social e veja o que aparece. Provavelmente você vai se deparar com frases como “descubra o segredo da dieta que reduz a inflamação e fortalece a imunidade” ou “desinflame seu corpo com alimentos”, seguidas de um botão para comprar algum curso, e-book ou agendar uma consulta. 

O fato é que não há evidências científicas que sustentem a existência de uma dieta anti-inflamatória generalizada, com calorias e porções específicas. Há, sim, padrões alimentares já conhecidos, principalmente à base de vegetais, frutas e fibras, que ajudam o sistema imunológico e podem ser benéficos para pessoas com certas condições de saúde.

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“É muito difícil afirmar que existe uma dieta anti-inflamatória, porque o indivíduo vive em contextos de estímulos diversos, e não dá para falar ‘olha, essa dieta vai mexer com a inflamação’. No entanto, há, sim, alimentos que melhoram o perfil inflamatório”, diz a nutricionista Aline Silva de Aguiar, professora do Departamento de Nutrição e Dietética da Universidade Federal Fluminense (UFF). 

Antes de explorar quais alimentos são esses, aqui vai um ponto importante para entender essa história. Há dois tipos de inflamação: a aguda, que é “boa” e indispensável, e a crônica, uma das grandes vilãs do organismo.

A aguda é um processo natural e essencial à vida. Quando o corpo é invadido por algum patógeno (vírus, bactéria, fungo, etc.) ou sofre um trauma físico (batida no braço, por exemplo), o sistema imunológico manda um exército de células que secretam substâncias químicas, chamadas citocinas, para proteger e reparar o local. O processo é incômodo e causa vermelhidão e coceira, mas ocorre por tempo determinado. Portanto, não faria sentido desinflamar o corpo, como algumas dietas anti-inflamatórias prometem. 

Já a crônica é uma inflamação desenfreada que não para. Ou seja, aquelas células enviadas para lidar com o invasor ou com o trauma trabalham descontroladamente, liberando um monte de citocinas no corpo, o que afeta tecidos e pode evoluir para doenças, como câncer, alergias, diabetes, entre outras. Essa condição pode ocorrer devido à exposição constante a agentes infecciosos, poluição, produtos químicos ou por causa de doenças autoimunes. Não há dieta padronizada recomendada para esse tipo de situação, mas alguns alimentos podem contribuir ou não com o processo.

 

Alimentos inflamatórios e anti-inflamatórios

De acordo com pesquisas, alimentos que contribuem para o surgimento da perigosa inflamação crônica são carnes processadas, refrigerantes, carboidratos refinados, ultraprocessados, cachorros-quentes, nuggets de frango, biscoitos e aquelas comidas prontas de micro-ondas. Esses são apenas alguns dos principais exemplos. 

Bem comuns na dieta ocidental, esses alimentos estão associados ao excesso de peso e à obesidade, que têm uma relação íntima com a inflamação crônica. “A gordura faz placas nos vasos sanguíneos, favorecendo infarto e AVC”, disse o reumatologista Marco Antônio Araújo da Rocha Loures, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). 

Quando essas placas são formadas, o organismo interpreta que há algo errado ali, e começa a mandar as citocinas mencionadas logo acima, que passam a ser chamadas também de marcadores pró-inflamatórios. Por meio de exames de sangue é possível verificar a quantidade deles. Alguns dos principais são a proteína C-reativa (PCR), a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa).

Por outro lado, há alimentos que contribuem para a liberação de citocinas “boas” que fazem justamente o oposto. Alguns dos exemplos são verduras, frutas, leguminosas, azeite, temperos, ervas, peixes, nozes e chocolate meio amargo. Em geral, boa parte das iguarias citadas contém diversos tipos de vitaminas, como A, C e D; fibras; fitoquímicos; ômega 3; e cereais integrais. 

 

Dietas com alimentos anti-inflamatórios

Uma das dietas compostas por boa parte desses nutrientes considerados anti-inflamatórios é a mediterrânea, criada na década de 1950. Um estudo randomizado publicado em 2014, feito com indivíduos predispostos a doenças cardiovasculares, mostrou que a adesão a esse padrão alimentar diminui marcadores de inflamação e está associada à redução da morbidade e mortalidade por essas enfermidades.

Outra meta-análise baseada em diversos estudos, publicada em 2017 na revista “Public Health Nutrition”, mostrou que manter uma dieta rica em grãos, frutas, vegetais, legumes e nozes, sem alimentos de origem animal, diminui o marcador pró-inflamatório PCR. De acordo com os autores, uma dieta vegetariana pode ser uma abordagem útil para controlar a inflamação a longo prazo, mas isso se for seguida por dois anos.

Ou seja: há padrões alimentares validados pela ciência, compostos por uma variedade de frutas, vegetais e fibras, que já ofereciam cardápios saudáveis antes de o termo “dieta anti-inflamatória” ficar na moda e ser usado no marketing.

“Se mantenho uma dieta preocupada com as escolhas e incluo alimentos de melhor qualidade, mais grãos, mais fontes de fibra, mais temperos, mais ervas, enfim, eu vou mediando as citocinas que o organismo produz para controlar a resposta inflamatória”, fala a nutricionista Aline. 

Ela relata, no entanto, que não existem alimentos com poderes mágicos. “Às vezes vemos vídeos na internet com alguém falando ‘consuma banana verde que ela melhora depressão’, mas não dá pra falar que um alimento só vai fazer milagre. A gente tem que ter mudança no estilo de vida também para melhorar nossa capacidade de resposta inflamatória.”

Além de escolhas alimentares melhores, evitar cigarro e álcool e fazer exercício físico regularmente também são práticas que colaboram para uma vida mais saudável com menos inflamação crônica.  

 

Doenças autoimunes e dieta

Alguns anúncios de dietas anti-inflamatórias têm como alvo indivíduos com enfermidades específicas, como doenças cardíacas, câncer e principalmente distúrbios autoimunes. Para o dr. Rocha Loures, da SBR, os alimentos podem ajudar no tratamento delas, mas é preciso tomar cuidado com informações divulgadas sem embasamento científico.

“Os alimentos podem auxiliar pacientes com doenças autoimunes, mas não curam sozinhos. É preciso fazer o tratamento medicamentoso junto e não podemos generalizar e dizer que há uma dieta ou tratamento único para todo mundo, especialmente no caso das doenças autoimunes, cujo peso genético é muito grande.”

Um dos mitos difundidos na internet é que o leite deve ser evitado por pessoas com artrite reumatoide, doença inflamatória crônica e autoimune que afeta as articulações. No entanto, segundo o médico, não há nenhum estudo que garanta isso.

É preciso ficar atento aos mitos e, antes de adotar qualquer recomendação feita em vídeo ou blog, procurar um profissional especializado. Seguir coisas que são generalizadas, sem orientação médica e um acompanhamento profissional, é um erro, e isso pode afetar a saúde e a segurança econômica. Às vezes a pessoa gasta dinheiro na dieta e compromete o salário.”

A nutricionista Aline tem opinião semelhante. Ela fala que a internet é um campo útil de informação, mas é ideal dar preferência para especialistas com titulação científica. “Tem muita gente dizendo que não pode comer isso ou aquilo sem ter conhecimento, mas a questão é como comer de forma adequada.” 

Ela lembrou que o leite, citado no caso da doença autoimune, é um alimento líquido complexo com proteína, e qualquer composto com essa biomolécula estimula o sistema imunológico. No entanto, isso não significa que vai fazer mal. 

“Há pessoas que podem relatar algum efeito adverso quando bebem leite, e há pessoas que não. Se você sente desconforto, é só parar e rever outra substituição, mas de maneira geral as pessoas se dão bem com o leite, que tem várias gorduras que estimulam a microbiota intestinal.” 

E falando em microbiota intestinal, diversos estudos publicados nos últimos anos vêm mostrando como as bactérias presentes no intestino (não se assuste, mas há cerca de 300 trilhões delas vivendo no órgão) influenciam o complexo sistema de defesa do corpo. Algo compreensível, visto que entre 70% a 80% das células imunológicas estão no intestino.

No geral, a ideia é que há bactérias boas e ruins se comunicando com nossas células de defesa. Quando a quantidade de vilãs aumenta, seja por causa da obesidade, alguma doença ou consumo de ultraprocessados, algo pode sair do controle, facilitando o surgimento de inflamação crônica. Pessoas com artrite reumatoide, por exemplo, têm maior quantidade de uma bactéria chamada Collinsella aerofaciens nas fezes do que aqueles indivíduos sem a doença. Esses microrganismos aumentam os níveis de moléculas pró-inflamatórias associadas à enfermidade. 

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Sobre o autor: Lucas Gabriel Marins é jornalista e (quase) biólogo. Tem interesse em assuntos relacionados à ciência, saúde e economia.

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