Estudos têm demonstrado que o consumo excessivo desse tipo de alimento pode aumentar o declínio cognitivo, entre outras questões. Entenda.
Os alimentos ultraprocessados são produtos que passam por processamento industrial e muitas vezes são modificados quimicamente, com adição de aditivos como corantes, aromatizantes, emulsificantes, entre outros. Alguns exemplos são salgadinhos, biscoitos recheados, refrigerantes e macarrão instantâneo.
O consumo em excesso desse tipo de alimento é muito prejudicial à saúde, pois além dos aditivos, normalmente eles são ricos em sal e/ou açúcar. Por isso, eles já foram associados ao maior risco de uma série de doenças crônicas e problemas cardiovasculares. Mas você já ouviu falar sobre o impacto deles no cérebro?
Pesquisas recentes têm demonstrado que o consumo em excesso desse tipo de alimento pode fazer mal também à saúde do cérebro, causando prejuízos à função cognitiva e possivelmente afetando a saúde mental.
Maior risco de declínio cognitivo
Um estudo com dados do Brasil divulgado em 2022 revelou que o consumo em excesso de ultraprocessados pode causar maior declínio cognitivo. Para a pesquisa, foram usados dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), que acompanha cerca de 15 mil servidores públicos de seis cidades brasileiras – Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Vitória (ES).
O levantamento analisou as pessoas por pelo menos oito anos e usou as informações coletadas sobre alimentação e desempenho cognitivo para avaliar a associação entre consumo de alimentos ultraprocessados e declínio cognitivo ao longo dos anos.
“Nosso estudo demonstrou que aqueles que consumiam mais de 20% das suas calorias diárias (aproximadamente 400 calorias ou mais para uma dieta de 2000 calorias) vindas de alimentos ultraprocessados tinham um declínio 25% mais acelerado na função executiva e 28% mais acelerado na função cognitiva global – que, neste estudo, foi definida como uma combinação dos domínios de memória, fluência verbal e função executiva”, explica a dra. Natália Gomes Gonçalves, pós-doutoranda no Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e primeira autora do estudo, que teve coordenação da profª dra. Cláudia Suemoto, professora associada do mesmo departamento da FMUSP.
“Outro estudo que abordou essa associação foi realizado em idosos norte-americanos, que mostrou a relação entre o consumo de ultraprocessados e cognição; e o outro, um estudo britânico que investigou a associação entre o consumo desses alimentos e o risco maior de demência de todas as causas, demência vascular e doença de Alzheimer após 10 anos de acompanhamento”, destaca Marthina Streda Walker, nutricionista, mestre e doutoranda em psicologia clínica na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Contudo, ainda não sabe exatamente de que forma esses produtos agem no cérebro. “Nós não temos dados definitivos ainda sobre como os ultraprocessados podem afetar o cérebro. Nossa hipótese é de que pode haver microlesões vasculares no cérebro ou aumento da inflamação sistêmica resultantes do excesso de alimentos ultraprocessados”, afirma Natália.
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Ultraprocessados e saúde mental
Outra questão importante que vem sendo discutida é sobre o impacto do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde mental. “Existem estudos publicados que investigaram essa associação. O alto consumo de ultraprocessados, em particular bebidas açucaradas (refrigerantes e bebidas energéticas) está associado ao maior risco de depressão”, destaca a pesquisadora da FMUSP.
Mas também há muito a se entender sobre essa relação. De acordo com a profª dra. Ana Maria Feoli, professora do curso de graduação em nutrição e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS, o mecanismo de ação dos ultraprocessados na saúde mental ainda é desconhecido.
“Pesquisas deverão ainda elucidar essa questão. Porém, algumas hipóteses são lançadas pelos pesquisadores e profissionais da saúde: os ultraprocessados são ricos em gorduras e açúcares refinados, e em excesso e desequilíbrio, esses componentes podem estar envolvidos no estresse oxidativo e desencadear inflamação, impactando negativamente no funcionamento cerebral e consequentemente na saúde mental. O outro lado da mesma moeda é que o consumo exagerado de ultraprocessados geralmente está associado com a redução de uma alimentação saudável, composta por vegetais e frutas, fontes de antioxidantes e substâncias necessárias para as funções adequadas de todo nosso corpo, incluindo o cérebro. Com a redução desses alimentos ditos saudáveis, temos a redução de antioxidantes, como vitamina C, E, entre outros que são essenciais para reduzir a produção de radicais livres que geram o estresse oxidativo”, explica a especialista.
Como reduzir o consumo de ultraprocessados
Os alimentos ultraprocessados em geral são práticos de serem consumidos, e muitas vezes acabam fazendo parte da rotina por falta de tempo e planejamento.
“Reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados pode ser uma tarefa desafiadora, mas é possível com algumas estratégias. No Brasil, temos um material do Ministério da Saúde intitulado ‘Guia Alimentar para a População Brasileira’ e nele constam recomendações para uma alimentação saudável de forma clara e acessível. O guia apresenta ainda os 10 passos para uma alimentação saudável e a ‘regra de ouro’, que diz: Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados”, destaca Marthina.
As nutricionistas da PUCRS recomendam algumas estratégias que podem ajudar na redução do consumo de ultraprocessados:
- Informe-se sobre o assunto: conhecer os alimentos ultraprocessados e saber identificá-los é o primeiro passo. Leia os rótulos dos produtos e evite aqueles com longas listas de ingredientes desconhecidos;
- Priorize alimentos frescos: opte por alimentos frescos como frutas, verduras, vegetais, grãos integrais e legumes. Esses alimentos são mais nutritivos e benéficos para a saúde. Vá a feira;
- Desenvolva habilidades culinárias: cozinhar tem grande relação com uma alimentação mais saudável. Saber de selecionar, preparar, temperar e combinar os produtos favorece o consumo de alimentos in natura e evita o consumo de ultraprocessados;
- Planeje suas refeições: planejar suas refeições semanais ajuda a evitar a tentação de recorrer a alimentos ultraprocessados por conveniência e praticidade;
- Reduza gradualmente: faça mudanças graduais. Você não precisa eliminar todos os alimentos ultraprocessados de uma vez. Comece substituindo um item por vez e vá incorporando mais alimentos naturais ao longo do tempo.
“E lembre-se: o objetivo não é eliminar completamente esses alimentos, mas sim reduzir o seu consumo e incluir mais alimentos frescos e naturais na sua alimentação. Pequenas mudanças ao longo do tempo podem ter um impacto muito positivo na saúde a longo prazo”, finaliza Ana Maria.
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