Como é ter câncer durante a gravidez? | Bia Frecceiro

Como é tratar um câncer durante a gravidez? Ana Beatriz Frecceiro conta sobre a sua trajetória com um câncer de mama durante a gestação.

Drauzio Varella é médico cancerologista e escritor. Foi um dos pioneiros no tratamento da aids no Brasil. Entre seus livros de maior sucesso estão Estação Carandiru, Por um Fio e O Médico Doente.

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Ana Beatriz descobriu que tinha um câncer de mama quanto estava grávida do terceiro filho. Ela manteve a gestação enquanto fazia o tratamento.

 

A bancária Ana Beatriz Frecceiro descobriu que tinha Como é tratar um câncer durante a gravidez? Ana Beatriz Frecceiro conta sobre a sua trajetória com um câncer de mama durante a gestação. pouco tempo depois de engravidar. Ela já tinha Matheus, de 10 anos, e Daniel, de apenas 7 meses. Enquanto dava de mamar para o pequeno, notou a presença de dois carocinhos nos seios.

Inicialmente, foi indicado que ela interrompesse a gravidez, mas ela não quis e procurou uma segunda opinião médica. Com o apoio de outros especialistas, iniciou o tratamento em meio à gestação e deu luz à caçula Louise. Neste Cabine do Paciente, ela conta a sua trajetória.

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Eu sou a Bia Frecceiro, bancária e criadora de conteúdo, e hoje eu tô aqui na Cabine do Paciente do Doutor Drauzio Varella.

Essa sou eu. Aos 31 anos e com dois filhos, fui diagnosticada com câncer de mama. Ah, um detalhe, eu estava grávida.

Eu descobri a gravidez em um mês e, no mês seguinte, eu fui diagnosticada com câncer de mama. Além de eu estar grávida, tinha um bebezinho que tinha acabado de nascer, e ele mamava, e naquele final de semana, ele parou de mamar. E, no banho, eu fui esvaziar minha mama pra não empedrar o leite e achei dois nódulos, duas bolinhas na mama direita.

Receber a notícia que você tá com câncer, independente de você estar grávida ou não, é uma sentença de morte, é um soco no estômago. O primeiro pensamento que veio na minha cabeça foi: “Eu vou morrer”. Quando eu fui diagnosticada, no dia seguinte, eu já procurei um mastologista e ele olhou pra mim e falou, sem a menor cerimônia: “Você tá grávida, bem no começo da gestação, você tem um câncer de mama, a gente vai tirar o bebê. No Brasil, um dos três casos em que o aborto é permitido é quando a gestação põe em risco a vida da mãe. Se você levar essa gestação adiante, você vai ter metástase, que é quando o câncer se espalha. Então, a gente vai interromper a gestação, vai ser um procedimento simples, a gente chama de aborto terapêutico. Tiramos o nenê pra salvar sua vida. E já começamos o tratamento.”

Mesmo o médico falando que eu tinha que tirar a minha filha pra sobreviver, eu não tirei. Um dos motivos de eu descobrir o câncer no início foi porque justamente os hormônios da gestação fizeram com que o tumor crescesse rápido. Por isso, eu consegui achar o nódulo bem no início. Então, minha filha salvou minha vida. E eu resolvi que ia salvar a vida dela também.

Com três meses e meio pra quatro meses, eu fiz a mastectomia total, grávida, então, eu amputei a minha mama totalmente. No mês seguinte, com quatro pra cinco meses, eu comecei as quimioterapias, e eu fiz quatro quimioterapias vermelhas, que são mais agressivas, durante a gestação. Daí, nós demos um espaço de dois meses pra Louise nascer.

Os médicos não sabiam se ela ia nascer prematura. Trinta e duas semanas, eu já fiquei com a mala da maternidade pronta porque a qualquer momento poderia ser preciso que a gente retirasse ela numa emergência. Mas eu esperei por dois meses porque a Louise nasceu dia 24 de janeiro de 2018, de 41 semanas, pesando quatro quilos e de parto normal.

Todos os médicos e enfermeiros, todo mundo ia no meu quarto no hospital pra ver sair leite da mama, a única mama que tinha, pra ver se tava realmente amamentando. E ela mamou, mamou por 25 dias, que foi o tempo que a minha oncologista me deu pra eu ter uma folga do tratamento, e quando ela tava com 25 dias, dia 19 de fevereiro, eu voltei pras quimioterapias.

Então, em 2018, eu tinha o meu filho Matheus, que é o meu filho mais velho, que tinha dez anos, o Daniel, que tinha um aninho, um ano e três meses, a Louise, eu tava no puerpério, ela não tinha 40 dias, ela tinha menos de um mês, e eu fazia quimioterapia toda segunda-feira, fazia uma quimioterapia semanal.

A quimioterapia grávida foi normal como uma quimioterapia de uma pessoa que não tá grávida. A única coisa que mudou, na verdade, foi o cuidado que os enfermeiros tinham comigo no hospital. Nossa, todo mundo me tratava muito bem, eu era mimada por todo mundo.

Eu tive sorte de estar grávida porque eu saía da quimioterapia, eu ia comer porque eu tinha fome, afinal de contas, eu tava grávida, né.

Fiz meu chá de bebê. No dia seguinte de uma quimioterapia, eu fiz o chá de bebê. Eu preparei o enxoval, eu arrumei o quartinho dela. Nossa, eu só lembrava que eu tava com câncer a cada três semanas quando eu tinha que fazer a químio. Afora isso, o meu foco era totalmente na minha filha, que tava vindo.

Todo mundo teme os efeitos colaterais da quimioterapia. É um tabu, né. Mas existem vários tipos de quimioterapia. As quimioterapias vermelhas, que eu fiz grávida da Louise, eu não tive nenhum efeito colateral, nada. Eu não passei mal, a única coisa foi que meu cabelo caiu, mas é algo esperado pra tratamento, né, significa que tá indo bem a quimioterapia.

Depois que ela nasceu, que eu fiz a quimioterapia branca, no puerpério, que eu fazia toda semana, eu tinha muita dor no corpo. Eu ficava três dias com muita dor e, na segunda-feira, quando passava a dor, eu começava a quimioterapia de novo. Mas essa dor, ela era atenuada com exercícios físicos. Então, eu fazia, nessa época, eu fazia natação diariamente, pra diminuir um pouco a dor da quimioterapia.

Me recomendaram que eu fizesse a mastectomia preventiva na outra mama porque eu tenho a mutação genética BRCA2, o que significa que o meu próprio DNA tem uma mutação que faz com que eu tenha câncer nas mamas, nos ovários e no aparelho digestivo. E, de lá pra cá, eu fiz 11 cirurgias porque eu tive que tirar a outra mama também. Então, eu fiz a reconstrução das duas. Eu fiz mais umas quatro ou cinco cirurgias separadoras da mama. Em novembro de 2019, eu tirei o útero, os ovários e as trompas, e entrei na menopausa precoce, aos 34 anos, também como forma de prevenção.

E, ano passado, eu tive que colocar uma prótese no quadril porque eu tinha já uma artrosesinha, e o tratamento oncológico acelerou e piorou muito a minha artrose do quadril. Com oito dias de cirurgia, eu tive uma trombose na artéria da perna operada. Os médicos levaram três dias pra achar minha trombose porque eles tavam procurando na veia e eles colocaram um stent, que é um tipo de uma prótese, numa das artérias que sobrou da minha perna, e ficou tudo bem.

Mas, com três meses, a minha prótese começou a deslocar. Ela tava assim, ela começou a fazer isso, ela saía de lugar, e eu descobri que o médico com quem eu tinha me operado tinha cometido um grave erro e feito uma angulação errada da prótese. Então, eu tive cinco episódios de luxação durante oito meses. Luxação é uma dor, eles chamam de dor da morte. E, agora, dia 16 de agosto, não faz nem dois meses, eu passei por uma nova cirurgia, minha 11.a cirurgia, pra fazer a revisão com outro médico pra trocar essa prótese. E, agora, graças a Deus, tô sem dor na perna e agora, sim, vida que segue.

Em novembro de 2019, eu perdi uma grande amiga pro câncer de mama e eu estive com ela durante toda a última fase do tratamento dela. E, quando eu me despedi dela na UTI, parece que foi um choque pra mim. Então, eu comecei a ter crises de pânico e estresse pós-traumático. Dois meses depois, eu comecei com psicologia, né, comecei a fazer terapia, com uma psicóloga maravilhosa. Dois meses depois que eu comecei terapia, eu me separei porque eu vi, então, que eu tava numa relação abusiva, meu companheiro na época não me ajudou em nada, nada, nada, durante o tratamento.

O relacionamento abusivo é aquele relacionamento que não é saudável, ou seja, um relacionamento que ele tenha algum tipo de violência doméstica, seja ela violência física, violência psicológica, violência sexual ou violência patrimonial.

Mas, de dois anos pra cá que eu me separei e meu cabelo cresceu, eu tô emagrecendo, então, eu tô começando a ter uma vida normal novamente. E comecei a falar, a ajudar outras mulheres. Criei um Instagram, comecei a dar palestras, hoje eu faço campanhas, dou entrevistas, Cabine do Paciente do Doutor Drauzio Varella, pra levar amor e esperança pra todas as pessoas.

Câncer de mama, eles falam que você só pode ser considerada curada se, depois de cinco anos do fim do tratamento, o câncer não voltar. Esse período que você não está curada, mas que você não está de alta, eles chamam de remissão. E agora, dia 2 de julho de 2023, eu vou completar cinco anos e finalmente eu vou ser considerada curada, vou ter alta. Claro, eu vou ter que ficar alerta para o resto da minha vida, que eu espero que seja longa.

Você ter tido câncer uma vez e estar curada é como você ter um revólver apontado pra sua cabeça que a qualquer momento pode disparar. É uma roleta russa, é um paradoxo, porque, ao mesmo tempo que você vive com medo que o câncer volte, você vive uma vida maravilhosa, você vive como nenhuma outra pessoa vive. A gente realmente aprende a viver de um jeito que todas as pessoas deveriam aprender a viver mesmo sem câncer.

Essa história que eu contei pra vocês já faz cinco anos. Eu só tô aqui hoje pra contar porque eu corri. Corri atrás de diagnóstico pra começar o quanto antes meu tratamento. Câncer de mama, quando diagnosticado no início, a chance de cura é de 95%.

O que eu posso falar pra você que tá passando por um câncer de mama hoje, grávida ou não, é pra você ter força e fé, porque o primeiro lugar que a gente vence o tratamento é aqui, ó, na nossa cabeça.

Câncer de mama tem cura, a cura do câncer de mama é o diagnóstico precoce. Se você, mulher, achar uma bolinha, achar que seu corpo tá diferente, corra porque, quanto antes você for diagnosticada, antes você vai começar o tratamento e mais chances de cura você vai ter. E você, que tá passando por isso, quando eu me olhava no espelho, careca, inchada, sem mama, sem cílio, sem sobrancelha, porque tudo isso mexe com a autoestima da mulher, eu me via lá na frente, eu não me via do jeito que eu tava, eu me via lá na frente, eu pensava: “Não, daqui a um ano, eu vou ter cabelo, daqui a um ano, eu vou ter sobrancelha”. E eu passei por aquilo e hoje eu tô aqui do jeito que eu me via. Então, tenha força, que tudo, tudo, tudo vai ficar bem.

Hoje eu tô em contagem regressiva pra minha cura, tô numa correria, né. Como eu me separei, eu moro sozinha com meus três filhos. Então, eu tenho meu trabalho no banco, eu tenho meu trabalho como influencer, criadora de conteúdo nas redes sociais. Cuido sozinha da minha casa. Tá uma loucura, mas é uma loucura que eu chamo de vida e não existe nada melhor do que estar viva, vivendo. Minha filha, que pediram pra eu tirar, vai fazer cinco anos agora em janeiro, ela é maravilhosa, ela é o amor minha vida, os meus três filhos são os amores da minha vida. Ela é uma menina muito especial, muito especial, e eu sou muito feliz hoje, muito feliz com segunda chance que eu tô tendo de viver, porque eu sempre brinco falando que eu tô aqui fazendo hora extra, e a hora extra é aquela hora que é mais cara, é aquela hora mais valorizada. Então, eu valorizo muito a hora extra que eu tô fazendo aqui nessa terra, nessa vida.

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