Doença é uma das infecções com menor índice de cura, e a imagem que fazemos dela é um tanto peculiar. Entenda por que a raiva faz a boca espumar.
Apesar de retratada muitas vezes com tom de comédia, a raiva (ou hidrofobia) é uma das doenças com menor índice de cura. Possivelmente, ao pensar na doença, uma imagem vêm à cabeça: boca espumando. Essa ideia foi passada por filmes, desenhos, histórias em quadrinhos etc. Mas, diferente do que geralmente acontece quando algum fato científico é retratado na cultura pop, nesse caso, a boca espumando faz sentido.
Para entender por que isso acontece, é preciso entender o mecanismo da raiva. O vírus da raiva é transmitido pela saliva do animal contaminado, principalmente pela mordida. Até existem outras formas, por exemplo, se o animal contaminado lamber o rosto de uma pessoa e a saliva dele entrar direto pela mucosa do olho, mas isso é muito raro. O mais comum é pela mordida, que, em mais de 95% dos casos, é de cachorro doméstico.
Quando o animal morde e transmite a raiva, o vírus pode ficar até 1 ano incubado na região da mordida, se multiplicando. Mas o que ele quer, mesmo, é chegar até o cérebro. É nessa janela de oportunidade, antes de chegar ao cérebro, que a pessoa pode ser vacinada, porque depois que o vírus chega ao SNC e começa a provocar sintomas… na imensa maioria das vezes, a doença é fatal. E a progressão dela é bem feia.
O vírus da raiva ataca neurônios, preferencialmente os que fazem parte dos Geradores Centrais de Padrão (GCP). Esse circuito controla movimentos que exigem ritmos organizados, como andar, por exemplo. Embora seja um movimento voluntário, não é preciso ficar pensando para andar, o ritmo regular de um passo após o outro é mantido, inconscientemente, graças a essa rede neural. Assim como andar, mastigar e engolir também exigem ritmo e, da mesma forma, são controlados pelos neurônios GCP.
Quando o vírus da raiva ataca essa células, a organização desses ritmos se perde. Engolir passa a ser difícil, porque os músculos envolvidos não respondem mais de uma forma organizada. Em vez de um movimento orquestrado, engolir passa a ser uma sequência aleatória de espasmos que, além de tudo, dói.
Com o tempo, só a ideia de engolir ja é suficiente pra provocar espasmos e trazer a memória de uma experiência horrível. A pessoa ou o animal contaminado começam a rejeitar engolir qualquer coisa, inclusive sua saliva, que se acumula na boca e começa a vazar ou formar a espuma que acabou associada à infecção. É por isso que a raiva faz a boca espumar. Em português existe, inclusive, a expressão “espumando de raiva”.
A raiva só não existe na Antártida, mas 95% das mortes se concentram na Ásia e na África. Todo ano, cerca de 60 mil pessoas contraem a doença. De todos eles, até hoje existem apenas 5 casos documentados de sobreviventes. E o Brasil concorre com os EUA nessa estatística: cada país tem 2 sobreviventes. O outro sortudo é da Colômbia.
Então, vale lembrar: vacine seu animal de estimação. E, se você for mordido por morcego, guaxinim, raposa, gambá, boi, gato — basicamente qualquer mamífero, inclusive cachorros que não estejam espumando –, procure assistência médica o mais rápido possível para receber a vacina.