Pessoas idosas tendem a se sentir mais solitárias por uma série de fatores, o que pode gerar impactos em sua saúde física e mental.
A expectativa de vida no Brasil atualmente ultrapassa os 76 anos. Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000 a 2023 a proporção de pessoas idosas (com 60 anos ou mais) quase duplicou no Brasil, indo de 8,7% para 15,6%. Em 2070, a projeção indica que quase 38% dos habitantes do país serão idosos. Diante desse cenário, é preciso pensar medidas não apenas para viver mais, mas para viver bem.
Em uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) publicada na revista científica “Cadernos de Saúde Pública”, quase 17% dos idosos relataram sempre sentir solidão, e 31,7% disseram se sentir sozinhos às vezes.
“A solidão na velhice pode trazer impactos muito profundos tanto na saúde física quanto na saúde mental e emocional da pessoa idosa. Essa fase da vida já é uma fase bastante marcada por mudanças, então, a perda de entes queridos, a perda de familiares próximos, redução da sua rede de suporte social, os amigos que trabalhavam com você já não estão mais próximos em função da aposentadoria. Às vezes, você não tem mais condições de frequentar os espaços que você frequentava – a gente está falando de limitação de mobilidade –, e isso pode potencializar os riscos de isolamento social”, afirma Naira Dutra Lemos, assistente social, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
Os efeitos da solidão na saúde
A solidão pode afetar a saúde da pessoa idosa de forma geral, impactando várias áreas da vida. A especialista lista as principais:
- Impactos na saúde mental: a solidão pode levar a sentimentos de ansiedade, insegurança e medo, o que muitas vezes é exacerbado justamente pela ausência de interações sociais;
- Sentimento de inutilidade: ainda no contexto da saúde mental, a pessoa pode passar a se sentir inútil por não produzir mais como antes, no caso de idosos que não têm mais atividade laboral (trabalho);
- Declínio cognitivo: o declínio cognitivo pode surgir com o passar dos anos e, segundo a professora, já existem estudos mostrando que a solidão crônica pode até acelerar o declínio cognitivo e aumentar o risco de demências;
- Problemas cardiovasculares: a solidão muitas vezes está associada a um maior nível de estresse – um estresse que se torna crônico e que pode impactar a saúde, aumentando o risco de doenças cardiovasculares;
- Insônia e outros distúrbios de sono: a solidão pode afetar o padrão do sono de algumas formas. Por ser pouco ativo durante o dia, o idoso não se sente cansado à noite e encontra dificuldades para pegar no sono; problemas cognitivos preexistentes podem prejudicar os ciclos do sono; ou a pessoa desenvolve medo de dormir sozinha, logo, não consegue descansar.
- Sedentarismo: quando a pessoa fica muito tempo em casa e não faz nenhuma atividade, o sedentarismo também aumenta o risco de doenças crônicas.
“E isso tudo pode levar a consequentemente até um aumento de risco de mortalidade”, pontua Naira.
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Rede de apoio é fundamental
Ter uma rede de apoio (seja familiar ou composta por amigos) nessa fase da vida é de extrema importância. Geralmente, é por meio dessa rede que a pessoa idosa tem ajuda para manter cuidados com a saúde, organização de finanças, tomadas de decisões e outras questões importantes, além de auxiliar na prevenção do isolamento e suporte emocional. Mas, em contrapartida, é justamente nesse momento que essa rede tende a ficar menor.
“À medida que nós vamos envelhecendo, a gente vai diminuindo a nossa rede. Os laços são mais tênues, a gente muitas vezes já não tem os amigos de infância, não tem os amigos de trabalho, e essa rede no momento que ela precisaria ser mais forte ela vai se fragilizando. É quase que uma incoerência da vida. No momento da velhice, talvez seja um dos momentos em que a gente precisa de mais apoio, apoio emocional, apoio dos amigos, apoio dos familiares, e essa rede tende a diminuir”, afirma Naira.
Por isso, a recomendação da especialista é trabalhar na manutenção desses laços, buscando frequentar novos espaços, mas também tentar manter amizades antigas – e, se possível, começar a pensar nisso ainda jovem, antes de entrar na velhice.
Contar com algum suporte social é fundamental, no entanto, nem sempre esse suporte virá de familiares. “É importante a gente ressaltar que nem sempre – muito diferente do que a gente pensa – a família é o melhor espaço para aquele indivíduo. Isso não pode ser uma máxima. Às vezes, a pessoa não construiu bons laços na sua família. E aí precisa buscar outros espaços que possam complementar isso, então, acho que esse é o significado de uma rede de suporte efetiva ampliada além dos laços familiares”, destaca.
A importância das atividades sociais
Manter atividades sociais é fundamental, mas não há uma receita, segundo Naira. “Eu não posso determinar quais são as atividades benéficas para um ou para outro, tudo vai depender do objetivo que você coloca naquela atividade e do seu interesse. Nesse sentido, os terapeutas ocupacionais, os assistentes sociais conseguem fazer um bom trabalho com os indivíduos, identificando os seus interesses”, afirma.
Algumas pessoas vão se interessar mais por atividades físicas, outras por atividades intelectuais e outras por trabalhos manuais, por exemplo. Assim, o ideal é que cada um consiga identificar suas áreas de interesse, aquilo que vai lhe trazer mais satisfação.
“Vou dar o meu exemplo: atividade física é a última coisa que eu gosto de fazer, então, eu cumpro uma atividade física porque sei que isso é importante para a minha saúde, mas não é o que eu mais gosto. Eu gosto de trabalhos manuais, eu gosto de arte, eu gosto de leitura, então cada um vai encontrar o seu caminho e a atividade que lhe dá maior prazer, e assim se torna mais benéfica para você”, completa.
Assista: Como evitar a solidão na velhice
Suporte psicológico
O acompanhamento com um profissional de saúde mental pode ser importante na velhice porque é uma fase da vida marcada por muitas mudanças significativas, que podem impactar o bem-estar físico, mental e emocional da pessoa.
“Então, por exemplo, a depressão, a ansiedade, o luto pela perda de uma pessoa próxima é bastante comum na velhice também, e neste momento a gente precisa desse suporte psicológico, e às vezes até psiquiátrico quando a gente fala de uso de medicamentos”, explica a assistente social.
Além disso, existem algumas situações específicas que podem indicar a necessidade desse acompanhamento, como:
- Problemas cognitivos: seja um declínio cognitivo leve ou a própria demência, é importante que haja um suporte não somente para o indivíduo, mas também para os familiares próximos e/ou cuidadores;
- Limitações físicas: quando há dificuldades para enfrentar condições de saúde, como doenças e dores crônicas, o suporte de saúde mental pode ser útil;
- Isolamento social e adaptação à mudanças: quando há necessidade de ajuda para aprender a lidar com situações novas, como por exemplo, ir morar sozinho ou na casa de filhos porque ficou viúvo, ou mudanças de estilo de vida por não poder mais fazer coisas que fazia antes;
- Questões existenciais: mais para o fim da vida, pode ser necessário apoio para lidar com angústias e medos relacionados à morte, além de reflexões sobre o que e para quem vai deixar algo (sejam bens materiais ou questões emocionais).
Naira destaca a importância de identificar quando há necessidade desse atendimento. “É importante que essa pessoa procure [apoio psicológico] quando ele está apresentando alguma mudança de humor mais persistente, quando ele tiver com sintomas como uma insônia, uma apatia ou maior irritabilidade. Então, o acompanhamento nesse momento é bem importante. E esse acompanhamento também pode ser preventivo, antes que isso aconteça, quando iniciam essas fases de mudança na vida do indivíduo”, finaliza.
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